O Tempo passa sem parar, como um rio que corre em direcção ao mar, dissipa-se nas brumas da Memória colectiva... É o Tempo que serve a memória ou é a memória que serve o Tempo?
domingo, 14 de setembro de 2014
The Departed – Entre Inimigos
É sabido que
remakes estão na ordem do dia, , mas nem todos são bons ou estão sequer ao
nível do original. " The Departed - Entre Inimigos" é uma excepção.
Baseado num
filme de Hong Kong de 2002 chamado "Internal Affairs - Infiltrados"
rrealizado por Andrew Lau e Alan Mak, que no seu país foi um grande sucesso e
deu origem a uma trilogia. Martin Scorcese viu o original, gostou e quis fazer
uma versão adequada ao ocidente e, mais em particular, à América.
Em janeiro
de 2003,Brad Grey, produtor da Warner
Bros. E o actor/produtor Brad Pitt, seguinfdo a recomendação de Martin
Scorsese, compraram os direitos de adaptação/remake de “Internal Affairs”
áMedia Asia, a companhia que detinha os
direitos do filme original, pela quantia de 1.75 milhões de dólares. Pitt e
Scorsese assegurariam a produção e William Monahan, a quem fora encomendado a
adaptação do argumento, seria o realizador. Mais tarde, em janeiro de 2004, sem
qualquer explicação avançada, Scorsesefoi anunciado como o realizador do filme, mantendo-se Monahan como
argumentista. A acção centrava-se em
Boston; Brad Pitt, além de produtor, seria também actor e no elenco constava
também Leonard DiCaprio. Pitt, no entanto, acabaria por desistir do papel e manteve-se apenas como produtor. No
início de 2005, o filme recebeu luz verde da Warner Bros. E começou a ser
rodado na primavera desse mesmo ano com as filmagens a decorrerem em Boston.
O que faz
“The Departed – Entre Inimigos” um filme de Martin Scorsese e não apenas um mero
remake, igual a tantos outros que por aí andam? é, não só, a utilização dos
actores, dos locais onde se passa a acção,a energia que desta utilização emana e, principalmente, o tema que
subrepticiamente o percorre, uma espécie de tema enterrado dentro do filme:
trata-se de um filme não acerca daquilo que é, mas acerca de como é que é. Esta
é a verdadeira essência dum filme de Scorsese.
A maior
parte dos filmes do realizador são sobre homensque se tentam aperceber daquilo que são, tentam alcançar uma imagem do
seu próprio intímo. É assim com Travis Bickle de “Taxi Driver”, ou com Jake
LaMotta em “Touro Enraivecido” e, porque não,com Jesus Cristo em “ A Última Tentação de Cristo”. Em “Entre Inimigos”
passa-se basicamente o mesmo, ou seja, é a história de dois homens que tentam
viver as sua vidas públicas radicalmente opostas ao seu próprio intímo. As suas
tentativas ameaçam destrui-los a ambos, por implosão ou por traição fatal. A
narração das suas vidas envolve uma espécie de labirinto moral no qual o bem e
o mal usam a máscara um do outro.
Este filme é
um filme de polícias e gangsters, muitas vezes comparado a essa obra-prima do
realizador intitulada “GoodFellas – Tudo Bons Rapazes” (1990), só que saltam á
vista diferenças fundamentais que os tornam diferentes: enquanto em
“GoodFellas” a acção se passa em Nova York, “The Departed” passa-se em Boston;
Henry Hill (Ray Liotta) sonha em tornar-se um gangster e tudo faz para agradar
e ser aceite no meio, em “Departed”, porém, essa vontade de ser alguémnão existe e, no seu lugar, temos dois jovens
que crescem como impostores: um torna-se polícia e infiltra-se como gangster, o
outro torna-se gangster e vai viver infiltrado como polícia. Esta diferença é
fundamental entre os dois filmes e é sobre esta diferença que o genial
argumento de William Monahan triunfa dentro do filme.
Filme de
enganos, onde ninguém é aquilo que diz ser, o que torna a tensão, ao longo do
filme, grande, por vezes insuportável e depende da natureza humana de cada um:
Após alguns anos, ambos os homens identificam-se plenamente com o papel que
estão a desempenhar e não conseguem dar um passo sem terem a aprovação daqueles
que estão a enganar. A relação pai-filho percorre o filme todo. Frank Costello
actua como um pai para Sullivan e Costigan, enquanto o capitão Queenan funciona
como uma espécie de contraponto a Costello na figura paternal. Sullivan
refere-se a Costello como pai sempre que o informa das actividades da polícia. A cena final, onde se vê um rato a passear na janela é o melhor resumo de todo o filme, já que simboliza a temática central de toda a obra (a procura do infiltrado) e a sensação de desconfiança que reina entre todas as personagens.
O filme mostra-nos um lado da máfia Irlandesa, cujo
inicio, na américa, Scorsese já havia mostrado no magnifico "Gangs de Nova
York" (2002), funcionando este filme, apesar da acção se centrar em “Five
Points”, um bairrode emigrantesna Nova York do século XIX, como uma espécie
de prólogo a “Entre Inimigos”.
Trabalhando
com um elenco magnifico onde pontuam as interpretações de Jack Nicholson, no
papel de Frank Costello, o gangster á volta do qual gravitam todas as
personagens, principalmente Collin Sullivan e Billy Costigan. O actor faz mais
uma das suas personagens (inspirada num famoso gangster irlando-americano,
Whitey Bulger, o que transmite ao filme uma sensação de realismo) “bigger than
life” a que já nos habituou na sua longa carreira; Leonardo DiCaprio é Billy
Costigan, o polícia infiltrado como gangster que Costello toma debaixo de sua
protecção. Cada vez mais um actor de Martin Scorcese, aqui na sua terceira
colaboração com o realizador, mostra mais uma vez ter sido uma aposta certa;
Matt Damon interpreta Colin Sullivan, o miúdo “adoptado” por Frank Costello,
que, a pedido deste, se infiltra como polícia para poder informar o seu
“padrinho” de quaisquer movimentações que haja contra ele. Damon tem aqui,
depois de Jason Bourne, o seu melhor papel num filme de acção. De salientar que
também os secundários Vera Farmiga, Mark
Wahlberg, Martin Sheen, Ray Winstone e Alec Baldwin, entre outros, brilham.
A realização
de Martin Scorsese é, como sempre, sem mácula. Conta a história, mostra-nos
sentimentos e violência tudo filmado a um ritmo alucinante servido por um bom
argumento onde não falta uma engenhosa adição de aparelhos modernos como
telemóveis ou computadores, o que leva Scorsese a levantar diversas questões
que não deixam de ser pertinentes e também preocupantes; como “quando os
caminhos dos dois homens infiltrados, se cruzarem, como deve acontecer, será
que eles se irão encontrar em cada extremidade da mesma chamada telefónica?” ou
“quando os polícias souberem que existe um informador no seu seio, será que vão
o informador para se encontrar a si próprio?” Scorsese responde, a esta
dramatização das armadilhas e traições da vida dos infiltrados,com uma das mais bem conseguidas falas de
todo o filme, quando a um deles é dito “eu dei-te a morada errada, mas tu foste
ter á correcta!”.
Estreado em
outubro de 2006, o filme , que custou cerca de 90.000.000 de dólares, rendeu
nas bilheteiras nacionais e internacionais qualquer coisa como cerca de
289.847.354 de dólares, tornando-se no terceiro filme do realizador a
posicionar-se no primeiro lugar nas bilheteiras logo no dia de estreia.
Universalmente aclamado como uma das melhores obras do realizador da década,
viria a ganhar, em janeiro de ano seguinte, o Globo de Ouro para Melhor
Realizador, uma das seis nomeações que o filme tinha.
Vencedor de
quatro Óscares da Academia, para Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor
Argumento e Melhor Montagem, "Entre Inimigos", não sendo o melhor
Scorcese e, talvez aquele que menos merecesse levar os prémios da academia, quando
comparado com “Taxi Driver”, O Toiro Enraivecido”, “Tudo Bons Rapazes” ou até
mesmo “Gangs de Nova York”, estas sim, verdadeiras obras-primas do realizador, fica
como uma obra acima da média e que lhe deu o tão almejado Oscar da Academia que
há tantos anos lhe fugia e que já era por demais merecido.
Nota: as imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet
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