quarta-feira, 4 de agosto de 2021

O REMAKE - VER OU NÃO VER O MESMO FILME?

                                                          



            
            
            E se algum realizador, de repente, anunciasse que em 2021 iria fazer um “remake” de “Citizen Kane – O Mundo a Seus Pés” que Orson Wells realizou em 1941 e que, desde então, é considerado o melhor filme da história do cinema, o filme que, contra tudo e contra todos, rompeu com todas as regras para criar outras novas, o filme que aparece em todas as listas dos especialistas classificado como o filme mais importante do século XX. No ano em que aquela obra-prima celebra 80 anos, qual seria a reacção da comunidade cinematográfica a tal anúncio?

Será que valerá a pena vermos a mesma história, as mesmas cenas, as mesmas personagens ou os mesmos comportamentos que vimos há dezenas de anos atrás, novamente no écran, mesmo que se trate duma actualização da história? Por outras palavras: será que valerá a pena vermos o mesmo filme que vimos antes, mesmo que a história seja actualizada?  A resposta a esta questão não é fácil e, pode mesmo, levantar outras questões pertinentes que para o assunto em epígrafe não são importantes. 

            
            


O que é afinal o “remake”? Trata-se de fazer um filme baseado numa produção anterior e acaba por, na maior parte das vezes, contar a mesma história que o original, em vez de pegar na história que lhe deu origem, apesar de utilizar um elenco diferente e poder alterar uma ou outra situação pontual, alterar a temática ou ser dirigido para um público diferente. Na maior parte das vezes o “remake” faz alterações significativas nas personagens, no argumento, no género e também do estilo cinematográfico que se pretende imprimir á obra e aqui encontramos duas opções possíveis para o realizador: ou filma cena por cena e o “remake” acaba por ser igual ao original, como aconteceu em 1998 quando Gus Van Sant fez um remake de “Psycho” igualzinho ao que Alfred Hitchcock fez em 1960 (a única diferença é que o de Van Sant foi filmado a cores) e não acrescentou nada de novo ao original.

           


O “remake” também pode ser re-imaginado num género ou numa época diferente do original e, até, da fonte que lhe esteve na origem e acaba por ganhar (algum) interesse, como aconteceu, por exemplo, com “The Thomas Crown Affair – O Grande Mestre do Crime” de 1968 e que se centrava no roubo de um banco, enquanto que “Thomas Crown Affair – O Caso Thomas Crown”, realizado em 1999, girava em torno do roubo duma pintura; “Scarface – O Homem da Cicatriz”, o filme original de 1932, realizador por Howard Hawks, era sobre o contrabando ilegal de Àlcool, enquanto que o “remake” de 1983, “Scarface – A Força do Poder”, realizador por Brian De Palma, é sobre contrabandistas de cocaína. A mesma situação acontece em “The Italian Job – Um Golpe em Itália” uma comédia de acção realizada por Peter Collinson em 1969, que gira á volta do roubo de um carregamento de ouro em Turim com a ajuda de um grande engarrafamento e respectiva confusão nas ruas da cidade. O filme foi um sucesso e ajudou a cimentar a carreira de Michael Caine no cinema com a ajuda de Noel Coward e Benny Hill. Em 2003, o realizador F. Gary Gray pega no argumento do filme de 1969 escrito por Troy Kennedy-Martin e actualiza “The Italian Job – Um Golpe em Itália” para a cidade de Veneza onde 35.000.000 de dólares em barras de ouro estão guardadas num cofre altamente guardado e vão ser roubadas por um grupo chefiado por James Bridger e Charlie Crocker, os mesmos cérebros do filme de 1969, a que se juntam alguns elementos como a ganância e vingança que tornaram esta versão algo diferente do original, além do elenco que tinha nomes como Charlize Theron, Edward Norton, Mark Wahlberg ou Jason Staham, os dois últimos “habitués” neste género de produções o que contribuiu para o filme ser rentável nas bilheteiras.

Por vezes, o “remake” pode ser dirigido pelo mesmo realizador do original, na maior parte dos casos, o argumento não sofre qualquer alteração e apenas pode mudar o elenco.  Nesta situação, temos o exemplo de Alfred Hitchcock e do seu “The Man Who Knew Too Much – O Homem que Sabia Demais”, que foram realizados em 1934 e 1956, respectivamente; a mesma coisa aconteceu com “The Ten Commandments – Os Dez Mandamentos” que Cecil B. DeMille realizou em 1923 e depois refilmou em 1956.

            


Nem todos os “remakes” utilizam o mesmo título que o filme original, mas mesmo assim conseguem estar ao nível, em termos de qualidade, do original, ou mesmo até podem ser oriundos de países diferentes e, neste caso particular, existem variados exemplos recentes e outros não tanto: em 1953, o realizador francês H.G. Clouzot realizou “Le Salaire de la Peur – O Salário do Medo” que William Friedkin actualizaria em 1977 com o título de “Sorcerer – O Comboio do Medo”; do mesmo Clouzot, “Les Diaboliques – As Diabólicas” de 1955, seria re-filmado em 1996, nos Estados Unidos, com o mesmo título da versão original por Jeremiah S. Chechik; da França chegou também “Nikita – Nikita – Dura de Matar”, realizado por Luc Besson em 1990 e que obteria tal sucesso em terras americanas que veria surgir em 1993 “Point of No Return – A Assassina” realizado por John Badham; O thriller espanhol “Abre Los Ojos – Abre os Olhos” que Alejandro Amenábar realizou em 1997 daria origem a “Vanilla Sky – Vanilla Sky” que Cameron Crowe fez em 2001; em 2006, Martin Scorsese realizou o filme “The Departed – Entre Inimigos”, o qual  ganhou os Oscares de Melhor Filme e Melhor Realizador, que era uma versão americana condensada duma trilogia filmada em Hong Kong, “Infernal Affairs – Infiltrados” realizada entre 2002 e 2003 por Andrew Lau e Alan Mak. 

            


Um exemplo de “remake” de grande sucesso foi aquele que Steven Soderbergh fez em 2001 do filme “Oceans’s 11 – Os 11 do Oceano”, filme de 1960, realizado por Lewis Milestone em que Danny Ocean (Frank Sinatra) junta 11 ex-companheiros da IIª Guerra Mundial e planeia assaltar cinco casinos em Las Vegas numa só noite. Com Sinatra estavam Dean Martin, Sammy Davis jr.(o famoso "Rat Pack"), Peter Lawford, Angie Dickinson, entre outros nomes sonantes do cinema. Soderbergh actualizou então a história, acrescentou-lhe uma vingança que Danny Ocean (George Clooney) quer levar a cabo sobre Terry Benedict, dono de vários casinos em Las Vegas, por este lhe ter roubado a mulher, Tess (Julia Roberts) e ter mandado espancar um dos seus amigos. Ocean quer roubar três casinos de Benedict simultaneamente. Ao lado de Clooney e Roberts estão os nomes de Brad Pitt, Matt Damon, Andy Garcia, Elliott Gould, Bernie Mac, entre muitos outros e com um elenco assim o sucesso não podia ser maior e permitiu ao realizador esticar mais ainda a história com duas sequelas, “Ocean’s Twelve” (2004) e “Ocean’s Thirteen” (2007) e ainda uma espécie de prequela, “Ocean’s Eight” (2018), que apenas produziu, entregando a realização a Gary Ross, cujo sucesso ficou muito aquém do esperado.

Os “remakes” são transversais aos géneros pelo que acabam por passar um pouco por todos, principalmente quando a versão original obtém grande sucesso, não só no seu pais de origem como em outros países, o que origina o “remake” que, pode ou não, fazer história no cinema.

       


Os exemplos mais conhecidos de remakes que fizeram história no cinema e que contribuíram, de alguma forma, para se conhecer uma mentalidade diferente da de Hollywood, foram “The Magnificent Seven – Os Sete Magníficos”, que John Sturges realizou em 1960 baseado no épico feudal Japonês “The Seven Samurai – Os Sete Samurais” que Akira Kurosawa tinha realizado em 1954 e que obteve um sucesso enorme na Europa antes de ser importado para os Estados Unidos e transformado num western de sucesso, muito graças ao seu “all stars cast” liderado por Steve Mcqueen e Yul Brynner, mas também à temática abordada, filme que, por sua vez, já foi objecto de outro “remake”, com o mesmo título e realizado em 2016 por Antoine Fuqua; outro caso de sucesso importado do oriente para a europa, foi “Yojimbo – Yojimbo, o Invencível”, também de Kurosawa e realizado em 1961, que Sergio Leone transformou em “For a Few Dollars – Por um Punhado de Dólares” em 1964, que foi, não só um enorme sucesso em ambos os lados do Atlântico, como abriu a porta à criação dos “Western Spaghetti” de inspiração europeia.  

 


A verdade é que, em anos recentes, esta forma de actuação, de fazer novas versões de clássicos, tem sido muito seguida na Sétima Arte que lhe dá o nome de “Remake” e nem sempre resulta da melhor maneira para todos. Um caso curioso de um “remake” não ser um “remake” do original, mas sim uma nova versão por vontade do realizador: em 1968, Franklin J. Schaffner realizou “Planet Of The Apes – O Homem que Veio do Futuro” (o título do filme traduzido não faz grande sentido), que foi um grande sucesso muito graças ao final absolutamente surpreendente e inesperado. Em 2001, Tim Burton, fan incondicional da obra literária de Pierre Boulle que deu origem ao filme, quis adaptá-la, não como um remake, mas uma nova versão, a sua versão, do livro e garantiu que o seu final seria igualmente surpreendente e não teria nada a ver com o do filme de Schaffner que Burton considera único. O filme obteve um sucesso relativo, apesar do final de Burton ser, não só muito próximo do final do livro, como também foi, no mínimo, original. 

A mesma situação aconteceu em 1972 com o filme “Solaris” do realizador Soviético Andrei Tarkovski que, muitos críticos consideraram uma resposta soviética a “2001: A Space Odyssey – 2001: Odisseia no Espaço” que Stanley Kubrick realizara em 1968. Já em pleno século XXI, o realizador Steven Soderbergh quis fazer a sua versão de “Solaris” (2002), também ela baseada no romance de Stanislaw Lem com o mesmo nome, escrito em 1961 e livro de cabeceira do realizador e o resultado ficou aquém do esperado.

Leonel Vieira e o "seu" Pátio das Cantigas

Em relação ao cinema nacional, apenas houve três incursões, até agora, no universo dos “remakes”: em 2015, o produtor e realizador Leonel Vieira actualizou a acção dos filmes “O Pátio das Cantigas” e de “O Leão da Estrela” que haviam sido realizados em 1942 e 1947, respectivamente por Francisco Ribeiro (mais conhecido como “Ribeirinho”) e Artur Duarte; e em 2016, o mesmo Leonel Vieira produziu uma nova versão de “A Canção de Lisboa”, realizado por Pedro Varela, que Cottinelli Telmo tinha feito em 1933. Os três filmes foram sucessos de bilheteira, mesmo não estando á altura dos originais.

Na minha opinião, mexer com os clássicos é um risco desnecessário, porque, por mais que queiramos, clássicos são clássicos e é nesse estatuto que devem permanecer, por mais que achemos que talvez seja bom actualizar a história, aproximar mais o público do filme ou vice-versa, aquele nunca estará á altura do que lhe é proposto, porque simplesmente não está para aí virado, a sua preferência vai para outro tipo de filmes e dificilmente compreenderá as razões que estiveram na elevação dos filmes ao estatuto de clássicos e também facilmente se percebe que não seria uma nova versão desses filmes que lhe iria atrair a atenção. 

 

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