
Em 1913 um bando de
foras-da-lei apercebe-se que os seus tempos do velho oeste estão com os dias
contados e que é chegada a altura de arrumar as botas. Decidem então fazer um
último e arriscado assalto e sair em estilo...mas as coisas não vão correr tão
bem como eles pensavam e se calhar a reforma não está nos seus horizontes.
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William Holden |
Antes de escolher William
Holden para interpretar Pike, Peckinpah teve em mente outros actores que
considerava mais próximos do género: Lee Marvin, James Stewart, Burt Lancaster,
James Coburn, Richard Boone, Gregory Peck ou Robert Mitchum. De todos, o único
que ainda chegou a aceitar for Lee Marvin, mas acabou por se decidir por outro
papel, e também mais bem remunerado, em “Paint your Wagon – Os Maridos de
Elizabeth” (Joshua Logan, 1969). Richard Harris, que já havia trabalhado com o
realizador em “Major Dundee”, foi considerado para o papel de Deke Thornton,
mas Peckinpah acabou por escolher o
veterano actor Robert Ryan depois de o ver no filme “The Dirty Dozen – Os Doze
Indomáveis Patifes” (Robert Aldrich, 1967). Ernest Borgnine, Edmond O'Brien, Warren Oates e Ben Johnson, completam o elenco.
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Robert Ryan |
Em finais de 1967, depois de
ter sido despedido da realização de “Cincinnati Kid – O Aventureiro de
Cincinnati” em 1965 e de, no mesmo ano, ter tido problemas com o produtor de
“Major Dundee – Major Dundee”, Peckinpah encontrava-se novamente a trabalhar em
televisão, onde, de resto, tinha começado a sua vida profissional. O produtor
Phil Feldman, da Warner Bros., tinha comprado os direitos de adaptação dum
argumento, ao seu escritor Walon Green, intitulado “The Wild Bunch”. Como esta
história tinha algumas semelhanças com outra escrita por William Goldman intitulada
“Butch Cassidy and the Sundance Kid”, que tinha sido adquirada pela 20th
Century Fox, foi decidido que “The Wild Bunch” seria produzido para tentar
bater nos cinemas o filme da 20th. Feldman, que conhecia o trabalho de Sam
Peckinpah, mostrou interesse em tê-lo atrás das camaras para realizar aquilo
que ele chamou “o seu filme épico” e que fosse capaz de superar a violência
latente em “Bonnie and Clyde” de Arthur Pen, que tinha estreado nos cinemas em
meados do ano. Não podia ter feito melhor escolha.
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Sam Peckinpah, o homem que gostava da violência |
O realizador Sam Peckinpah,
autor de obras como o já citado "Major Dundee" (1965), "Cães de
Palha" (1971), "Tiro de Escape" (1972) "Cross of Iron"
(1977) ou "Convoy - Comboio dos Duros" (1978) para citar apenas as
mais conhecidas, tinha duas imagens marcantes na sua obra: uma predilecção
pelos perdedores ou o simples zé-ninguém. Daí que alguns dos filmes atrás
referidos tenham como personagens principais bandidos, ladrões ou mesmo o simples
vencido da vida que apenas anda por aí ao sabor do vento; a outra característica
de Peckinpah era a violência estilizada, sendo esta, mesmo a imagem de marca do
realizador.
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Deke Thornton, a expressão duma inveja sentida |
Em dois dos seus filmes mais conhecidos, o realizador filma a
violência em modos distintos; Neste "Quadrilha Selvagem", a violência
é poética e a cena do confronto final entre a quadrilha e o bando do general
Mapache é carregada de simbolismo onde a morte é o supremo acto de libertação
dum estilo de vida que, para a quadrilha, estava acabado; atente-se aos
momentos finais do filme onde Deke Thornton caminha por entre os cadáveres dos
combatentes e detem-se junto dos dos seus ex-companheiros: a sua expressão diz
tudo: a inveja que sente por não ter tido o mesmo destino deles e libertar-se
assim da vida que escolheu. Já em "Cães de Palha", outra das suas
obras polémicas, no último terço do filme um simples professor de matemática
(Dustin Hoffman) tem de defender a sua casa, a sua honra e de sua mulher contra
os ataques dos habitantes duma vila na Inglaterra rural.
A violência, sempre
presente, que Peckinpah disse ser uma alegoria á participação dos americanos
na guerra do Vietname, exibida todas as
noites nas televisões americanas no horário nobre, é extrema e nada tem de
poético, pelo contrário, é o único meio disponível para defender a honra, outro
valor muitas vezes presente na obra de Peckinpah.Para se defender dos que o
criticaram pela violência das imagens, o realizador tentou mostrá-la como um
lugar-comum no período histórico dos tempos da fronteira.
Já o tema da traição é
secundário mas de capital importância, tal como os valores da honra. As
personagens sofrem com o facto de terem, em dado momento, atraiçoado alguém e
deixá-lo por sua conta, entregue ao seu destino, violando assim o seu próprio
código de honra quando se lhes convinha. Tais ideais, complexos e opostos,
levam á violenta conclusão do filme quando os restantes membros da quadrilha consideram
intolerável o abandono a que vetaram Angel e decidem ir resgatá-lo. Pike vive atormentado com as
traições que foi obrigado a fazer: na cena, em flashback, quando abandonou
Deke, numa altura em que os homens da lei os perseguiam; e quando abandona
Clarence “Crazy” Lee (Bo Hopkins), na cena do início, quando assaltam o banco,
supostamente para ele ficar a guardar os reféns.
Polémico e sempre em
conflito, Peckinpah veria a maior parte dos seus filmes serem censurados e
cortados pelas distribuidoras sob pena de não serem distribuídos no circuito
comercial. "Major Dundee" foi dos primeiros filmes de Peckinpah a ser
amputado de um considerável número de cenas, tornando o filme confuso e incompleto.
Felizmente foram recuperadas em 2005 e re-inseridas no filme. Outro exemplo
desta tendência em relação à obra do realizador é "Duelo na Poeira"
(1973) onde o simples acrescento das cenas amputadas antes da estreia, o tornam
numa obra completamente diferente e a descobrir.
Com a "Quadrilha
Selvagem" passou-se o mesmo, mas ainda hoje a discussão permanece: com uma
duração inicial de 225 minutos (um dos grandes problemas era a cena do tiroteio
inicial que durava, na primeira versão, cerca de 21 minutos), achou-se que era
enorme, o filme seria remontado pelo estúdio para uma duração de 190 minutos
(aqui, graças a uma montagem eficaz, cortando imagens especificas, apondo
outras, a cena inicial ficou reduzida a cinco minutos), mas continuava longo
demais, então, Peckinpah resolveu ele mesmo montar o filme para 134 minutos,
versão que foi estreada e exibida durante anos e tida como a versão real do
filme, inclusive pelo próprio realizador. Só em 1995, a familia autorizou o
lançamento daquela que ainda hoje é a versão em circulação. Incorporando cerca
de 11 minutos de cenas, encontradas num arquivo particular, importantes para a
história. Chamou-se a versão original do realizador e contém algumas das mais
violentas sequências de acção da história do cinema.
Aquilo que Sergei Eisentein
inventou, que lhe granjeou o título de "Pai da Montagem" e está
patente em "Couraçado Potemkin" (1925), "Alexander
Nevski"(1938) ou "Ivan - O Terrível" (1944), para citar os
melhores e mais conhecidos exemplos da arte de montagem, foi um dos grandes
trunfos do realizador americano em toda a sua obra.
Em "A Quadrilha
Selvagem", Peckinpah mostrou como é que se conta uma história mostrando,
desde a cena inicial com as crianças a incendiarem escorpiões vivos antes do
assalto ao banco, passando pelo assalto ao comboio até chegar à já citada cena
final do tiroteio entre a quadrilha e os homens do general, violência poética,
visualmente estimulante graças á fotografia de Lucien Ballard, colaborador
habitual do realizador, à utilização de montagem multi-ângulo e paralela, o
corte abrupto de cenas entre o "slow motion" e a velocidade normal,
por vezes cruzando as duas, uma técnica de cinema que, em 1969, foi
revolucionária (apesar de já ser utilizada desde meados da década de 60),
Peckinpah filmou aquele que seria o último grande clássico do oeste... onde se percebe
que a morte dos membros da quadrilha significava não só morte do velho oeste
como nos fora dado a conhecer durante décadas, mas também a morte e o fim de um
género cinematográfico de que "Imperdoável" (Clint Eastwood, 1992), seria
o mais significativo e dignificante epílogo que alguma vez se poderia escrever.
Verdadeiramente um clássico, de um género,
obra-prima de um realizador e um filme que continua a ser absolutamente incontornável na
história do cinema.
Em 1999 “A Quadrilha Selvagem” foi seleccionado
para ser preservado na Biblioteca do Congresso por ser um filme cultural,
histórica e esteticamente significativo. O “American Film Institute”
classificou-o como o 80º melhor filme de
sempre no seu top 100 e o 69º mais emocionante.
Em 2008, o mesmo
organismo, revelou o seu “10 top 10”, os dez melhores em dez géneros: “A
Quadrilha Selvagem” foi considerado o sexto melhor Western de todos os tempos.
Nota: As Imagens e vídeo que ilustram este texto foram retiradas da Internet