Diz a sabedoria
popular que “A Vingança é um prato que se serve frio”. Deve ter sido isso que
Alexandre Dumas, Pai, pensou quando começou a escrever “O Conde Monte Cristo”,
o seu livro mais conhecido a seguir aos “Três Mosqueteiros”. São mais de 1000
páginas a conceber e executar o mais intrincado e genial plano de vingança da
história da literatura.

Edmond Dantés é
um jovem marselhês que, aos dezanove anos, parece ter uma vida quase perfeita.
Está prestes a tornar-se Capitão de um navio mercante, é noivo da jovem e bela Mercédès e é bem visto
por quase todos aqueles que o conhecem. No entanto esta vida quase perfeita
está prestes a terminar, pois três amigos de Dantès, movidos pela inveja do seu
sucesso quase precoce, preparam um esquema no qual o jovem é apanhado, perde
tudo de um dia para outro e é condenado á prisão no Castelo de If, um local
para onde são enviados os mais perigosos presos políticos. Na prisão, onde
passa catorze anos, Dantés conhece o Abade Faria, outro prisioneiro que ali se
encontra preso por causa das sua opiniões políticas. Faria fala-lhe de um
tesouro imenso que se encontra escondido na ilha de Monte Cristo, ao largo de
Itália e ensina-lhe como o encontrar caso o jovem consiga escapar. Quando o consegue,
Dantés encontra o tesouro, assume a identidade do misterioso Conde Monte Cristo
e regressa a Marselha para preparar a sua vingança contra os seus inimigos.

A acção
passa-se em França, Itália , ilhas do Mediterrãneo e no Levante e,
inteligentemente, Dumas situou-a sob um
pano de fundo histórico que se torna um elemento fundamental ao longo do livro.
Uma história constantemente percorrida pelos temas da esperança, justiça,
vingança, piedade e perdão, mas cujas consequências são devastadoras tanto para
os culpados como para os inocentes.
Dumas escreveu
que a ideia de vingança de “O Conde Monte Cristo” foi inspirada numa história
escrita por Jacques Peuchet, um arquivista da polícia francesa, publicada em
1838 e que lhe chegou ás mãos depois da morte do autor e que foi incluída numa
das edições em 1846. Peuchet conta que um sapateiro, Pierre Picaud que vivia em
Nimes em 1807, estava noivo duma senhora rica quando três amigos invejosos o acusaram
de ser um espião ao serviço de Inglaterra. Colocado numa espécie de prisão
domiciliária em casa dum clérigo, Picaud passou anos a preparar a sua vingança
contra os invejosos. Quando o clérigo morreu, toda a sua fortuna ficou para
Picaud que era como se fosse um filho seu e o sapateiro pode então pôr em
prática a sua vingança.

O autor e
Auguste Macquet, o seu colaborador habitual criaram em “O Conde Monte Cristo”,
á semelhança de “Os Três Mosqueteiros”, uma galeria de personagens
inesquecíveis e as quais dotaram com características fundamentais para o
desenrolar da história: assim temos Edmond Dantès, o rapaz inteligente,
apaixonado e bondoso que, com a sua prisão, se torna amargurado e vingativo e,
quando o Abade Faria morre, ele perde a única ligação com outro ser humano. Sem
qualquer emoção, o seu único objectivo torna-se a vingança pura e simples e só
muito mais tarde, no livro, é que recomeça a viver como um ser humano;
Danglars, o imediato do navio de Dantès, é um homem ganancioso e cruel e só
pensa em si mesmo, sem escrúpulos nenhuns não olhando a meios para alcançar os
fins; Mercédès, é uma mulher boa e amável, acaba por trair o seu amado e casar
com outro homem, permanecendo infeliz pelo resto da sua vida, ela é a
personagem cujo sofrimento é maior e mais completo; Mondego é o rival de Edmond
na afeiçaõ a Mercédès, ajuda a incriminar o amigo e, traindo tudo e todos,
torna-se rico e poderoso; finalmente Caderousse, ambicioso, mas sem força
nenhuma, preguiçoso e desonesto,
representa uma certa insatisfação humana, não importa aquilo que tem,
sente que merce mais, para conseguir o que deseja, rouba e mata. Existem outras
personagens que gravitam em torno destas, acabando, duma maneira ou de outra, por se relacionarem umas com as outras e também com o misterioso Conde Monte Cristo.
Dumas escreveu
a história entre agosto de 1844 e janeiro de 1846 e publicou-a no formato de
folhetim no “Journal des Débats” em
dezoito partes. As versões completas seriam publicadas posteriormente ao longo
do século XIX. Numa época em que a televisão ainda não fora inventada, o
folhetim era aquilo que mais se aproximava do que hoje se chama novela.
Semanalmente, os leitores esperavam cada capítulo novo com ansiedade, muitas
vezes, esse espaço de tempo servia para o autor dar diferentes rumos á
história, alterar personagens e, por vezes, criar sub-enredos, consoante a
vontade e opinião dos leitores. Tudo isto sem nunca perder o fio condutor da
narrativa. O autor, para manter o enredo vivo e activo”, terminava cada
capítulo com uma situação em suspenso preparando os leitores para a sequência
daquela situação. Actualmente, o recurso a uma narrativa em estilo folhetinesco
continua a resultar já que o leito da obra, ao ser confrontado com uma situação
dramática, não resiste á tentação e continua a ler até a situação estar
resolvida.

A história é
tão actual que não admira que as mais de 1000 páginas se leiam quase de um só
fôlego. É quase impensável dizer que a vingança planeada e levada a cabo por
Edmond Dantès está ultrapassada. Muito pelo contrário: a identificação com o
protagonista é grande e, no decorrer do livro, apesar do plano ser uma coisa
absolutamente mirabolante e envolver não só o fim dos seus inimigos como também
a sua destruição moral, social e económica, o leitor quer que ele seja bem
sucedido. Dumas consegue, através das muitas voltas e reviravoltas que o plano
sofre, chegando mesmo a estar na eminência de ser descoberto e Dantès
desmascarado, fazer com que a personagem escape a outro destino que não aquele
que é pretendido. Na óptica do autor, a
personagem segue o esquema narrativo clássico: o herói sofre a adversidade,
mas, utilizando a sua inteligência, consegue, pouco a pouco, impor-se aos
problemas que lhe vão surgindo.

Duas notas
finais: a primeira relaciona.-se com o final desta história de vingança. Nele,
depois do processo, tão longo, tão difícil, que consome tantas vidas e tanto
tempo, constata-se que se calhar ela não valha a pena. Dantès empenha-se tanto
na vingança perfeita contra os seus inimigos, que não compreende que quem se
prejudica é ele próprio ao deixar de viver por causa dos inimigos que quer
destruir a toda a força. É a maneira genial que Alexandre Dumas encontrou para
terminar o romance.
A segunda nota
refere-se ao facto de que, ao contrário do que muita gente pensa, a história do
Conde Monte Cristo não termina neste livro. Ela continua noutro romance
publicado anos mais tarde.
(continua)
Nota: As imagens que ilustram o texto foram retiradas da Internet