No Japão feudal do século XVI, um “Ronin”, era um guerreiro sem senhor a quem jurasse lealdade como o faziam todos os samurais na época. Eram considerados marginais e condenados a uma vida de penitência sem direito a ter novo senhor nem autorizados a cometer “seppuku” (suicídio que lhes traria nova honra). A sua vida não tinha qualquer sentido de existência.
Em 1998, o thriller “Ronin”, trouxe de volta um pouco desse espiríto e também voltou a pôr os filmes de acção na ordem do dia numa altura em que este género, desde a década de 80, não produzia um filme digno desse nome.
Num café em Montmartre, Paris, Sam e Larry, ambos americanos, encontram-se com Vincent um francês e Deirdre, do IRA, que os contratou a quem se juntam Spence, um inglês e Gregor, um alemão. Deirdre, uma operacional do IRA, explica-lhes que foram contratados por serem ex-agentes ou ex-militares tornados mercenários, para desempenhar uma missão que consiste em assaltar um grupo de homens fortemente armados e roubar uma mala metálica. Com mais dúvidas que certezas, mas perante uma boa quantia em dinheiro como pagamento, eles aceitam a missão mesmo não sabendo qual o conteúdo da mala e quais as razões para tal assalto.
Foi em 1997 que John Frankenheimer se juntou ao projecto por achar que o argumento era bom, era o tipo de filme que ele gostaria de ir ver ao cinema, com poucos efeitos gerados por computador (CGI). Ele que já não fazia um filme de cinema com sucesso desde “The Challenge – O Grande Desafio” (1982) com Toshirô Mifune e Scott Glenn. O realizador passara a maior parte da década de 80 e de 90 com diversos fracassos e alguns filmes para televisão com relativo interesse.
A ideia de “Ronin” foi concebida por John David Zeik, na altura recém-chegado ao cinema, depois de ler “Shógun”, o romance escrito por James Clavell em 1975, que ele lera quando tinha 15 anos e que, segundo o próprio, lhe dera informações suficientes sobre os ronins para que ele escrevesse a ideia anos mais tarde e a apresentasse à MGM para ser transformada num argumento para cinema. Pouco tempo antes de começar a rodagem, David Mamet foi trazido para reescrever algumas cenas, expandir o papel de Sam e acrescentar-lhe um interesse amoroso. O argumentista, não querendo diminuir o papel de Zeik, autorizou o seu nome em segundo lugar assinando o argumento sob o pseudónimo de Richard Weisz porque o seu principal interesse era assinar projectos em que ele fosse o único argumentista creditado, e aceitou partilhar os créditos com o colega.
“Ronin” é, essencialmente, um filme feito de personagens, locais e comportamentos. Os primeiros dez minutos são de puro cinema. Sam observa o interior dum Bistro antes de entrar, pensa-se que ele vai atacar quem lá está, mas depois de o ver esconder a pistola, percebe-se que vai apenas ter uma reunião com todos aqueles que foram contratados para um trabalho que ainda não se sabe o que é. O diálogo entre Sam e Deirdre que se segue é algo significativo na medida em que aumenta a curiosidade do espectador sobre o que está a ver “Porque é que foi espreitar lá atrás?” - pergunta ela. “Eu nunca entro num lugar sem saber como posso sair dele”- responde ele e assim começa este thriller carregado de mistério (afinal o que é que a mala metálica continha? Picadela de olho a “Pulp Fiction” de Quentin Tarantino. Algo com que todos se preocupam sem olhar a meios para obter, apesar de não interessar o que é) e acção sem parar, violenta e sangrenta, perseguições de cortar a respiração em cidades como Paris, Nice e La Turbie e voltas e reviravoltas com a entrada em cena de personagens que, apesar de secundárias, acabam por ser há volta de quem toda a história gira.
A comandar todas estas operações está John Frankenheimer, conhecido por algumas boas obras cinematográficas, alguns thrillers inteligentes como “The Manchurian Candidate – O Enviado da Manchúria” (1962), “Seven Days in May – Sete Dias em Maio” (1964) ou dramas como “Seconds – Uma Segunda Vida” (1966), “Birdman from Alcatraz – O Prisioneiro de Alcatraz (1962), ou “Grande Prix – Grande Prémio” (1966), mas também em filmes de acção e grande espectáculo como “The Train – O Comboio” (1964), Black Sunday – Domingo Negro” (1977), ou “French Connection II – Os Incorruptíveis contra a Droga Nº2” (1975). Um dos nomes do grande espectáculo e da acção. Frankenheimer sempre mostrou nos seus filmes um grande gosto pelas localizações onde situar a acção, também aqui opta por um esplendor visual dos locais onde filma trazendo-os para fora do simples fundo onde acontece a acção, tornando-os uma parte integrante da mesma (principalmente na cena na antiga arena romana), aliado a uma realização movimentada e que poucos momentos de calma proporciona ao espectador.
Rodeado de um grande elenco encabeçado por Robert DeNiro, que interpreta Sam, um ex-operacional da CIA, acompanhado por um Jean Reno, que interpreta Vincent, um agente francês que consegue arranjar tudo o que é preciso e ainda Natascha McElhone, Stellan Skarsgard, Sean Bean ou “Sir”Jonathan Pryce (excelente como Seamus, um assassino profissional frio e calculista), “Ronin” fez com que a carreira de John Frankenheimer voltasse a entrar nos eixos e foi também o último grande filme do realizador que faleceu em 2002.O Elenco de "Ronin"
Das poucas cenas calmas que o filme tem, destaca-se aquela em que Sam, ferido, dá instruções a Vincent em casa de Jean Pierre (Michael Lonsdale), um antigo companheiro de profissão do francês e que agora tem como hobbie principal a criação de figuras em miniatura, como remover a bala que o feriu “Uma vez retirei o apêndice de um tipo com uma colher de sobremesa”, explica Sam e continua “não a tires sem teres mesmo a certeza que o consegues”, a cena termina com um tom dramático mas ao mesmo tempo de comédia, “Achas que me consegues cozer sozinho? Então se não te importas, acho que vou desmaiar”. Mais tarde, já com Sam recuperado, Jean Pierre em conversa com eles, compara a situação de Sam com a lenda dos 47 ronins, é outro grande momento de cinema.
Como acontece muitas vezes em produções de cinema e televisão, são filmadas muitas cenas que depois acabam por não fazer parte do produto final. Com “Ronin” também aconteceu. Frankenheimer filmou dois finais alternativos: No primeiro, Deirdre está junto ás escadas do Bistro e pensa juntar-se a Sam e Vincent que estão lá dentro. Opta então por ir embora e quando chega ao seu carro, uma carrinha pára ao lado e dela saem homens mascarados (operacionais do IRA talvez?) e arrastam-na para dentro dela chamando-lhe traidora (presume-se que posteriormente seja morta). Sam e Vincent, sem saberem o que aconteceu, terminam a sua conversa, pagam e saem. A MGM detestou este final Frankenheimer, por seu lado, achou que até poderia resultar; no segundo final, Deirdre vai para o seu carro depois de Sam e Vincent saírem do bistro. Também foi rejeitado por ser muito Hollywood e que poderia significar uma possível sequela. O filme termna, no meu entender com um final mais comprometido e mais lógico: Sam e Vincent a conversar no bistro onde tudo começara, Sam olha ansiosamente para a entrada na esperança de ver Deirdre. Vincente acaba por convencê-lo de que ela não vai voltar. Vincent pergunta a Sam o que é que estava na mala, Sam diz que não se lembra e parte com o seu contacto da CIA enquanto o francês paga a conta e sai também.
“Ronin” foi apresentado no Festival de Veneza de 1998 antes da sua estreia em setembro do mesmo ano. Foi muito elogiado pela crítica pelos seus aspectos técnicos e houve até quem o considerasse um regresso em força de John Frankenheimer. Após a sua estreia, o filme fez uma bilheteira modesta no fim de semana de estreia nos Estados Unidos e Canadá, que foi compensada pela sua estreia na Europa. A crítica internacional disse que “Ronin” era um regresso em força de John Frankenheimede, mas também houve quem o considerasse uma obra-prima do realizador em final de carreira.
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