domingo, 19 de abril de 2020

                                 TWIN PEAKS III – O MISTÉRIO CONTINUA

         Em 1991, a ABC Television Studios decidiu suspender a série “Twin Peaks” que ia a meio da sua segunda temporada, alegadamente por quebra de audiências. A primeira temporada desta série tinha sido um sucesso quase sem precedentes, alcançara níveis de audiência nunca antes vistos e, mais importante que tudo, mudara a forma de fazer televisão para sempre. Os seis episódios que constituíam essa temporada giravam em volta de uma única pergunta que a todos intrigava: “Quem matou Laura Palmer?”

       A resposta à pergunta surgiu e foi revelada, mas com ela vieram também outras perguntas e outros mistérios que, dado o enorme sucesso obtido, seriam respondidas numa segunda temporada que entretanto já fora encomendada e já se encontrava em plena produção. 29 novos episódios que se propunham a aprofundar e revelar quais os acontecimentos que decorriam no quotidiano de Twin Peaks e que haviam levado a que  Laura Palmer, a rainha da beleza da cidade fosse assassinada.

      Há medida que íamos sendo enredados nos mistérios de Twin Peaks, o público ia perdendo o interesse porque achava que os rumos que a nova temporada tomara, com a adição de novas personagens  e a saída de cena de outras, estavam longe das orientações iniciais da série e levaram ao cancelamento da sua exibição logo após o último episódio desta temporada. No entanto ficou no ar o mistério sobre o que é que era afinal o “Black Lodge” e porque é que a personagem (ou espírito) de Laura Palmer no final do episódio, dentro do “Black Lodge”,diz ao agente do FBI, Dale Cooper, que se voltarão a encontrar dali a 25 anos? A resposta, talvez tenha (ou não) sido encontrada a partir de 2016 (imagine-se 25 anos depois do ultimo episódio da segunda temporada!!) na nova temporada de Twin Peaks! Pelo meio, em 1992, Lynch ainda voltou ao universo da pequena cidade americana com “Twin peaks – Os Últimos sete dias de Laura Palmer”, uma espécie de prequela da série que terminava com a morte da rainha da beleza daquela cidade, mas problemas na produção, nomeadamente as restrições impostas pelo produtor quanto á duração do filme, mais a má recepção geral quando o filme estreou, ditaram o final prematuro daquele universo fantástico e prometedor...até 2016!
            
Os rumores de um eventual regresso da série começaram em 2013, quando Lynch filmou um vídeo promocional para ser incluído nos extras da edição em Blu- Ray de “Twin Peaks: The Complete Mystery”. Quando questionado sobre um eventual regresso da série, respondeu que era uma possibilidade, mas que teria de se esperar. Em outubro de 2014, a “Showtime” anunciou que iria exibir uma mini-série em nove episódios, escrita por David Lynch e Mark Frost e os episódios realizados por Lynch e que não se tratava de nenhum “remake” ou “reboot”, mas sim uma continuação da série. Entre avanços e recuos, o elenco possível das temporadas anteriores foi sendo reunido (practicamente todos voltaram para vestir a pele das suas personagens), o argumento ia sendo desenvolvido e, em breve, de nove episódios, a série chegou aos dezoito episódios, com Lynch a realizá-los todos (apesar de, a principio, ele só querer realizar nove). Com o argumento todo escrito, a rodagem, que decorreu entre setembro de 2015 e abril de 2016, pode começar como um todo que depois seria editado para caber nos 18 episódios planeados.
            Passaram-se 25 anos desde que Laura Palmer, estudante de 17 anos e rainha da beleza da cidade de Twin Peaks, mas também com uma vida dupla, foi assassinada. A sua morte despoletou diversos acontecimentos que tiveram consequências, quer a nível social, quer a nível pessoal nos habitantes da pequena cidade do estado de Washington. Mas, se por um lado, o crime aparentemente terá sido resolvido pelo Agente Especial do FBI, Dale Cooper enviado para o efeito, outros mistérios e acontecimentos ficaram por esclarecer.
            Para se entender o universo de Twin Peaks, a típica cidade americana pacata, mas cheia de mistérios, é preciso recuar até ao 3º episódio da primeira temporada, a uma cena em que no “Double R Diner”, o restaurante central da cidade, Harry S.Truman (Michael Ontkean), Xerife de Twin Peaks, acompanhado do seu adjunto, Hawk (Michael Horse) e de Ed Hurley (Everett McGill), dono de um posto de abastecimento da cidade, revelam ao Agente  Especial do FBI, Dale Cooper (Kyle McLachlan), encarregado de descobrir quem matou Laura Palmer, que Twin Peaks não é como as outras cidades americanas, existem, nos seus bosques, coisas más, presenças que, desde tempos imemoriais, os homens têm tentado combater, mas que se recusam a ir embora. Cooper, que gosta das coisas do oculto, mostra-se interessado em estudar este mistério, sem, no entanto, se desviar do assassinato de Laura Palmer. É aqui que nasce, no meu entender, todo o interesse pela série que mudou a televisão. É um mistério muito mais profundo do que aquilo que se passava na altura em que estreou a série e que, depois da terceira temporada, ainda mais profundo ficou.
       
David Lynch, um dos criadores de Twin Peaks
A dualidade sempre fez parte do universo de Twin Peaks e parece ter um importante papel a desempenhar em toda a trama: se existe o “Black Lodge” também existe o “White Lodge”; Sheryll Lee, a actriz que faz de Laura Palmer, regressa a meio da primeira temporada no papel de Madeleine Ferguson, prima de Laura  e parecidíssima com ela; ou até o próprio título da série, revela alguma dualidade quanto ao seu verdadeiro significado, mas em “Twin Peaks – The Return”, essa mesma dualidade é fonte de tragédia e agitação e isso torna-se mais que evidente há medida que a série se encaminha para o seu final, já que, percebe-se, que a David Lynch apenas lhe interessa retratar os traumas da maldade humana em vez do aparente e profundo poder do amor. Temos pois, um realizador que se dedica a explorar os mundos internos do trauma humano  tão bem  retratado no final do último episódio (o grito furioso, algo descontrolado e aterrorizante de Laura Palmer/Carrie Page, ao perceber a personalidade multidimensional do seu próprio ser e a passagem brusca para o escuro do écran), é profundamente triste. É Lynch no seu melhor!
            
Há 25 anos atrás, O Agente especial Dale Cooper do FBI, “viajou” para o “Black Lodge” onde “há sempre música no ar” (talvez por por isso, os episódios de “Twin Peaks – The Return”, terminem sempre com um número musical no “Roadhouse”), para resolver o mistério da morte de Laura Palmer e para acabar de vez com os poderes demoníacos de Bob que ele impusera em Twin Peaks. Lá, encontra o espírito de Laura num estado de angústia total impossibilitado de descansar para toda a eternidade. Cooper, vê-se obrigado a “viajar” novamente, mas desta vez com consequências para si, porque o seu espírito divide-se em duas partes, formando dois duplos de si mesmo: um é o calmo e tranquilo “Dougie Jones”, homem de negócios, casado e pai de filhos; o outro é “Mr.C”, assassino bruto e violento que tem de encontrar o seu caminho desde o Dakota do Sul até á cidade de Twin Peaks não olhando a meios para o fazer. No seu encalço estão, além de assassinos contratados (que chegam a confundi-lo com “Dougie”), Gordon Cole, chefe do FBI (uma interpretação carismática de David Lynch) e Diane Evans, secretária de Cooper (a misteriosa Diane para quem o agente do FBI ditava indicações no pequeno gravador que trazia sempre consigo, interpretada por Laura Dern). Ambos os duplos têm que se reunir ao seu “eu” verdadeiro (o Cooper que ficou impossibilitado de sair da sala vermelha no “Black Lodge”). Quando isso acontece, Dale Cooper, finalmente liberto da sua prisão, tem de “viajar” novamente e desta vez intacto, para outra dimensão e assim completar a sua missão (dar paz ao espírito de Laura). A sua regressão temporal acontece no momento interdimensional de tormento quando Laura se aventura nos bosques de Twin Peaks para conhecer a sua morte. Cooper oferece-se para a ajudar a evitar ser morta impedindo assim todos os acontecimentos na cidade de acontecerem. Mas os espíritos do “Black Lodge”, não podem permitir que ambos os duplos caminhem em simultâneo sobre a terra. O espírito de Laura desaparece e no seu lugar aparece Diane que viaja com Cooper para o Texas onde nova revelação será mostrada ao agente do FBI. É-lhe apresentada uma empregada de mesa que se parece com Laura Palmer, mas que se chama Carrie Page. Cooper trá-la de volta para Twin Peaks e leva-a até á casa onde Laura vivera e também onde o espírito de Bob a violara pela primeira vez e onde finalmente tudo será resolvido...ou talvez não!. Esta última parte permite que Lynch exponha um dos seus maiores e mais significativos temas: a inevitabilidade da natureza.
            
Os duplos do Agente Especial do FBI, Dale Cooper
O que se assiste em “Twin Peaks – The Return” é, não só ao final de uma história começada há mais de 30 anos, com o trágico destino de Laura Palmer, brutalmente violada e assassinada, como também é uma reescrita completa (não um “reboot”!) de um longo filme de terror dividido em 18 partes, cada uma mais terrível e bizarra que a outra, mas, das quais, o espectador simplesmente não consegue ignorar e passar á frente, porque todas elas são verdadeiramente aterrorizantes. Também ao longo dos episódios, o realizador vai-nos dizendo que o mal existe no mundo, mas que, no seu entender, é criado pelo Homem e não nos vai deixar tão cedo. Esta ideia é perfeitamente ilustrada no episódio mais visto, mais estudado, de todos desta temporada: o 8º episódio, intitulado “Gotta Light?”. Totalmente filmado num magnífico preto-e-branco (nem poderia ser de outra maneira, senão não teria o impacto que teve nos espectadores!), começa com uma explosão atómica no Novo México em 1945, da qual, vemos, ao longo de todo o episódio, o nascimento de uma cidade de lenhadores (que, percebemos mais tarde, dará origem ao “Black Lodge”). Este episódio metamorfoseia a tese de que as pessoas boas podem ser corrompidas através das más intenções com aquela outra que diz que todo o mal é culpa do Homem e só do Homem. Aqui percebemos também que Bob, o demónio que violava Laura Palmer desde criança e que possuiu o seu pai, Leland, era na realidade um ser de outro mundo e no qual se tropeçou por acaso e que despertou do seu longo sono, mas este episódio diz-nos ainda mais, que o desejo de fazermos mal uns aos outros, foi o que despertou Bob e o seu mundo, O “Black Lodge” e também que a bomba atómica no início do episódio foi meticulosamente planeada e fabricada por uma espécie que queria destruir o seu próximo.
            
A Misteriosa Diane 
Confusos?! Não fiquem, porque, afinal de contas, estamos a lidar com um realizador habituado a mexer com todos os nossos sentimentos graças á sua enorme criatividade, associada a alguma genialidade incompreendida. Foi essa mesma genialidade criativa que criou, há mais de 30 anos, este universo bizarro, esta cidade intrigante, mágica, misteriosa, mas sempre fascinante, aos quais gostamos de voltar para nos deixarmos encantar uma e outra vez.


Nota: as imagens e video que ilustram o texto foram retiradas da Internet.








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