Em 1974, a seguir á tournée de promoção do álbum
“Selling England by the Pound” (1973), os Genesis, grupo britânico de Rock
Progressivo, juntaram-se para escrever e desenvolver o seu álbum seguinte que
queriam que fosse um álbum conceptual, de acordo com a moda que se instalara na
música desde o início da década de 70. Assim, reuniram-se em “Headley Grange”,
uma quinta nos arredores de Londres e que, segundo outros grupos musicais que
já a haviam utilizado anteriormente, era um local acolhedor para quem queria
compor música e escrever letras. O que o grupo não sabia é que, apesar de
vários contratempos, o álbum que dali iria resultar seria uma obra
incontornável na história da música, uma obra de Rock Progressivo que o tempo
se encarregaria de transformar numa obra-prima.
Devido a problemas pessoais e também a estar envolvido
em outros projectos fora do grupo (incluindo um possível filme com o realizador
William Friedkin que nunca chegou a ver a luz do dia), Gabriel, que
inicialmente se isolou do resto do grupo para poder escrever livremente as
letras das canções, esteve ausente durante grande parte do processo de criação
e dos ensaios, mas mesmo assim e apesar de grande parte da música ter sido escrita
pelos restantes membros do grupo, ainda regressou a tempo de participar na gravação
do álbum.
O álbum abre com “The
Lamb Lies Down on Broadway”, tema-título, ao som de um piano introdutório,
com a voz de Peter Gabriel e o verso “And the Lamb Lies Down on Broadway”, a
dar o mote para logo de seguida o resto do grupo juntar-se em harmonia,
formando imagem sonora descritiva de Manhattan a despertar para um qualquer dia
normal de trabalho e nela surge Rael, o nosso herói, a sair numa estação de metro, deparar-se com aquela
estranha visão do cordeiro deitado no passeio da Broadway e ser apanhado por uma
estranha nuvem vinda do céu, que parece devorar tudo á sua volta e assume a
forma de um écran cinematográfico. “Fly
on a Windshield” usa sons etéreos e acústicos para dar a impressão do vento
a arrastar tudo aquilo que encontra no caminho, incluindo um Rael que se
apercebe que não consegue fugir daquele écran devorador que, no entanto, parece
ser ignorado pela multidão. “The
Broadway Melody of 1974” exibe- imagens do dia e também de algumas vedetas
de Hollywood assim como da Broadway de ontem, que desfilam numa espécie de
parada por um Rael inconsciente, mas que vai ouvindo no seu subconsciente ecos
de vozes sem distinguir quem são. Com “Cuckoo
Cocoon”, Rael acorda e interroga-se sobre o local onde se encontra (é isso
que o verso “I wonder where the hell I am”, nos diz) e esta interrogação é também transmitida ao
ouvinte que está tão (ou, se calhar, mais) intrigado como ele. Apercebe-se,
enquanto avança, que se encontra numa gruta que se vai modificando a cada sua
movimentação. O poderoso “riff” de baixo que introduz “In the Cage”, seguido de um subtil som de teclas e de um toque
suave de pratos na bateria acompanhados pela voz ansiosa de Gabriel, mostra-nos
um Rael, a descrever aquilo que o rodeia e que, de repente, se vê aprisionado
numa espécie de jaula formada por estalactites e estalagmites que se deslocam
na sua direcção. Enquanto tenta escapar, Rael vê o seu irmão, John, do lado de
fora, pede-lhe para o ajudar mas ele afasta-se e, ao mesmo tempo, a jaula
desaparece e Rael começa a cair numa série de voltas e voltas que parecem não
ter fim e, quando finalmente pára, encontra-se no chão duma fábrica.
Com “The Grand
Parade of Lifeless Packaging”, Rael é levado, por uma mulher, numa visita
ás instalações fabris e onde vê pessoas no chão numa longa linha de produção a
serem processadas e acondicionadas como se fossem embalagens e depois
devolvidas á vida. Pouco depois, no mesmo local, encontra novamente o seu irmão
John, imóvel e com um nº9 estampado na testa e, uma vez mais, não fala. Depara-se
igualmente com membros do seu antigo gang e, temendo, pela sua vida, foge da
fábrica.
Rael, depois de sair, vai deparar-se com a visão da
Nova York da sua juventude. “Back in
NYC” relembra a sua vida quando ainda era um jovem membro de um gang, o seu
regresso de um assalto aos 17 anos de idade e quando a cidade era apenas para
os mais fortes e aptos. É um longo “flashback” de memórias que ele vê desfilar
á sua frente: “Hairless Heart”, um
lindíssimo instrumental (das melhores peças que alguma vez o grupo compôs),
mostra o sonho em que Rael vê o seu coração peludo ser removido e escanhoado
com uma lâmina de barbear (esta minha interpretação pode ser entendida de
maneira diferente...); “Counting Out
Time” fala-nos da altura em que ele comprou e decorou um livro sobre
encontros sexuais (“And I have studied every line, every page in the book”), do
seu primeiro encontro com uma rapariga á qual tenta ministrar prazer mas falha
redondamente por ter tudo numericamente organizado (“Touch and go with 1-6”,
Bit of trouble in zone nº7”, “There’s heaven ahead in nº11!”).
“Lilywhite
Lilith”
apresenta-nos a mulher que ajuda Rael a sair pela porta certa para um outro
aposento subterrâneo e grande onde o deixa sozinho. Medo e pânico é o que se
pode deduzir do estranho e aterrorizante “The
Waiting Room”, um tema instrumental que nos revela o que Rael sentiu
naquele aposento onde foi deixado, no meio da escuridão e como única companhia
um zumbido crescente e dois globos dourados iluminados que flutuam no ar
encaminhando-se para ele. Rael destrói ambos os globos, mas provoca uma
derrocada de rochas que o deixa preso e tudo parece indicar que acabou por
selar o seu destino ao ver-se numa situação da qual não consegue sair.
Mas de súbito, o seu “flashback” é interrompido por um
grito que vem do fundo. Rael vê John dentro de água a tentar manter-se á
tona. Em “Riding the Scree”, Rael tem que fazer a escolha mais difícil da
sua vida: Passa pela janela que entretanto se começa a fechar regressando assim
á sua vida normal ou salva o seu irmão, apesar deste já o ter abandonado á sua
sorte por duas vezes? Rael escolhe
salvar John e, enchendo-se de coragem, salta sem rodeios para dentro de água.
Com “In the Rapids”, Rael esforça-se, numa luta titânica contra a força
da água, salvar o irmão e também a si próprio. Apelando para todas as sua
forças, elel consegue, no último momento,
tirar John da água e arrastá-lo para terra. Quando Rael olha para o seu
rosto para lhe captar sinais de vida, vê-se
a si próprio! (“Something’s changed, that’s not your face, it’s
mine!”). É com “It” que se explica aquilo que realmente aconteceu: a
sua consciência (espírito?) vagueia entre
os corpos e ele vê o cenário envolvente dissolver-se numa espécie de neblina
enquanto ambos os corpos se dissolvem assim como o espírito de Rael se torna
uno com aquilo que o rodeia. “It” providencia muitas respostas e abre inúmeras
possibilidades que vão sendo apresentadas ao longo de toda a narrativa, mas, no
fim, nenhuma é definitiva. Peter Gabriel
sumariza a história de um modo simplista: é com cada um de nós!.
Os Genesis no Palácio da Pena, em Sintra |
“The Lamb Lies
Down on Broadway” foi editado a 18 de novembro de 1974. A 20 do mesmo mês, os
“Genesis” davam início a uma tournée que os levaria á América do Norte e á
Europa (Portugal, incluído, onde deram dois concertos nos dias 6 e 7 de março
de 1975, no velhinho Dramático de Cascais), num total de 102 concertos onde
tocaram o álbum integralmente. A tournée terminou a 22 de maio de 1975. Em
agosto, Peter Gabriel, que já anunciara a sua vontade de sair, depois de
terminada a tournée, abandona o grupo.
Recebido inicialmente com um misto de perplexidade e
devoção, e até algum desinteresse por parte de alguma crítica que, depois de
“Selling England by the Pound”, esperava outro algum do género e não um
“Concept Album” que muitos consideraram incompreensível, “The Lamb Lies Down on
Broadway”, conseguiu dividir também os fans da banda, mas nunca perdeu a
importância que ganhou dentro da discografia do grupo nem o estatuto que ganhou
na música. Década após década o álbum continuou a manter-se entre os dez
melhores álbuns da história do rock e nos cinco primeiros lugares dos melhores
do Rock Progressivo.
Já neste século, em dezembro de 2001, foi considerado o quarto Melhor álbum da
história da música e em 2012, os leitores da “Rolling Stone”, consideraram-no o
quinto Melhor álbum de Rock Progressivo de todos os tempos.
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