II - O Cinema Português depois de 1974
A Revolução do dia 25 de Abril de 1974 seria decisiva para o futuro do cinema português, nomeadamente pelas liberdades que introduziu nas prácticas sociais e culturais do país. No IPC (Instituto Português de Cinema) são criadas Unidades de Produção que, utilizando meios técnicos de produção e post-produção disponibilizados pelo Instituto e a funcionar com um espírito colectivista, têm como objectivo garantir a actividade dos profissionais de cinema, ilustrar as transformações sociais e politicas com que o pais se confronta, fazê-las chegar a locais onde nunca tinham chegado, educar e agitar as consciências. O filme colectivo "As Armas e o Povo" feito pelos Trabalhadores do Sindicato do Cinema e Televisão é o melhor exemplo dessa nova tendência de renovação e inicia um novo ciclo apostado no cinema militante. Nesta nova práctica vão envolver-se António de Macedo, Luis Galvão Telles, Fernando Matos Silva, Alberto Seixas Santos, Rui Simões, um realizador independente que com o seu filme "Deus, Pátria, Autoridade" (1975) faz um dos marcos cinematográficos do cinema político, que repetirá anos mais tarde com o documentário "Bom Povo Português"(1980).
Retrato duma época, os filmes de intervenção alinhavam todos num mesmo sentido: intervir, viabilizando o cumprimento de um desejo que deixara de ser uma utopia. Qual arma automática, a câmara de filmar era perfeita para ajudar na reviravolta. O documentário é o género preferido de certos cineastas que arriscam uma visão pessoal das coisas, mas a ficção não se deixa abater e é nela que surge algo contraditório: confrontando-se com a realidade da vida "tal qual ela é", a ficção militante cultiva narrativas irreais, exprime-se em alegorias e esboça caricaturas. É o que acontece em "Os Demónios de Alcácer-Quibir" de José Fonseca e Costa (1976), "A Santa Aliança" de Eduardo Geada (1978) ou "A Confederação" de Luís Galvão Telles (1978) que, apesar de terem estado presentes no Festival de Cannes, acabarão por ser considerados como estando fora do tempo.
A década de oitenta seria, no panorama do cinema nacional, uma década reveladora. Pode-se mesmo considerar uma segunda época de ouro, pelo volume das produções, pela novidade e diversidade nas formas e nos conteúdos. A ficção, logo em 1980, revela novos autores e novas tendências, "Passagem ou A Meio Caminho" de Jorge Silva Melo, "Cerromaior" de Luis Filipe Rocha expressam inovação e algum regresso ao neo-realismo da década de 60, são consensualmente aceites como filmes-chave das novas tendências. Alguma influência do passado está patente em "Manhã Submersa" de Lauro António (1979), onde se explora o rigor formal e alguma memória de repressão; "A Culpa" de António Victorino de Almeida que espelha de forma sarcástica algum sentimento nacional pela guerra colonial que ainda estava bem patente na memória colectiva. A crítica mostra o seu desagrado enquanto o público gosta e quer mais.
O filme"Verde por Fora, Vermelho por Dentro" de Ricardo Costa (1981) vem de encontro à vontade do público, é, no entanto, um filme insólito, não só pela produção (sem qualquer subsidio do estado), como pela caricatura surrealista nacional (símbolos nacionais e personalidades delirantes em intrigas políticas - a lembrar Frederico Fellini no seu melhor), o filme seria crucificado pela crítica nacional mas seria bem recebido em festivais internacionais. Com "Oxalá" de António-Pedro Vasconcelos (1980) explora o um retrato social questionanado a consciência de uma minoria: a do jovem intelectual refugiado em França para escapar à guerra colonial e que regressa à sua terra. Primeiro filme produzido por Paulo Branco, seria um grande êxito de bilheteira.
A aposta feita por Paulo Branco viria a revelar-se decisiva não só para a continuação da tendência de intervenção de cineastas jovens, como também permitiu que Manoel de Oliveira, após um longo interregno, se tornasse oficialmente um cineasta com a sua adaptação de "Amor de Perdição" (1978) e filmando até hoje ao ritmo de cerca de um filme por ano (aos 102 anos de idade, completados em 2010, o mais velho cineasta do mundo continua em actividade e sem dar mostras de querer parar!). Aos novos cineastas como João Botelho que, com "Conversa Acabada" (1981) ganha alguns prémios nacionais e internacionais ou João Mário Grilo que com "A Estrangeira" (1982) está presente em Veneza, João César Monteiro com "Silvestre" (1981) está seleccionado para Veneza, juntam-se também António de Macedo, Fernando Lopes, José Fonseca e Costa, entre outros terão presença relevante ao longo da década.
A década trará também sucessos de bilheteira. Desde "Kilas, o Mau da Fita" de José Fonseca e Costa (1980) até "A Mulher do Próximo" do mesmo Fonseca e Costa (1988), serão vários, o maior deles será "O Lugar do Morto" de António-Pedro Vasconcelos (1984), este magnifico filme rompe com todas as formas narrativas utilizadas em Portugal, homenageando de uma vez só o policial, o drama e o thriller num exercício de cinema que nunca se vira numa produção nacional. As interpretações sólidas de Pedro Oliveira (jornalista de profissão) e de Ana Zanatti (locutora de continuidade e actriz ocasional) contribuíram para o sucesso do filme, como contribuiu também a sua estrutura narrativa (o final em aberto terá ocasionado inúmeras discussões entre o público). Continua ser um filme incontornável na cinematografia nacional e um dos melhores filmes portugueses de sempre. Mantendo um pouco a tendência de "O Lugar do Morto", Joaquim Leitão estreia-se auspiciosamente na realização em 1986 com "Duma vez por Todas" um filme semi labirintíco filmado numa lisboa estranha e desconhecida, com o músico Pedro Ayres Magalhães, tendo o filme obtido um relativo sucesso entre o público mais jovem.
A década de noventa vê surgir uma nova geração de cineastas, muitos deles vindos do Conservatório Nacional, favorecidos por critérios de apoio oficiais a primeiras obras, impondo uma nova renovação no panorama cinematográfico: Pedro Costa, Teresa Vilaverde, João Canijo, Joaquim Sapinho, entre outros, iniciam as suas carreiras. Alguns dos realizadores mais antigos como João César Monteiro ou Manoel de Oliveira continuam a filmar com regularidade. A partir de 1995 começa uma alternãncia entre realizadores mais novos e mais antigos. "Adão e Eva" de Joaquim Leitão (1995) obtém um enorme sucesso; "A Comédia de Deus" de João César Monteiro (1995) ou "O Convento" de Manoel de Oliveira (1995) obterão sucesso além fronteiras; dos novos, Joaquim Sapinho com o seu "Corte de Cabelo" (1997) foca-se no público mais jovem e ganha a aposta. Em 1997 os realizadores, encorajados pelos sucessos obtidos, aventuram-se em terrenos perigosos: "Tentação" de Joaquim Leitão e "A Sombra dos Abutres" de Leonel Vieira são os primeiros a aperceber-se que existe pouca gente a deixar-se levar por esses caminhos.
Nos últimos anos do século XX, ainda temos tempo para regressar à guerra colonial e ás suas memórias com "Inferno" de Joaquim Leitão (1998); visitar bairros marginais de Lisboa com "A Zona J" de Leonel Vieira (1998); conhecer a exploração do trabalho infantil em "Jaime" de António-Pedro Vasconcelos (1999) ou analisar as duras realidades da vida no Alentejo em "Sapatos Pretos" de João Canijo (1998). Com frequentes toques melodramáticos, como nos velhos tempos, na ficção domina a tendência realista.
No século XXI, a primeira década é dominada por filmes de autor, apesar de esporádicos regressos aos fantasmas da já longínqua guerra colonial com os "Imortais" de António-Pedro Vasconcelos (2003) ou "20,13"de Joaquim Leitão (2006), a tendência é para um experimentalismo e uma aposta em temas ousados como "O Fantasma" de João Pedro Rodrigues (2000), que aborda uma certa obsessão e o fetiche da homossexualidade masculina de uma forma provocatória; ou "O Crime do Padre Amaro" de Carlos Coelho da Silva (2004), baseado na obra de Eça de Queirós actualizada para a nossa época; e polémicos como "Camarate" de Luis Filipe Rocha (2001) ao abordar o tema incómodo do acidente de Camarate que vitimou o Primeiro Ministro de Portugal em 1980; incómoda é também a história duma filha perdida algures na cidade de Lisboa em "Alice" de Marco Martins (2005). Alguns destes filmes foram mesmo enormes sucessos de bilheteira apesar dos temas que abordam.
Mas nem tudo é tão intenso neste novo século, "O Filme da Treta" de José Sacramento (2006), baseado num formato de televisão, pôs Portugal inteiro a rir à gargalhada com as conversas de Tony e Zézé, assim como José Fonseca e Costa com o seu filme de época "Viúva Rica Solteira não Fica" (2006) e Fernando Lopes com "98 Octanas" (2006), assumem-se como autores em busca de melhores audiências com temas apelativos e actores conhecidos, mas o público está com a atenção voltada para outros campos que estão ao alcance do teclado e do rato de um computador tornando tudo muito mais fácil e sem incómodos de qualquer espécie.
Com este novo fenómemo audiovisual sofrem os cineastas que ficaram conhecidos por terem sido eles que outrora encheram salas de cinema em décadas do século passado, cuja imaginação não consegue acompanhar os novos tempos, outros há que perfilham as novas tendências audiovisuais e filmam com esse objectivo. O público nacional, é certo e sabido que consome o que de mais comercial aparece nas salas de cinema, é quem mais ganha com este estado de coisas, o cinema nacional é quem mais perde com isto porque poucos são os filmes nacionais que recebem um aval de exploração comercial nacional e mesmo esses poucos não conseguem triunfar nem dentro nem fora de portas.
Nota: Todas as imagens foram retiradas da Internet
E ainda dizem que o cinema Português não tem qualidade...
ResponderEliminarSó faltou falar do clássico A Crónica dos Bons Malandros!!!
Olá Rui acho que foi desta que fiz tudo bem feito
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