Há algum tempo atrás, num artigo que
escrevi dedicado ao chamado Rock Progressivo, cujo boom aconteceu em meados da
década de 70 do século passado, mencionei o nome de Stomu Yamashta, músico e
compositor de origem japonesa que, em meados dessa década gloriosa em termos
musicais, veio gravar ao ocidente com músicos europeus uma série de álbuns, a
que chamou “projecto Go”, que ainda hoje são considerados como sendo dos
expoentes máximos do rock progressivo e a sua mistura com Jazz, Jazz-fusão e Funky.
Ao longo da década de 70, continuou a ser
muito solicitado, quer no seu país natal, quer fora dele. Trabalhou com Peter
Maxwell Davies, compositor e maestro britânico em algumas das sua bandas
sonoras para filmes e séries de televisão. Foi nomeado diretor musical da companhia de teatro Red Buddha e conseguiu trazê-la até á europa
para trabalhar em vários espectáculos de multimedia intitulados “The Man From
the East”, com música composta e interpretada por ele e ainda conseguiu
colaborar com Morris Pert, percussionista britânico no espectáculo “Come to the
Edge”. Compôs temas musicais para a Real Companhia de Ballet Britânica,
participou em diversas bandas sonoras de filmes como “The Man who Fell to Earth
– O Homem que veio do Espaço” (Nicholas Roeg, 1976) com David Bowie; ou “The
Devils” (Ken Russell, 1971) ou ainda “Images” (Robert Altman, 1972). A meio da
década, Yamashta começou a aspirar a vôos ainda mais altos. Desde novo que
tinha um gosto especial pelo jazz e foi precisamente nesse género que ele se
iria popularizar daí para a frente ao conseguir, na perfeição, fundi-lo
com “funky” e “rock sinfónico” criando um
estilo que dali para a frente seria conhecido como “funky-jazz” ou “jazz-fusão”.
Em 1976, Stomu Yamashta anunciou a sua
vontade de criar música a partir duma enorme variedade de influências, desde
música moderna (clássica, entenda-se) a rock, passando pelo jazz e até pela
música electrónica, para isso queria ter
consigo um supergrupo musical que lhe permitisse fazer uma espécie de “clássico
pop gigante”.
A ideia pegou e tomou forma, pois vieram
músicos de todo o mundo: japão, Alemanha, Inglaterra, américa. A Yamashta, juntaram-se, logo desde
o princípio, Steve Winwood (ex-Traffic, ex-Spencer Davis Group e ex-Blind Faith)
e Michael Shrieve (The Santana Band) e os três desenvolveram ideias que iriam
formar a base daquele projecto musical ainda sem nome mas que seria certamente
um álbum conceptual. Queriam fazer a diferença em relação a alguns nomes
musicais sonantes: Pink Floyd, Yes, Genesis, Tangerine Dream, Weather Report ou
Mike Oldfield, mas na certeza, porém, de que todos eles iriam influenciar de
alguma maneira o conteúdo musical do álbum.
![]() |
O jogo que inspirou Stomu Yamashta |
![]() |
Os "mentores" de "Go" |
Antes de começar a trabalhar no estúdio,
Stomu Yamashta organizou uma festa durante a qual projectou alguns filmes espaciais
da NASA e entre eles apresentou e discutiu as ideias que estavam em cima da
mesa, deixando espaço para outras variantes, tendo em conta a qualidade criativa
de cada membro envolvido. O entusiasmo foi unânime e a vontade de tocar e
gravar aquele material era mais que muita, por isso , sem grandes discussões, o
músico japonês e o seu supergrupo entrarem em estúdio em fevereiro de 1976.
![]() |
Klaus Schulze a ensaiar |
Apresentada e concretizada que estava a
ideia de Stomu Yamashta, o resultado fora muito além das expectativas de todos
aqueles que estavam envolvidos ou não no projecto, faltava agora mostrá-lo ao
público
A apresentação do álbum ao vivo tinha que
acontecer por vontade, não só dos músicos, como também do público, sedento de
ouvir e ver aquele colectivo de músicos de primeira água e a grande questão
era: como é que se comportariam todos juntos em palco?
Uma tournée estava fora de questão pois
todos eles tinham agendas preenchidas
com concertos e outras atividades, pelo que quando dois ou três estavam
disponíveis, os outros quatro ou cinco não podiam e vice-versa o que tornava
toda a logística difícil de coordenar. Finalmente lá se conseguiu reunir, mas
apenas para um concerto, a maior parte dos que participaram no álbum,
substituindo os que não puderam ou não quiseram, por outros músicos
recomendados aos mentores do projecto. Faltava saber onde iria ser feito o
concerto. Depois de muitas hipóteses levantadas, a escolha recaiu sobre Paris,
em frança, por ser uma cidade culturalmente abrangente.
Rezam as crónicas da altura que Yamashta
usou lasers e imagens projectadas enquanto o grupo em palco
(oito músicos e uma vocalista) se permitia a grandes explorações dos
temas e uma maior interactividade entre
Stomu Yamashta, Steve Winwood, Michael Shrieve, Klaus Schulze, Al Di Meola e Pat Thrall, apoiados pelo baixo
de Jerome Rimson, a percussão de Brother James e a voz intensa e profunda de
Karen Friedman. Além de que os temas foram, ao contrário do álbum de estúdio,
apresentados por ordem por forma a apresentar o tema como uma suíte em dois
movimentos. “Windspin” é o primeiro grande momento do concerto. Com cerca de
nove minutos e meio de duração, o tema, tocado ao estilo de “Weather Report”,
uma odisseia instrumental de jazz-fusão pontuado por surpreendentes riffs de
guitarra que davam uma sensação de dramatismo mostrou quão empenhados estavam
os músicos no seu trabalho.
Em termos de intensidade musical, é muito
difícil bater os solos de guitarra de Al Di Meola, que acompanham a voz, quase
soul, de Steve Winwood em “Ghost Machine”;
“SurfSpin” introduz através de uma batida funky o tema
“Time is Here” em que Winwood é acompanhado pela voz expressiva de Karen
Friedman e pelo baixo intenso de Jerome Rimson. A espontaneidade do concerto
fica provada em “Winner/Looser” com todos os músicos a contribuírem
definitivamente num tema que contrasta largamente com aqueles que o precederam.
O segundo movimento começa com a rendição
de “Air Over”, integrando os temas “Air Voice”, “Nature” e “Solitude” (no álbum
“Go”); prosseguindo com “Crossing the Line”, com nove minutos onde a voz
emotiva de Winwood serve de mote para um fabuloso e intenso solo de guitarra
partilhado entre Al DiMeola e Pat Thrall naquele que terá sido um dos grandes
momentos do concerto. Mas ainda haveria mais e logo a seguir com “Man of Leo”,
com quinze minutos de duração permitiu aos músicos descontrair tendo como fundo
o virtuoso solo de guitarra de DiMeola e improvisações seminais de Michael
Shrieve e Jerome Rimson acompanhados pela voz
assombrosa e cristalina de Karen Friedman. O concerto terminaria com uma
combinação orquestrada de sintetizadores entre Stomu Yamashta e Klaus Schulze
nos temas “Stellar” e “Space Requiem”.
As críticas ao concerto foram
diversificadas na forma e conteúdo, mas unânimes num ponto: apesar de ser um
espectáculo da visão musical de Stomu Yamashta, a estrela da noite foi, sem
dúvida nenhuma, Steve Winwood com as suas contribuições instrumentais e vocais fizeram
do seu regresso aos palcos um verdadeiro triunfo.
“Go Too”, assim se chamou o álbum, apareceu
em 1977 e foi uma mudança radical no estilo e forma do projecto. É o grande
final de magníficas proporções. Um set maravilhoso onde paisagens sonoras, que
vão desde o soul ao funky de fusão, constituem um enorme painel cinematográfico
sonoro.

Com o seu projecto “Go” terminado depois de
encontrar a sua conclusão lógica neste “Go Too”, Stomu Yamashta regressou ao
japão onde continuou a combinar as suas predilecções electrónicas “avant-garde”
com o seu estilo “New Age” melódico (há quem o considere um dos percursores
deste estilo de música meditativo e relaxante) e esporadicamente grava álbuns.
Nota: as imagens e vídeo que ilustram o texto foram retirados da Internet.