Em
1898, H.G.Wells, escritor de ficção científica, britânico de renome, publicou o
livro “A Guerra dos Mundos”, a sua obra mais famosa. Nele, a Inglaterra
Vitoriana é atacada e invadida por extraterrestres vindos do planeta Marte.
Este enredo aparentemente simples e banal, transformou-se num enorme sucesso
literário para o escritor, ganhou o estatuto de clássico da literatura de
ficção científica e cativou a imaginação
da sociedade não só da sociedade do séc.XIX, como também a do século que se
seguiu.
Em
1938, “A Mercury Theatre on the Air”,
uma série dramática que ia para o ar emitida pelo sistema de rede radiofónica de
Columbia, adaptou a “A Guerra do Mundos”.
Realizada e narrada pelo então actor e futuro realizador Orson Wells.
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Orson Wells adaptou a obra na emissão radiofónica de 1938 |
Os
primeiros dois terços do programa são preenchidos com boletins noticiosos
criados com tal realismo que fazem crer aos seus ouvintes que uma invasão
marciana estava mesmo a acontecer, transformando aquela noite, de 30 de outubro
e, nalguns casos, os dias seguintes, numa situação de verdadeiro pânico. O
episódio acabou por ser fundamental na carreira de Wells.
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A Guerra dos Mundos, de Byron Haskin, 1953 |
1953
viu nascer a versão cinematográfica do clássico de H.G.Wells. Byron Haskin foi
o realizador responsável por esta adaptação. O filme situa a acção numa pequena
vila na califórnia, onde cai um meteorito que traz dentro de si passageiros
nada amistosos. Elevado á categoria de clássico, o filme apenas toma por base a obra de Wells
e segue noutra direcção diferente, conseguindo obter junto do público o sucesso
esperado. Mas, á parte do trabalho de Haskin, algumas boas interpretações,
foram as naves marcianas que espantaram e convenceram o público. Isto deveu-se
ao produtor do filme, George Pal, que sabia como fazer filmes deste género e era uma
força condutora no campo dos efeitos especiais que neste filme foram inovadores
e únicos e que acabaram por ganhar o Oscar na respectiva categoria.
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O Musica de Jeff Wayne, 1978 |
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A Série de televisão |
A
obra ainda teve mais duas adaptações durante o século XX: a primeira, em 1978,
foi uma adaptação musical feita pelo músico Jeff Wayne e que foi um grande
sucesso e obrigou o músico e a sua troupe a fazer uma tournée nos Estados
Unidos; a segunda, foi para televisão sob a forma de série, entre 1988 e 1990,
durante duas temporadas e funcionou como uma espécie de continuação do filme de
1953, quando os marcianos, que aparentemente tinham sido mortos no final do
filme, afinal não o tinham sido e estavam apenas numa espécie de vida suspensa,
são acordados por um raio laser que destrói a bactéria que os infectara. Não
convenceu e a série foi suspensa. Teriam que passar 15 anos até aparecer uma
nova adaptação da obra de H.G.Wells.
Esta
adaptação era um projecto há muito tempo acarinhado pelo realizador Steven
Spielberg. Desde a década de 80 que o realizador queria fazer a sua adaptação
do livro, mas sempre adiado. Já com o filme em pré-produção, Spielberg pediu
várias alterações ao argumento da autoria de Josh Friedman, pois queria que a sua versão, embora
respeitando o livro, fosse diferente do filme de 53. O realizador era contra a
chegada dos aliens em naves espaciais, já que, na sua opinião, todos os filmes
de aliens usam esse tipo de veículo e também não quis incluir a chegada deles
em naves marcianas porque assim ficava quase igual ao filme de Byron Haskin.
Decidiu então que os “Tripods” já se encontravam na terra e estavam enterrados
no solo desde há muito tempo. David Koepp reescreveu o argumento original e,
depois de reler a obra, decidiu incluir uma narração em voz-off “Queria alguém
que estivesse na periferia dos acontecimentos em vez de envolvido nos próprios”. Apresentou a ideia ao realizador que a adorou. Spielberg convidou Morgan
Freeman para o efeito e o resultado não podia ser melhor: a voz forte e
metálica do actor deu o mote ao que se
vê no écran: um grandioso espectáculo de acção, feito com a mestria de quem
sabe marcar a diferença.
A “Guerra dos Mundos” encerra uma trilogia que
Spielberg dedicou ao tema das visitas de aliens á terra. Enquanto que com os dois
primeiros filmes, “Encontros Imediatos do Terceiro Grau” (1977) e “E.T. – O
Extraterrestre” (1982), os aliens eram amigáveis e tentavam estabelecer uma
comunicação com os terrestres, no terceiro filme, Spielberg tem a oportunidade
de explorar a antítese das personagens dos dois filmes anteriores . “Pela
primeira vez na minha vida, vou fazer um filme de aliens onde não há amor nem
tentativa de comunicação”, disse o realizador.
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A Imagem mais forte da obra de Spielberg |
É
fácil perceber porque é que Spielberg disse que depois de "A Guerra dos
Mundos" não voltaria a realizar mais nenhum filme de ficção científica, é
porque depois desta experiência cinematográfica, nada mais a fazer...com este
filme, adaptado de um dos livros mais conhecidos da literatura de ficção
científica, chegamos, tal como a humanidade no livro, ao fim dos tempos.
Recheado de momentos tensos (a aparição
do primeiro Tripod é um desses momentos) e cenas fortes, nomeadamente naquela
que será a imagem mais marcante e chocante do filme: a cena em que Rachel (a jovem promessa cinematográfica
Dakota Fanning), está junto a um rio a preparar-se para fazer uma necessidade
fisiológica, vê passar um corpo a boiar logo seguido de mais uma série deles e
solta um grito aterrorizante.
O
próprio timing de Spielberg, ao situá-lo
numa América pós 11 de Setembro de 2001, apesar de Koepp dizer que tentou
escrever o argumento sem se inspirar no trágico acontecimento que abalou o
mundo, é difícil não pensar nele quando Ray e os seus filhos fogem da cidade
enquanto esta é destruída pelos “Tripods”, confere ao filme o tom profético anunciado na
obra de Wells.
Impecável no que respeita a aspectos técnicos,
onde Spielberg e a sua equipa, são mestres, é no aspecto artístico que vem a
grande surpresa: Tom Cruise é Ray Ferrier, um pai separado, com dois filhos
adolescentes que mal conhece e que de repente se vê apanhado em acontecimentos
apocalípticos. O actor ligou-se ao
projecto desde que trabalhou com o realizador em "O Relatório
Minoritário" (2002) e dá-nos uma interpretação arrancada de dentro,
convincente (a cena na colina onde Ray tenta impedir Robbie de partir com os
soldados para ir combater os aliens, é das cenas mais dramáticas que o actor já
nos deu), próximo daquilo que o actor já mostrou que consegue fazer e que faz
esquecer outras menos conseguidas; Tim Robbins, é Harlan Ogilvy, um homem á
beira a loucura, que se quer vingar das máquinas que lhe destruíram a família.
A sua prestação, numa personagem, saída directamente do seu filme anterior
"Mystic River" (Clint Eastwood, 2003), no qual ganhou o Oscar de
Melhor Actor Secundário, faz arrepiar qualquer um.

H.G.Wells ficaria certamente agradado pela emissão
radiofónica que Orson Wells fez na década de 30 do século passado, teria
gostado da versão de Byron Haskin na década de 50 do século passado e ficaria
orgulhoso da versão de Spielberg que alguém já chamou o último grande filme de
ficção científica.
Nota: as imagens e vídeo que ilustram este texto foram retiradas da Internet