quarta-feira, 28 de junho de 2023

Call Girl - Um filme maduro!

                         


 

            António-Pedro Vasconcelos é um daqueles casos no chamado cinema português onde a palavra mau ou malfeito não consta. Parece quase certo que desde a já quase distante década de 80 do século XX, quando começou a sua afirmação, que o realizador teima em deixar a sua marca bem patente na cinematografia nacional. Primeiro com “Oxalá” de 1980, seguindo-se “O Lugar do Morto” de 1984, a sua obra-prima; na década de 90, depois de uma quase travessia no deserto, por falta de apoios, regressa com “Jaime” em 1999; nos anos 2000, “os Imortais” de 2003 faz a diferença quando o cinema português procurava afirmar-se no panorama internacional. "Call Girl", de 2007 é mais um exemplo dessa vontade.

         


Quando começou a escrever o argumento do filme, o realizador só tinha em mente uma actriz, Soraia Chaves e, se analisarmos bem a história, percebe-se o porquê desta vontade de Pedro Vasconcelos: a câmara gosta da actriz e, quase que se pode dizer, persegue-a ao longo de todo o filme lançando o espectador num voyeurismo inevitável a fazer lembrar a câmara obsessiva de Stanley Kubrick em “Lolita” (1962), na relação entre Humbert Humbert (James Mason) e Lolita (Sue Lyon); ou a odisseia nocturna de Bill Hartford (Tom Cruise)  em “Eyes Wide Shut – De Olhos bem Fechados”(1999).       

          
Soraia Chaves é Maria, uma prostituta de luxo, contratada por Mouros para se envolver com Carlos Meireles, o Autarca de Vilanova, uma vila Alentejana, para facilitar a aquisição de uns terrenos em benefício de uma Multinacional que pretende construir um resort de luxo no local. Entretanto, dois polícias, Madeira e Neves, descobrem indícios de corrupção na compra dos terrenos e iniciam uma investigação. Tudo se complica quando Madeira descobre que Maria, que foi sua namorada, também está envolvida no caso.

            Narrativa policial, com alguns laivos de erotismo à mistura, o filme procura centrar-se no trio de actores principais e nas suas personagens e fazê-las descobrir todos os seus conflictos interiores, que também se propagam aos secundários, nomeadamente a Madeira (Ivo Canelas, excelente!), que, a dado momento, está em luta consigo porque, por um lado é um agente da lei e tem de ser imparcial na sua investigação, por outro, não esqueceu Maria completamente. Há também um pouco  de “O Lugar do Morto” em “Call Girl”, não só no ritmo policial que percorre a obra, mas no que toca á presença da “femme fatale”, que atrai o homem errado para o seu destino. 

        


Toda a história é percorrida por constantes interesses económicos, desde a prostituta de luxo , passando pela empresa interessada no projecto turístico, até ao intermediário que contrata a prostituta. Tudo e todos se vendem por um preço, (até Madeira, o agente da polícia e antiga paixão de Maria, está disposto a pagar o preço, usando-a,  para acabar com a teia de corrupção que já sabe que existe), é um exercício de poder exercido até as últimas consequências que serão inevitáveis para os seus protagonistas, é uma constante luta entre os poderes físicos, financeiros e políticos, sendo que o último é o que se mostra mais frágil perante os outros dois, muito bem demonstrado na cena em que Meireles, cede, meio enlouquecido, perante os encantos de Maria, deixando-se enredear numa espiral de esquemas sem regresso.

 O próprio título do filme revela a essência do seu todo, ou seja uma espécie de símbolo indicador das actividades e também das atitudes a que todas as personagens dão corpo e alma. É de Maria a frase que resume tudo isto quando diz, a dado momento,  que “prefere ser infeliz  num Audi do que no banco de um autocarro”. “Call Girl” é um filme, para além daquilo que já disse atrás, de conflictos sociais e pessoais e da maneira como as suas personagens os vivem, e em  que o fascínio por uma mulher contratada para fazer um trabalho, exerce sobre um homem que tem tudo a perder e que, afinal, acaba mesmo por perder tudo.  .   
          


A história é banal, sim, mas também é um trabalho cirúrgico de grande porte, sem falsas modéstias, pondo a nu fragilidades humanas, retratos de uma sociedade em decadência, perfeitamente ilustrado por um elenco todo ele bem escolhido, começando na sensual e bonita Soraia Chaves, passando por Ivo Canelas, Joaquim de Almeida, José Raposo, José Eduardo, pelos  secundários Maria João Abreu, Custódia Gallego, Ana Padrão, entre outros  e não esquecendo  o fabuloso Nicolau Breyner sobre quem, juntamente com Soraia Chaves, recai a responsabilidade de levar o filme a bom porto, principalmente no seu jogo de sedução e na teia de corrupção, sexo e dinheiro que envolve o segundo,  torna a história interessante e faz-nos esquecer a banalidade e uma ou outra falta de solidez no argumento.

        


A interpretação de Soraia Chaves é intensa na abordagem que faz ao papel, muito convincentemente facilitado pela beleza e sensualidade que emana da actriz e que já havia dado nas vistas no filme “O Crime do Padre Amaro”, em 2005, onde interpretara a jovem Amélia, que dá a volta á cabeça de  Amaro;  Nicolau Breyner é Carlos Meireles, o autarca de Vilanova e que é  o alvo das atenções especiais de Maria. A sua interpretação é das melhores que alguma vez o vimos fazer em cinema e, tal como Soraia Chaves, consegue agarrar o papel e dar-lhe o seu cunho pessoal, aliás, a que veterano actor sempre nos habituou. Nas cenas entre os dois actores existe uma química perfeita,  são extremamente realistas, Maria faz o quer do seu alvo, é sempre ela que está no controle de todas as acções que acontecem entre ambos e tudo isso é-nos mostrado em magnificas cenas perfeitamente filmadas e montadas com uma elegância poucas vezes vistas em produções nacionais. 
            

A realização de António-Pedro Vasconcelos é sóbria, madura, não cai em lugares-comuns, apesar das muitas referências cinematográficas que lhe encontramos. Basta olhar para a sua obra desde o curioso “Oxalá” (1980) até “Jaime” (1999), ou “Os Imortais” (2003), passando pela sua obra-prima “O Lugar do Morto” (1984), talvez o melhor filme português dos últimos 50 anos, e pelo premiadíssimo “Os Gatos não têm Vertigens” (2014), para se verificar que é um realizador com obra feita, que sabe filmar e contar uma história.

Filme-sensação de 2007, teve o condão de trazer os espectadores portugueses novamente ás salas e, principalmente,  até ao cinema nacional, e foi vencedor de 3 Globos de Ouro SIC Portugal/Caras para Melhor Filme, Melhor Actriz e Melhor Actor.  

       


“Call Girl” é um filme realista, um bom exemplo de que em Portugal também se sabem contar histórias destas. O seu sucesso junto do público é exemplo disso. Grande demais para a visão curta dos portugueses, mas destinado a grandes voos fora de fronteiras.
a não perder!

 

 

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