Lisboa, 30 de
Junho de 1985, na Cinemateca Portuguesa
decorria um ciclo dedicado a Jean-Luc Godard, realizador Francês e um
dos nomes responsáveis pela chamada “Nouvelle Vague” (Nova Vaga) do cinema
Francês dos anos 60. Ia ser exibido o filme “Je Vous Salue Marie – Eu Vos Saúdo
Maria” (1984), inédito no circuito comercial nacional, que já causara alguma
polémica no Festival de Cannes quando um espectador, descontrolado, atirou uma
tarte com creme de barbear à cara do realizador e fora proibido em vários
países católicos e até mesmo o Papa João Paulo II dissera que “o filme fere
profundamente os sentimentos dos crentes”. Alguém, respeitosamente, respondeu
ao Santo Padre perguntando-lhe se ele não sabia que só entra no cinema quem
quer.
Apesar da grande
confusão originada, com policia á mistura e tudo, o filme acabou mesmo por ser
exibido, com algum atraso e toda esta polémica e publicidade gratuita levaram a
que o filme fosse um dos grandes sucessos do realizador.
Alguns anos mais
tarde, Lisboa voltaria a ser palco de uma polémica quase idêntica, mas desta
vez o filme estreou no circuito comercial obteve um enorme sucesso comercial e
pôs o seu realizador debaixo de fogo durante anos.
Em 1956, depois de
muitas indecisões, Martin Scorsese entra num seminário decidido a ser
padre. Quando chegou a altura de tomar
os votos, o jovem Scorsese foi assaltado por sérias dúvidas que o levaram a
abandonar esta ideia. Em bom tempo o fez, canalizando a sua atenção para o cinema,
onde se formou em 1964.
Desde sempre que
Scorsese queria fazer um filme sobre a
vida de Jesus Cristo, mas faltava-lhe a matéria em que se basear, porque
ele não queria imitar as grandes obras do cinema mundial sobre o tema. Queria
algo que, apelaria, anos mais tarde, de
“o meu filme mais pessoal”.
Em 1972, enquanto
filmava “Boxcar Bertha – Uma Mulher da Rua”, Barbara Hershey, a actriz
principal desse filme, deu-lhe a conhecer o livro “The Last Temptation of
Christ”, escrito em 1951 e publicado em 1953, por Nikos Kazantzakis, escritor e filósofo
grego, no qual o autor dava a conhecer um Cristo diferente, cheio de dúvidas
sobre o seu papel no universo, um carpinteiro odiado pelos judeus por colaborar
com os romanos ao fazer-lhes cruzes que são depois usadas para crucificar os
seus pares. A actriz pediu ao realizador que transformasse o livro em filme e
que ela gostaria de interpretar o papel de Maria Madalena. Scorsese adorou o
livro. Kazantzakis expunha ali as mesmas dúvidas que Martin Scorsese tivera
anos antes. Tratou logo de adquirir os
direitos de adaptação e, em finais da década de 70, pediu a Paul Schrader, que já escrevera o
excelente “Taxi Driver” (Martin Scorsese, 1976), que transformasse o livro num
argumento. Scorsese tinha encontrado o seu Cristo, mas ainda iria ter de
esperar algum tempo até o levar até ao grande écran.
O filme abre com
um “travelling” vertiginoso (quase como se o Espírito de Deus descesse á terra)
que vai terminar num plano vertical sobre um homem deitado na terra (Jesus, o
escolhido por Deus para cumprir a sua missão, as vozes que estão na sua cabeça
e que ele não compreende o que pretendem
de si)
Aquilo que vemos no écran é um Cristo confundido
e pouco esclarecido sobre o propósito da sua missão e o que realmente querem
dele, para isso, vai magoar Deus, até
lhe ser explicado o que pretendem dele e fá-lo ao fabricar cruzes para os
romanos; Judas, ao contrário do que falam os Evangelhos, era o mais devoto dos
Apóstolos, cuja traição a Cristo foi para o salvar da própria humanidade e
quem, em última instância, salva Cristo de sucumbir à Tentação e morrer
condignamente em vez de o fazer como um ser humano comum; Maria Madalena, a
prostituta que ama Jesus, quere-lo só para si e não aceita que ele lhe seja
roubado, para o atingir, ela prostitui-se com todos os homens que encontra,
acabando eventualmente por ser salva por um Jesus pré-messiânico, na dramática
cena do apedrejamento onde Jesus tenta, em vão, explicar á multidão o que Deus
pretende.
Apesar da polémica que acompanhou o filme,
este conseguiu um sucesso moderado em países católicos e não católicos, críticas
divididas, assim como a opinião pública. Não raro foi assistir-se a grupos de
pessoas junto das salas de cinema a tentar convencer potenciais espectadores a
não verem o filme. Portugal, como habitualmente, não foi excepção nesta
situação. No meio de tanta polémica, o filme acabou por receber uma nomeação
para os Oscares da Academia, precisamente para o seu realizador.
Sem comentários:
Enviar um comentário