Quando estreou, em 1960, “Spartacus” foi olhado de soslaio pela crítica, não pelo público que o tornou num grande sucesso de bilheteira para a “Universal Pictures” que o distribuiu e que seria o seu maior êxito até 1970 quando “Airport – Aeroporto” de George Seaton estreou e inaugurou o género “Filme-Catástrofe”. A crítica, por seu lado, questionava-se sobre o porquê de uma nova superprodução ambientada no Império Romano depois de “Ben-Hur” (William Wyler, 1959) ter sido um grande sucesso e ter-se tornado no filme mais premiado da História do Cinema ao arrebatar 11 Oscares da Academia, incluindo o de Melhor Filme e de Melhor Realizador, em 12 nomeações? Mas, como se veio a provar, “Spartacus” era muito mais que isso.
Em 73 a.C., um escravo trácio, de nome Spartacus, que trabalha numa exploração mineira, é condenado a morrer á fome por homícidio de um Centurião romano. Por sorte, um homem de negócios e lanista (dono de uma escola de gladiadores), chamado Lentulus Batiatus, enquanto procurava candidatos a gladiadores, repara no seu potencial e decide comprá-lo também. Já na escola de gladiadores, Spartacus apaixona-se por Varinia, que trabalha nas cozinhas e é igualmente escrava. Depois de uma demonstração das capacidades dos gladiadores de Batiatus pedida por um Senador Romano, Marcus Crassus, este conhece Varinia e fica impressionado com ela, decide comprá-la ao lanista e pede-lhe para a levar para Roma quando lá for. Ao vê-la partir no dia seguinte, Spartacus, farto de sofrer humilhações ás mãos dos romanos, revolta-se e, juntamente com outros, fogem para as montanhas decididos a serem livres.
A ideia de fazer “Spartacus” nasceu depois de Kirk Douglas ter ficado desapontado com o realizador William Wyler por este ter escolhido Charlton Heston para o papel principal de “Ben-Hur”, que Douglas desejava para si, depois de já ter trabalhado com o realizador no filme “Detective Story – A História de Um Detective” (1951). Mais tarde, Edward Lewis, um dos vice-presidentes da “Bryna Productions”, a produtora de Kirk Douglas, fez chegar ás suas mãos o livro “Spartacus”, escrito por Howard Fast em 1951 e que, no entender de Lewis, tinha uma temática interessante de um homem a desafiar o poderoso Império Romano. O actor ficou de tal modo impressionado com o livro que comprou os direitos de adaptação a Fast pagandodo seu próprio bolso. Depois de conseguir que Laurence Olivier, Charles Laughton e Peter Ustinov entrassem no projecto e que Edward Lewis produzisse, Douglas conseguiu um financiamento final da parte da “Universal Studios”. Faltava agora o argumento e um realizador.
O livro que deu origem ao filme |
A rodagem revelou-se uma tarefa difícil para Kubrick pois estava em constante conflicto com Trumbo por causa da personagem de Spartacus que o argumentista via como sendo imaculado, sem falhas de carácter e Kubrick queria-a complexa e com peculiaridades (como viriam a ser algumas das suas personagens em obras futuras). Kirk Douglas aceitou ambas as visões e pediu a Trumbo que reescrevesse algumas cenas para conterem a visão do realizador. Também no campo da direcção de fotografia houve conflicto entre o realizador e Russell Metty, o veterano director de fotografia com uma vasta experiência em grandes produções nas décadas anteriores. Metty recusava-se a receber instruções precisas do realizador sobre o trabalho das cameras e da utilização da luz. Quando Metty ameaçou demitir-se da produção, Douglas, sabendo que Kubrick tinha sido fotógrafo no início da sua carreira, portanto sabia o que fazia, aceitou sua demissão e Kubrick assumiu também a direcção de fotografia. Na ficha técnica, no entanto, manteve-se o nome de Metty.
O elenco de Spartacus |
Varinia e Spartacus |
Stanley Kubrick na rodagem |
A ideia patente no filme é a da luta pela liberdade, mesmo quando a própria vida está em risco. É uma história de luta contra a prepotência dos Estados o que torna o filme, de certa forma, um produto da época em que foi feito, onde a visão do século XX ao passado é a génese da ideia principal ( a narrativa inicial, em voz off, é um exemplo disso mesmo). Esta mesma ideia está explícita na cena em que depois da derrota do exército dos escravos, Crassus procura encontrar Spartacus entre os prisioneiros e oferece mesmo o perdão ( e o consequente regresso á condição de escravo) a quem o identificar. Os sobreviventes respondem com um quase uníssono “I’m Spartacus!” (que foi uma ideia que Fast usou no seu livro) e, para a década em questão (anos 60) a frase viria a tornar-se icónica na luta contra o McCarthismo (se fosse hoje, tornar-se-ia viral!).
“Spartacus” antes de estrear foi submetido á apreciação da Comissão de Censura que pressionou o estúdio a fazer cortes de algumas cenas consideradas demasiado violentas e outras onde se fazia referência a orientações sexuais de algumas personagens. No meio de alguns protestos por parte dos produtores e do realizador (que o renegou durante anos), o filme estreou em outubro de 1960 com menos 23 minutos do que a sua duração original (a primeira versão que foi exibida antes da estreia e das polémicas que a rodearam, tinha 202 minutos de duração, mas algum desse material foi considerado perdido quando o filme foi remontado). Durante décadas o filme foi exibido numa versão de 176 minutos, até que em 1991, o estúdio autorizou uma primeira restauração do filme, tendo em conta o sucesso que havia sido alcançado dois anos antes com a restauração de “Lawrence da Arábia”, o clássico que “Sir” David Lean tinha realizado em 1962.
A cena do banho censurada na estreia do filme |
Além de ganhar o Oscar para Melhor Actor Secundário, o filme venceu ainda noutras três categorias todas técnicas, num total de seis nomeações que não incluíam nem as de Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Actor. “Spartacus” deu origem a diversos outras produções internacionais, sem grande destaque, ao longo das décadas subsequentes. Recentemente um telefilme, “Spartacus”, realizado em 2004 por Robert Dornhelm e uma série de televisão, “Spartacus” entre 2010 e 2013, criada por Steven S.DeKnight, vieram chamar novamente a atenção para o filme de 1960. O filme de Kubrick permanece como uma das grandes superproduções da era dourada de Hollywood e uma certa vontade de afrontar o sistema e os poderes instituídos na meca do cinema.
Nota do autor - As imagens e vídeo que constam neste texto foram retiradas da Internet
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