segunda-feira, 1 de maio de 2023

Uma Viagem pelo Cinema Português IV - Os anos 2000 – Portugal sem Fronteiras

                              

 

            


Depois de o cinema português do século XX ter terminado com um sinal mais, principalmente após os filmes que fecham os dois últimos anos do século, “Zona J” (1998), “Sapatos Pretos” (1998) e “Jaime” (1999) de António-Pedro Vasconcelos, independentemente de serem incursões em zonas marginais, rurais ou no norte do país, terem reconciliado o público com as salas de cinema, era com alguma expectativa que se aguardava a chegada do novo século e o que traria para a Sétima Arte nacional.

            


Os primeiros anos do novo século são ainda dominados, tal como a última década do anterior,  pela prevalência de algum cinema de autor, mas também pelo surgimento de novos nomes na realização dispostos a mudar as coisas: Manoel de Oliveira, mantém, na frescura dos seus noventa anos, o ritmo de um filme por ano; João César Monteiro, após a “Trilogia de Deus” sobre o  seu alter-ego, João de Deus, choca os meios artísticos e intelectuais do país com “Branca de Neve” (2000) que deixa sem imagem, alegadamente por ter tido uma discussão séria com o produtor do filme, Paulo Branco, que não concordava com o rumo que a rodagem tinha tomado. Quando questionado sobre essa sua decisão e que repercussões teria nos espectadores, respondeu laconicamente “o público que se lixe!”. Mesmo assim, o filme obteve um inesperado sucesso. 

José Álvaro Morais com o seu “Quaresma” (2003), um retrato social de um certo Portugal interior ainda desconhecido para muitos, consegue um facto quase inédito ao estar presente em competição na Quinzena dos Realizadores no Festival de Cannes. Também António-Pedro Vasconcelos confirma o seu estatuto de autor, apesar de querer demarcar-se do género, com “Os Imortais” (2003), rodeando-se de um elenco de excepção onde pontua o nosso mais internacional actor, Joaquim de Almeida, ao lado de Joaquim Nicolau, Rogério Samora, Rui Unas, Filipe Duarte, Emmanuelle Seigner e o enorme Nicolau Breyner, conta a história de um grupo de ex-comandos de uma unidade especial da Guerra Colonial  que todos os anos comemoram os feitos da guerra e desta vez querem fazer algo diferente. Grande sucesso de bilheteira dentro e fora de portas.

           


 Mas o novo século também trouxe novos nomes para o cinema português: desde logo João Pedro Rodrigues estreia-se na realização com “Fantasma” (2000), onde aborda questões relacionadas com a obsessão e algum fetichismo com a homossexualidade masculina no Portugal do século XXI através da história de Sérgio, cantoneiro em Lisboa. O filme, algo ignorado em Portugal, ganhou alguma projecção depois da sua exibição em diversos festivais internacionais onde inclusive, competiu e acabou por se tornar um filme culto. Também Cláudia Tomaz consegue com o seu filme de estreia, “Noites” (2000) abordar com seriedade o tema da marginalidade e da toxicodependência e ganhar o Prémio de Melhor Filme da Semana da Crítica no Festival de Veneza.

            


As produções nacionais começam a marcar o seu espaço e a ser presença habitual na europa do cinema: Fernando Vendrell com o seu filme “O Gotejar da Luz” (2001) cuja acção decorre em Moçambique na década de 50, é exibido no Festival de Berlim e em outros festivais internacionais onde obtém algum sucesso; Também Joaquim Sapinho se vai apresentar em 2003 com “A Mulher Polícia” no Festival de Berlim. A história de uma mãe e do seu filho do interior do país e que se veem obrigados a fugir para Lisboa para não serem separados por coisas que o filho fez. O filme cativou a crítica e o publico, além de Berlim, andou por diversos festivais internacionais onde venceu alguns prémios. Mas, apesar das boas graças a que o cinema nacional se vai apegando, o público é escasso: “A Selva” de Leonel Vieira (2002), co-produção luso-hispano-brasileira, baseada no romance de Ferreira de Castro, fica aquém do esperado, apesar do elenco que conta com nomes como Diogo Morgado, Maitê Proença, Ruy de Carvalho, Gracindo Junior, entre outros; “O Delfim” de Fernando Lopes (2002), baseado no romance de José Cardoso Pires, com Alexandra Lencastre e Rogério Samora, é practicamente ignorado pelo público; “O Fascínio” de José Fonseca e Costa (2003), foi directamente editado em DVD; também o polémico João César Monteiro viu o seu “Vai e Vem” (2003) passar a correr pelas salas de cinema. 

A televisão invade o cinema, o público queria agora era enredos televisivos onde, além de vedetas de televisão, das histórias cor-de-rosa, ao estilo telenovela, intrigas com mil e um “fait-divers que de preferência implicavam figuras públicas envolvidas com jovens de elevados atributos físicos e cenas de sexo explícito. A aposta, se bem que arriscada, revelou-se acertada e os filmes produzidos foram sucessos de bilheteira.


Esta nova tendência começou logo em 2005 com “O Crime do Padre Amaro” de Carlos Coelho da Silva, conta a história do Padre Amaro, saído do seminário, vem substituir um padre falecido e acaba por se envolver com a jovem Amélia, sem pensar nas consequências que daí possam advir. Adaptação da obra literária de Eça de Queirós com a acção da cidade de Leiria do século XIX transposta para a actualidade num bairro social de Lisboa. Jorge Corrula e Soraia Chaves encabeçam o elenco onde também constam Nicolau Breyner, Ana Bustorff, Cláudia Semedo, Rui Unas e Diogo Morgado, entre outros. O filme, feito com o apoio da SIC, foi depois exibido no canal privado, como série, contendo cenas inéditas.

     


Também “Corrupção” de João Botelho (2007), inspirado no livro “Eu Carolina” de Carolina Salgado, ex-namorado de Pinto da Costa, presidente do FC Porto, onde revela alguns casos escaldantes protagonizados por si e por Pinto da Costa. No filme, Margarida Vila nova é a protagonista Sofia e Nicolau Breyner é o presidente de um clube de futebol que se deixa corromper numa tentativa de fazer com que o seu clube vença o campeonato. Outro caso foi “Call Girl” de António-Pedro Vasconcelos (2007) inicialmente envereda pelo mesmo caminho do filme de Botelho, mas muda o rumo a meio e o filme torna-se mais interessante. A história é a de Maria, uma “Call Girl” de luxo (interpretada pela sensualíssima Soraia Chaves), contratada por Mouros (Joaquim de Almeida, o eterno vilão), para seduzir um presidente de câmara de nome Meireles (interpretação a cargo de Nicolau Breyner com a excelência habitual do actor) para que este autorize a construção de um empreendimento turístico de luxo em terrenos da sua cidade. Ao mesmo tempo, dois inspectores da polícia começam a investigar indícios de corrução em Meireles; “Second Life” de Miguel Gaudêncio e Alexandre Cebrian Valente (2009) conta a história de Nicholas, um jovem rico que na noite em que comemora os seus 40 anos juntamente com amigos, aparece morto na sua piscina e enquanto se investiga a sua morte, descobre-se também os muitos vícios, paixões, ambições e traições de cada personagem que se encontrava  na festa, ao mesmo tempo é-nos mostrada como seria a sua vida se ele em vez de vir para Portugal, tivesse ficado no estrangeiro. 

O filme protagonizado por uma constelação de vedetas como Lúcia Moniz, Cláudia Vieira, Nicolau Breyner, Paulo Pires, Pedro Lima, Sofia Grilo, Ricardo Pereira, entre outros, foi o maior sucesso de bilheteira desta primeira década do novo século. O filme era para ter sido realizado por Nicolau Breyner que, por divergências criativas com o Produtor Alexandre Cebrian Valente, abandonou a realização, mas manteve a sua participação no filme que acabou por ser co-realizado pelo produtor e pelo argumentista Miguel Gaudêncio.

            


No ano em que comemora o seu centenário, 2008, Manoel de Oliveira, é homenageado com um segundo Leão de Ouro no Festival de Veneza e mantém a sua actividade cinematográfica. Além da fórmula televisiva que continuava a resultar com o “Filme da Treta” de José Sacramento (2006), adaptado de um formato “sketch” televisivo, inspirado numa peça teatral de televisão em que António Feio e José Pedro Gomes, respectivamente Toni e Zézé, habitantes de um bairro degradado em Lisboa, comentam o dia-a-dia de uma forma humorística, tão bem souberam interpretar. Foi um enorme sucesso de bilheteira, assim como a sua sequela (já sem António Feio), “Filho da Treta” (2016) de Helder Mendes.  Sopram ventos de mudança no panorama cinematográfico português que se encontrava numa encruzilhada: O Ministério da Cultura cria o Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual que é sustentado por si, pela RTP, SIC e TVI e também pela ZON, distribuidora de programação por cabo, controlada pela Lusomundo, na altura, o maior distribuidor de filmes em Portugal. Além de alguns filmes de índole comercial e pouco interessantes em termos de qualidade, como “98 Octanas”(2006) de Fernando Lopes, uma espécie de “road movie” à portuguesa;  “Viúva Rica Solteira não Fica” (2006) de José Fonseca e Costa, uma co-produção luso-brasileira e uma tentativa de fazer uma comédia romântica de época; ou ainda a “Arte de Roubar” (2008) de Leonel Vieira, co-produção portuguesa, brasileira e espanhola de acção, comédia e crime que convenceu muito pouca gente;  outros há que, apesar de serem realizador por independentes, levam a produção nacional além fronteiras: “Alice” (2005) de Marco Morais em que um pai procura a sua filha desaparecida numa Lisboa ameaçadora, esteve em Cannes na secção de Primeiras Obras; também em “Odete” (2005) de João Paulo Rodrigues, Lisboa é palco da morte de um jovem de sexualidade ambígua, enquanto Odete, uma jovem empregada de hipermercado sonha em engravidar do seu namorado. Quando este foge, ela, sozinha, fecha-se num mundo de ilusões e mantém a sua obsessão de ter um filho. O filme, presente em Cannes, ganhou uma menção especial em “Cinémas de Recherche”.

A partir de 2010, ao se entrar na segunda década do século XXI, depois duma travessia do deserto pontuada por alguma irregularidade na produção cinematográfica nacional, esta parece querer alinhar-se com o resto da Europa e, quem sabe, até marcar pontos em termos de qualidade.

            


Aos 102 anos de idade (!), Manoel de Oliveira concretiza finalmente um velho sonho de mais de cinquenta anos com “O Estranho Caso de Angélica” (2010), onde um jovem fotógrafo é chamado a casa duma família abastada do norte para tirar um último retrato de Angélica, uma jovem que morreu logo após o seu casamento, e no momento em que tira a fotografia, a jovem parece ganhar vida, pisca-lhe o olho e sorri. O fotógrafo fica obcecado com a sua beleza e aquele momento surreal e quer saber mais sobre Angélica. O filme obtém apenas um modesto sucesso nas salas. Ao contrário, “A Bela e o Paparazzo” (2010), de António-Pedro Vasconcelos obtém um enorme sucesso. A comédia romântica que conta a história de Mariana, uma actriz de telenovelas de sucesso que está perto de um colapso nervoso porque as filmagens não estão a correr bem, ao mesmo tempo que é constantemente perseguida pelos paparazzi, principalmente Gabriela Santos que ela nunca consegue saber quem é. No elenco, novamente Soraia Chaves mais sexy que nunca, acompanhada por Marco d’Almeida, Pedro Laginha, Virgílio Castelo, Ivo Canelas, Nicolau Breyner, entre outros. 

Em 2012, fruto de uma feliz co-produção entre o ICA, da RTP Rádio e da Alfama Films com a colaboração da Câmara Municipal de Lisboa, nasce a “Operação Outono” um thriller político realizado por Bruno de Almeida que conta a história do assassinato do General Humberto Delgado ocorrido em fevereiro de 1965, em Espanha, pela mão da PIDE a mando de Salazar. O filme, baseado em factos verídicos narrados na biografia de Delgado “Humberto Delgado, o General sem Medo” escrita pelo neto Frederico Delgado Rosa. O filme, com um elenco nacional e internacional com nomes como John Ventimiglia, Nuno Lopes, Diogo Dória, Ana Padrão, Carlos Santos, Camané, entre outros, foi estreado em algumas salas do país, de norte a sul, e obteve apenas um modesto sucesso de bilheteira mas que não desencorajou o cinema nacional de partir à conquista da Europa e do mundo. 

Em 2011 é criada a Academia Portuguesa das Artes e Ciências Cinematográficas ou simplesmente Academia Portuguesa do Cinema, cuja missão é apoiar e divulgar o cinema português, não só em Portugal, como também no estrangeiro.

            


Em 2012, a Academia Portuguesa de Cinema instituí o prémio Sophia, nome escolhido para homenagear a maior poetisa portuguesa de sempre, Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), que, à semelhança de outros galardões um pouco por toda a europa como o “César” em França, o “Goya” em Espanha ou o “Bafta” no Reino Unido, todos inspirados naquele que é o maior prémio de cinema do mundo, o “Oscar” americano, premeia a excelência cinematográfica nacional. Nas várias cerimónias já decorridas foram premiadas obras como “Tabu” (2012) de Miguel Gomes, “Os Gatos não Têm Vertigens” (2014) de António-Pedro Vasconcelos, “Cartas de Guerra” (2017) de Ivo M. Ferreira, “A Herdade” (2019) de Tiago Guedes ou “Listen” (2020) de Ana Rocha de Sousa, que inclusivamente esteve perto de chegar à nomeação para o Oscar de Melhor Filme Internacional.


        

O facto de nos últimos anos, o cinema português ter estado na mó de cima com grande representação internacional, não o isenta de ter andado a perder tempo com “remakes” dos clássicos da era de ouro da comédia portuguesa, como foram os casos de “O Pátio das Cantigas” (2015) de Leonel Vieira, que, apesar de querer actualizar a história de um simples bairro lisboeta por altura dos Santos Populares, convenhamos que, por muito boa vontade que se tenha, César Mourão não é nem de perto nem de longe Vasco Santana e Miguel Guilherme, apesar da sua excelente prestação muito próxima da de António Silva, ainda está alguns níveis abaixo do original; foi também o caso de “O Leão da Estrela” (2015) de Leonel Vieira que, embora um pouco melhor que o “o Pátio das Cantigas”, sofre do mesmo problema,  só actualizar a história não chega, é preciso ter graça, a graça que o original tinha e, apesar do esforço de todo o elenco, o filme não descola da mediania; aconteceu exactamente o mesmo com “A Canção de Lisboa” (2016) de Pedro Varela que, sabendo-se de antemão ser o original de 1933 uma das comédias mais amadas do cinema nacional, teria que ser feito um trabalho acima da média, nomeadamente para os papéis principais de Vasco Santana e Beatriz Costa e António Silva, o que não aconteceu porque a escolha recaiu sobre novamente em César Mourão (que não consegue, uma vez mais, chegar aos calcanhares de Santana), Luana Martau (para mim, uma desconhecida) e Miguel Guilherme que “volta a vestir a pele” de António Silva e com a qual quase consegue levar o filme ás costas. Os três “remakes” ficaram aquém do esperado em termos de bilheteira; já “O Pai Tirano” (2022), realizado por João Gomes, com um elenco recheado de estrelas, como José Raposo, Miguel Raposo, Carolina Loureiro, Jessica Athayde, Diogo Amaral, Diogo Valsassina, entre outros, mantém intacto o enredo dos anos 40 idealizado e escrito por António Lopes Ribeiro, mas passou despercebido pelas salas de cinema. É caso para se perguntar se havia mesmo necessidade de se fazer estes “remakes”? eu acho que não!

            Mas, apesar dos muitos problemas, financeiros e outros, por que passou o cinema nacional ao longo destes mais de 100 anos de existência, soube sempre dar a volta e adaptar-se aos novos e desafiantes tempos que lhe foram surgindo e cada vez mais a qualidade do produto nacional é respeitada. Finalmente estamos a ser conhecidos internacionalmente, não só com presenças assíduas em festivais e outros certames por esse mundo fora, mas também são cada vez mais as produções estrangeiras que escolhem vir produzir filmes e séries em Portugal, usando para esse efeito muita mão-de-obra nacional e que acabam por promover o cinema nacional além-fronteiras.   

              

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