Em
1981, a cadeia de televisão Norte-Americana NBC fazia história na cerimónia dos
“Emmy’s”, prémios de televisão, entregues anualmente, ao conseguir que, pela
primeira vez desde 1949, ano em que começou a cerimónia, uma série, na sua
temporada de estreia, recebesse oito prémios, num total de 21 nomeações,
incluindo o prémio para Melhor Série Dramática. “Hill Street Blues – Balada de
Hill Street”, assim se chamava essa série, viria a mudar radicalmente a face da
televisão.
A produtora “MTM
Enterprises”, desenvolveu o projecto
em nome da NBC, encarregando os escritores Steven Bochco e Michael
Kozoll de criar uma possível série
televisiva. Dando largas à sua imaginação, os escritores, uma vez que tinham
liberdade criativa considerável, criaram uma série de novas ideias que se
viriam a tornar fundamentais na produção televisiva futura:
- Os episódios apresentavam várias histórias ligadas
entre si, algumas eram resolvidas naquele episódio, outras no decorrer de
vários episódios.
- A vida, profissional e privada, das personagens, por
vezes colide entre si.
- Cada episódio começa com uma sequência pré-genérico
de briefing matinal (“Roll Call”), dado por um Sargento, a que toda a gente
(Detectives e Polícias uniformizados) assiste, recebe as suas missões e prepara
o seu dia de serviço.
- Todos os episódios são filmados de camera ao ombro, permitindo
uma acção e corte rápidos entre as histórias, através duma montagem igualmente rápida. A existência de muito ruído e
diálogo em fundo dá o efeito de “quase documentário” e de realidade
necessários. Esta técnica foi usada desde o episódio-piloto, produzido em 1980
e inspirado no documentário “The Police Tapes”, realizado em 1977 e no qual os
realizadores usavam cameras ao ombro para poderem seguir os polícias no Bronx. Já
em 1971 o realizador William Friedkin utilizara parcialmente esta técnica na
sua obra-prima “The French Connection – Os Incorruptíveis contra a Droga”.
- A maioria dos episódios termina numa situação
doméstica em que as personagens do Capitão Frank Furillo e da Advogada Joyce
Davenport, discutem o seu dia de trabalho.
Inspirada em
variada matéria sobre o assunto, tais como: casos processuais, outras séries e
romances policiais e de detectives, principalmente o livro de Ed McBain “Cop
Hater”, escrito em 1956, “Hill Street Blues” relatava o dia-a-dia duma Esquadra
de Polícia situada numa qualquer cidade americana, os problemas com que se
deparavam os seus funcionários, a dificuldade, muitas vezes também, a
impossibilidade de fazer respeitar a lei e a justiça. A frontalidade real e brutal com que a série descrevia a
vida urbana, a violência (houve quem a considerasse gratuita e desnecessária) e
as diferenças sociais existentes na década de 80 foi considerada revolucionária
para a época. Embora filmada em locais específicos da baixa de Los Angeles, ou
utilizando algumas sequências filmadas em Chicago para o genérico inicial e também nos estúdios da CBS, nunca se
sabe realmente qual a cidade em que se situam os bairros problemáticos onde se
passa a acção, o que foi uma decisão inteligente dos criadores tornando a série
muito mais abrangente porque se pode situar tanto em New York, como em Los
Angeles, ou em qualquer outra grande metrópole dos Estados Unidos.
A cultura de
gangs também foi muito bem explorada ao longo das diversas temporadas. As
negociações que aconteciam entre os líderes dos gangs decorriam geralmente na
esquadra e tinham tanto de cómico ( o visual e a maneira de falar dos diversos
líderes) como de dramático (quando os líderes não se entendiam uns com os
outros ou com a polícia e acontecia uma cena de pancadaria). As interações
entre polícia e gangs centravam-se à volta do gang “Los Diablos” e a relação
difícil, a princípio, depois consolidada através de admiração, colaboração e
mutúo respeito entre o carismático líder do gang, Jesus Marinez e o capitão
Furillo.
Ao longo de sete
temporadas, os espectadores habituaram-se a conviver com personagens quase
familiares: desde o chefe da esquadra de Hill Street, o incorruptível e pouco
permissivo Capitão Francis Furillo, passando pelos detectives, polícias
uniformizados, pelo negociador Henry Goldblume, o vice-chefe da esquadra Ray
Calletano, a Defensora Pública Joyce
Davenport, Fay Furillo, a complicada ex-mulher do capitão, Jesus Martinez, o
chefe de “Los Diablos”, um dos gangs poderosos da zona, terminando no Sargento
Phil Esterhaus, uma figura quase paternal e consciência de todos os que
trabalham na esquadra.
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O Elenco fixo de Hill Street Blues |
O elenco, composto de 13 personagens fixas, manteve-se sempre o mesmo até meio
da quarta temporada, quando morreu Michael Conrad, o actor que interpretava o Sargento Phil
Esterhaus, a 22 de novembro de 1983.
A personagem ainda apareceu esporadicamente, nas “Roll Calls” matinais
que já estavam previamente gravadas, em alguns episódios até fevereiro de 1984,
onde faz a sua última aparição, no episódio intitulado “Grace Under Pressure”,
que lhe foi dedicado. O episódio foi dos mais vistos em termos de “share” televisivo,
não só pela carga emocional que se apoderou de toda a equipa quando o gravaram,
como também por conter o mais inesquecível e memorável final de episódio de
todas as temporadas: é noite, o capitão Furillo, Ray Calletano, Howard Hunter,
Mick Belker, Henry Goldblume, Bobby Hill e Andy Renko, caminham por um beco nas
traseiras da esquadra. Na mãos do capitão vai um vaso contendo as cinzas do
Sargento. À vez, cada um deles, pega numa mão-cheia de cinzas e atiram-nas
contra o vento, dizendo algumas palavras de apreço pelo amigo, cumprindo assim
uma última vontade testamentária do falecido que queria que os seus restos mortais permanecessem em Hill Street. Perante um final destes, pouco
habitual nesta série, é impossível ficar-se indiferente. A partir deste
desaparecimento, a série, que quebrou as regras televisivas, não conseguiu
sobreviver ás suas próprias regras, ressentiu-se disso e nunca mais foi a
mesma. É como se aquela perda não tivesse solução.
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"Let's be careful out there", a inesquecível frase do Sargento Phil Esterhaus |
“Hill Street
Blues”, durante as suas sete temporadas, foi nomeada para 98 Emmy’s, venceu 52,
venceu também 3 Globos de Ouro e,
entre 1981 e 1984, foi 4 vezes consecutivas vencedora do prémio para Melhor
Série Dramática e partilha com “L.A.Law – As Teias da Lei” e “West Wing – Os
Homens do Presidente”, o recorde de maior número de elementos do elenco a ser
nomeado para Emmy numa única temporada: nada menos que nove!
Série
inesquecível, um marco em televisão, a sua influência foi decisiva em séries
posteriores como “ER - Serviço de Urgência” (1994-2009), criada por Michael
Crichton ou “NYPD Blues – A Balada de Nova York” (1993-2005) do mesmo Steven
Bochco e que pode ser considerada como a segunda parte do díptico do criador
sobre as forças da lei.
“24”, a Unidade de Contra-Terrorismo (CTU), e os dias difíceis e intermináveis de Jack Bauer ainda
estavam para nascer.
Nota: todas as imagens e vídeos que ilustram o texto foram retirados da Internet
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