sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

         XEQUE AO REI – O LADO OBSCURO DE UM COLÉGIO


          

         
           Em 1951, o escritor britânico J.D.Salinger publicou um romance intitulado “The Catcher in the Rye” que em português se chamou “O Apanhador de Centeio” ou “Uma Agulha no Palheiro”. O livro contava a história de um rapaz que, por alturas do natal, resolve fugir do colégio interno onde estuda devido aos maus resultados que obteve nesse semestre para evitar o confronto com os seus pais. O livro, originalmente dirigido a um público mais adulto, acabou por se tornar muito popular entre os adolescentes das décadas seguintes devido ás suas temáticas de alienação, angústia e alguma critica á sociedade em geral. O livro terá, certamente servido de inspiração para Joanne Harris, a escritora britânica de sucesso, escrever o seu livro “Gentlemen & Players” que em português se chamou “Xeque ao Rei”.

              


 St.Oswald é um colégio tradicional, masculino, situado no norte da Inglaterra e está-se a iniciar um novo ano lectivo. Roy Straitley, professor de Latim, é o decano dos professores do colégio e, face, aos avanços tecnológicos que começam a surgir no colégio, começa a pensar seriamente em reformar-se. Mas por entre as tradições colegiais e os ventos da mudança, algo maligno e negro move-se entre as paredes de St.Oswald, começam a acontecer coisas estranhas e inexplicáveis que vão afectar o quotidiano do colégio e levar a que Straitley adie a sua reforma.

        

         A acção decorre entre o presente e o passado e é contada a duas vozes, como se dum jogo de xadrez se tratasse e no tabuleiro apenas estão duas peças que são as únicas que importam: Roy Straitley é representado por um Rei branco, enquanto que o psicopata é um Peão negro. No início de cada capítulo surge a peça respectiva e é a personagem representada que narra os acontecimentos que, por vezes, se entrecruzam dentro de St.Oswald, ou seja, por vezes,  ambos os narradores estão presentes (quer seja nos capítulos de um ou do outro) e interagem, mas Joanne Harris, brilhantemente, nunca nos dá nenhuma indicação de quem é, na realidade, o psicopata e consegue-o durante mais de três quartos do livro, onde nos vai dando a conhecer (via o psicopata) o seu ódio e as suas motivações contra St.Oswald, os professores, os alunos e, particularmente, a Roy Straitley ao qual, a dado momento, num dos seus monólogos (para o leitor), revela, através do seu pseudónimo, “Mole”, que usa para escrever no jornal local da vila e onde surgem alegações danosas para o colégio, que o seu confronto está próximo, “O dia em que eu derrubar St.Oswald, quero que Roy Straitley lá esteja!”…e o resto é uma completa surpresa porque ninguém, mas mesmo ninguém (não só os leitores como também todas as personagens que gravitam em torno dos narradores) está á espera do desfecho final.

     


O título original “Gentlemen & Players” nunca é explicado no livro, mas sendo a acção passada num colégio inglês onde se praticam desportos, entre os quais o Cricket, practicado em toda a Inglaterra. Existiu, durante muitos anos (entre 1806 e 1962), um jogo que se disputava anualmente e que era considerado de primeira classe, entre Cavalheiros (Gentlemen), uma élite de jogadores de Cricket amadores (universitários e jovens independentes), e uma equipa de Jogadores profissionais (Players). Joanne Harris, com este título, quis fazer uma analogia entre o desporto practicado por aquelas equipas e o tipo de aluno que frequentava St.Oswald. “Gentlemen & Players” é uma referência ás diferenças de classe e ao snobismo que sempre existiu na sociedade.

Joanne Harris
            
Joanne Harris, antes de se tornar escritora, foi professora e durante alguns anos deu aulas de Línguas Modernas em escolas secundárias e em universidades, pelo que não é de estranhar a facilidade com que escreveu esta história de vingança e redenção, juntando-lhe  momentos de comédia negra misturada com  ambientes intensos de suspense de cortar a respiração que vai manter o leitor agarrado ao livro até á última página. Dona de uma prosa muito própria e actual, Joanne Harris transporta-nos para um universo do passado (as instituições de ensino internas) com uma actualidade real (a diferença de classes entre a população escolar, entre os pobres e os ricos) e o discernimento nas estruturas do poder que dominam dentro de uma instituição de aprendizagem na qual um professor não sabe se está a ser alvo de um ataque ao seu bem estar (Roy Straitley e o seu método de trabalho há muito ultrapassado) por malícia, por pura estupidez ou a junção das duas. Neste universo, através de uma narrativa complicada, com duas perspectivas e contada em dois tempos, emergem duas personagens, cada uma com as suas motivações para fazer o seu papel: de um lado, Roy Straitley, professor de Latim, que devotou a sua vida a St.Oswald que agora, no final da sua carreira profissional, enfrenta o maior desafio da sua vida, ao perceber que é o último sobrevivente de uma certa raça de professores clássicos; do outro, alguém que quer vingar-se de St.Oswald e da sua reputação como estabelecimento de ensino. 

     


De tempos em tempos “flashbacks” esmiúçam a infância, a adolescência e a juventude do segundo narrador dando assim uma imagem completa de uma mente perturbada e explicações sobre o porquê de alguém querer destruir a reputação de um colégio de renome e fazer mal a elementos da equipa. Harris joga com todos estes trunfos e consegue, com uma competência admirável, trabalhar todas as voltas e reviravoltas da história e ainda engendrar um final surpreendente e inesperado que nos deixa completamente boquiabertos. Contudo, este é um livro muito forte no drama e no mistério (quem é o autor da vingança?) e também muito plausível na apresentação dos motivos (o porquê?) e no qual existem ocasiões onde manter uma descrença total se torna quase impossível.

Este livro é a obra-prima de Joanne Harris, apesar dela ser mais conhecida pelo seu livro “Chocolate” (1999), que foi um sucesso de vendas. Mas foi a sua adaptação para o cinema em 2000 num filme com Johnny Depp e Juliette Binoche que, não só ajudou ao sucesso, mas também contribuiu para tornar a autora mais conhecida. “Xeque ao Rei”, quando foi publicado em 2005, acabou também por ser também um sucesso de vendas. 

Em 2016 Joanne Harris voltou ao universo de St.Oswald para escrever “Uma Questão de Classe”, uma sequela mais negra e sinistra de “Xeque ao Rei”.

            

    

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