quinta-feira, 14 de maio de 2020

MAHAVISHNU ORCHESTRA – MÚSICA DE FUSÃO
         Entre o final da década de 60 do século passado e meados da década de 70, a música sofreu muitas transformações, algumas delas foram derivadas da conjuntura socio-política que se vivia naqueles tempos: foi a guerra do Vietname que esteve na génese do chamado “Flower Power”, do movimento “Hippie” que teve o seu apogeu nesse memorável festival de música pop que ocorreu em Woodstock, nos arredores de Nova York, em 1969.
Já nos anos 70, foi a vez do Rock Progressivo tomar conta da cena musical. Inspirando-se no psicadelismo musical, derivado das experiências  com drogas como o LSD,  que muitos músicos experimentaram durante os anos 60 e  na altura em que os Pink  Floyd se haviam afirmado como um grupo inspirador deste novo género musical,  bandas como Yes, Genesis, Emerson  Lake & Palmer, Focus,  King Crimson, entre muitos outros, vieram mostrar todo o seu virtuosismo técnico em composições enormes: letras inspiradoras e instrumentações a tocar um brilhantismo fora-de-série em muitos casos.
         
       
John McLaughlin, o mentor da Mahavishnu Orchestra
Outros géneros houve que, nesta década, se fundiram com o rock. Foi o caso do Jazz, um estilo com uma grande vertente musical, nascida no final do século XIX em Nova Orleans, no Estado de Louisiana, que juntava desde música religiosa de inspiração afro-americana com vários outros estilos e instrumentos  musicais, tendo tido grande expansão e aceitação durante as décadas de 20 e 30 mantendo-se sempre nesse registo até ao início da década de 70, quando sofreu uma transformação que o mudou por completo, modificando também a visão e, em muitos casos, a opinião, para melhor, mas também para pior, que se tinha daquele género musical. A Mahavishnu Orchestra foi um dos grupos impulsionadores desta transformação.
            
O grupo veria a luz do dia em 1971, na cidade de Nova York, pela mão do guitarrista britânico John McLaughlin que já tocara com nomes grandes da música como Jimi Hendrix, Miles Davis, Tony Williams, entre outros que lhe permitiram tocar diversos géneros musicais desde blues, passando pelo rock e fixar-se definitivamente no Jazz onde desde cedo quis primar pela diferença. A ele, nesta busca pela diferença musical, viriam a juntar-se o baterista panamiano Billy Cobhan, o baixista irlandês Rick Laird, o teclista checoslovaco Jan Hammer  e o violinista americano Jerry Goodman. McLaughlin já trabalhara com Cobhan e Goodman no seu terceiro álbum a solo, “My Goal’s Beyond” (1971).  John queria o seu amigo francês Jean-Luc Ponty para violinista, mas devido a problemas de emigração que envolveram o músico francês, McLaughlin trouxe Jerry Goodman. No baixo John queria Tony Levin, mas este não estava disponível, por isso a escolha caiu sobre Rick Laird, que já conhecia o britânico. Jan Hammer foi recomendado por Miroslav Vitous dos “Weather Report” que era amigo de John McLaughlin.
          O grupo juntou-se em julho de 1971 para ensaiarem durante uma semana pois tinham sido convidados para fazer a primeira parte de vários concertos de John Lee Hooker em Nova York. A primeira noite não correu muito bem, mas a segunda e seguintes foram bem melhores e foi pedido ao grupo que ficasse para actuar mais algumas noites. As ideias de McLaughlin para a instrumentação do grupo eram muito específicas pois ele queria contribuições musicais de todos os músicos de modo a conceber a mistura de vários géneros nas composições, nomeadamente contribuições do violino e do sintetizador na sonoridade geral do grupo. Esta mistura resultou de tal maneira que o grupo ficou mais duas semanas a actuar no “Gaslight at the Au Go Go”, antes de entrarem em estúdio.
            
No final de 1971, “The Inner Mounting Flame” chegava ás lojas  Desde o tema inicial, “Meeting of the Spirits”, que se  percebe que uma mistura de sons exótica, doseada com grandes momentos de puro improviso por vezes numa cadencia acelerada orientada pela batida de Billy Cobhan (como no tema “Noonward Race”) ou em momentos do virtuosismo acústico de McLaughlin  no tema “A Lotus in Irish Streams”. O estilo musical do álbum resultou numa mistura de géneros (que seria inicialmente a marca do grupo) que iam desde o rock puro ao funk,  a ritmos próprios da música europeia, passando, devido ao interesse de McLaughlin na música clássica indiana ( o que o levaria a adoptar o nome de “Mahavishnu” que lhe foi dado pelo Guru indiano Sri Chinmoy, pouco tempo depois do grupo começar a actuar em grandes concertos e festivais) por ritmos complexos e pouco habituais de ouvir. A sua música era totalmente instrumental tanto no primeiro álbum como no segundo, intitulado “Birds Of Fire”, que seria editado em 1973. Tal como o seu antecessor, este álbum consiste em temas escritos por John McLaughlin,  mostrando as diversas influências musicais que presidiam á formação musical, alguns deles quase a raiar o perfecionismo musical como “One Word” (onde está patente a harmonia musical entre todos os instrumentos) ou “Celestial Terrestrial Commuters” que consiste num magnifico diálogo entre a guitarra de McLaughlin e o violino de Goodman, mediado pelo sintetizador de Jan Hammer, não esquecendo “Miles Beyond” dedicado a Miles Davis com quem John McLaughlin tocou em várias ocasiões no início da sua carreira. A meio de 1973, “A Mahavishnu Orchestra” andava nas bocas do mundo da música, os dois álbuns vendiam bem e o grupo era permanentemente solicitado para concertos em festivais, eventos musicais e até haviam encetado uma mini-tournée europeia, durante o ano de 72, que os apresentara ao velho continente.  Mas, como tudo aquilo que é bom, cedo se começa a degradar.

Enquanto o ano de 1973 ia avançando, o grupo começou a mostrar alguma tensão interna. A pressão da fama súbita, exaustão e alguma falta de comunicação entre os membros do grupo, apenas acelerou os conflictos que atingiram repercussões enormes e desastrosas durante as gravações de um novo álbum de originais nos estúdios da Trident, em Londres, onde a banda chegou ao cúmulo de os seus elementos não falarem uns com os outros, descontentes com a liderança de McLaughlin que chegou ao ponto de não permitir que temas compostos pelos seus companheiros fizessem parte do alinhamento, quer dos álbuns quer dos concertos ao vivo. A gravação ficaria incompleta e permaneceria assim até 1999, quando houve um redescobrimento da música do grupo e as “masters” originais do álbum inacabado foram descobertas em perfeito estado de conservação (apesar de terem sido gravadas 26 anos antes!). O material encontrado consistia em temas escritos por todos os membros da banda, com especial incidência em McLaughlin e era mais que suficiente para editar em álbum. Com a devida autorização de todos os envolvidos, foi editado “The Lost Trident Sessions”. O grupo nunca mais se recompôs destas guerras internas, mas ainda tinham compromissos a cumprir em Nova York.
             
Em agosto de 1973, o grupo actuou duas noites no “Schaefer Music Festival” , que reunia grandes nomes do jazz e que acontecia anualmente no Central Park . O material que tocaram fazia parte do novo álbum que deveria ter saído em junho, mais alguns temas dos dois álbuns anteriores. Apesar da enorme tensão que existia entre todos, esta não foi visível na sua actuação que foi unanimemente considerada a melhor do festival. Três dos temas tocados nas duas noites, foram aproveitados para o único álbum oficial do grupo ao vivo, “Between Nothingness & Eternity” que seria lançado em novembro de 1973 quando o grupo já se separara. É o melhor exemplo da energia que o grupo tinha quando se encontrava em palco. Em 2011, quando foi editada uma caixa com os álbuns originais da primeira formação do grupo, incluindo “The Lost Trident Sessions”, vinha também um outro CD intitulado “Unreleased Tracks from Between Nothingness & Eternity” que continha os outros temas gravados durante os concertos do Central Park.
            Mas  a separação não parou John McLaughlin que, logo em 1974, reformulou o grupo com um novo elenco de músicos: trouxe finalmente  Jean-Luc Ponty ( que entretanto havia resolvido os problemas de emigração e já tocara com Frank Zappa e os “Mothers of Invention”) para tocar violino. ao qual se juntou Gayle Moran, nos teclados, Ralphe Armstrong no baixo, Narada Michael Walden (anos mais tarde viria a tornar-se um produtor de sucesso) na bateria, aos quais ainda juntou outros músicos para sessões de estúdio. A “nova” “Mahavishnu Orchestra”, como lhe chamou McLaughlin, foi para Londres gravar com a “London Symphony Orchestra” o seu álbum seguinte, intitulado “Apocalypse”
O álbum é, tal como o seu título indica, uma revelação musical a todos os níveis, muito graças ao facto de tocarem com uma orquestra completa . Desde as secções de cordas, passando pelos metais e continuando na guitarra inconfundível de McLaughlin no tema “Visio nis A Naked Sword” ou nas secções mais calmas, melodias mais suaves e estimulantes de “Wings of Karma” que nos preparam para o grande momento do álbum, “Hymn to Him”, em que o quinteto nos mostra o que melhor sabe fazer. As variações entre o violino de Ponty e a guitarra de McLaughlin no climax do tema, são o verdadeiro ponto alto deste álbum perfeito em todos os sentidos, apesar da estupefacção e algum afastamento com que foi recebido pelos fans do grupo.
a primeira reencarnação da MO
     Em 1975, satisfeito com  experiência em Londres, McLaughlin manteve a estrutura do grupo e o recurso a músicos de estúdio para gravar um novo álbum, “Visions of Emerald Beyond”, que, apesar de manter a qualidade musical do seu antecessor, permanece como um dos álbuns menos apreciados do grupo, talvez por conter alguns temas que soam como uma espécie de ritmo “funkie”, uma vertente musical que McLaughlin nunca explorara anteriormente. Seja como for o álbum tem momentos de verdadeiro delírio musical como o tema “Eternity’s Breath” onde a guitarra soa pesada, a bateria de Walden é forte e propulsiva e o violino de Ponty tem momentos de verdadeira magia musical que o músico nunca atingiu nos seus álbuns a solo. “Cosmic Strut”, escrito por Michael Walden é um verdadeiro tema “funkie” e, goste-se ou não, somos contagiados pelo ritmo. 

          Mas o álbum não conseguiu convencer aqueles que pensaram que esta era uma reencarnação da “Mahavishnu Orchestra” original. Quando se percebeu que isso não iria acontecer, viraram as costas ao grupo, que, após alguns dissabores internos, nomeadamente a partilha de créditos musicais entre Jean-Luc Ponty e John McLaughlin, levou a que o francês batesse com a porta e partisse para uma carreira de sucesso a solo, a que se seguiu a saída do teclista Gayle Moran por desavenças criativas com McLaughlin. 
Reduzida a quatro elementos, com Stu Goldberg, um dos músicos das sessões de estúdio a assumir os teclados, o grupo gravou em 1976 o álbum “Inner Worlds”, onde a criatividade dos músicos e a diversidade musical nunca deixa de estar presente em vários temas com créditos repartidos entre McLaughlin e Walden. “All in the Family” é um tema inspirado e cheio de energia e muito apoiado na bateria e nas marimbas de Walden, enquanto “Miles Out” contém um momento “jamming” de McLaughlin e a sua guitarra, “Planetary Citizen” traz o momento “funkie” inspirado ainda nos temas de “Visions”, o tema-título traz John McLauglin a tocar uma guitarra-sintetizador ainda muito no início. Mas este álbum seria o canto do cisne para esta versão da “Mahavishnu Orchestra”, pois McLaughlin queria explorar outras e novas vertentes musicais que o afastavam irremediavelmente do som do grupo. Teriam de passar quase dez anos até que uma nova encarnação da “Mahavishnu Orchestra” (a terceira) surgisse.
            
Depois de várias experiências musicais, umas com mais sucesso que outras, em 1984, McLaughlin reformula a “MO” com Bill Evans, um dos seus músicos favoritos, no saxofone, Jonas Hellborg no baixo, Mitchel Forman nos teclados e consegue que Billy Cobhan, membro original do grupo, regresse para assegurar a bateria apenas nas sessões de estúdio. Gravam o álbum “Mahavishnu” que não conseguiu convencer, nem público nem os críticos que acharam que os músicos não tinham a focagem que o grupo original tinha e que McLaughlin perdera o seu toque de midas na guitarra em detrimento de um uso mais extensivo da guitarra sintetizada. 
Em 1987, já sem Billy Cobhan, substituído por Danny Gottlieb, a “MO” grava o seu último álbum, “Adventures in Radioland” que, apesar de ser superior ao seu antecessor e mostrar que esta nova “MO” tinha pernas para andar. A inspiração musical estava lá com bons momentos de virtuosismo musical, não conseguiu convencer ninguém e pouco mais havia a fazer. Claramente e em face da evolução musical presente na década de 80, a “MO” já não tinha razão para continuar activa. McLaughlin percebeu isso rapidamente e arrumou o projecto na gaveta e foi dedicar-se novamente á sua carreira a solo, felizmente, com grande sucesso.
            Para a história da música e do jazz em particular, fica um grupo que ousou romper as barreiras entre géneros e estilos musicais e criar um sub-género único que veio a influenciar muitos artistas e grupos da cena jazz e também nos outros géneros que proliferaram na música durante as décadas de 70 e 80 do século XX.
Nota: as imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet.






EMERSON, LAKE & PALMER II

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