III
- O Novo Cinema Português
Em 1969, com o
apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, foi criado o Centro Português de Cinema
que produzirá, em espírito corporativo, uma parte significativa dos filmes da
nova geração que nascera na década de 60.
No início da
década de 70, o chamado “Novo Cinema”, movimento liderado por uma
geração de cineastas
que já vinha da década anterior, começou a
ser aplicado; tratava-se de obras produzidas com fundos pessoais, material
emprestado e ajuda de amigos: foi assim com “Nojo aos Cães” de António de
Macedo, realizado em 1969, mas estreado em 1970; “Uma Abelha na Chuva” de
Fernando
Lopes, 1971 e “O Cerco” de
António da Cunha Telles (1969), os chamados “ três filmes do desespero”,
seriam, no entanto, apesar de alguns sinais de
fragilidade e rebeldia, censurados pelo regime político
vigente em Portugal.
Com meios
substancialmente melhores, o “Cinema Novo” ganha novos adeptos, entre eles
estão José Fonseca e Costa com “O Recado” (1971); António-Pedro Vasconcelos com
“Perdido por Cem” (1972); “Pedro Só” de Alfredo Tropa (1972); “Fragmentos de um
Filme Esmola”(1973) de João César Monteiro; “O Mal-Amado” de Fernando Matos
Silva (1973); “Sofia e a Educação Sexual” de Eduardo Geada (1973), entre
outros. António de Macedo, um dos nomes sonantes deste novo movimento, dá-lhe
visibilidade internacional quando o seu filme “ A Promessa”, de 1972, é
seleccionado para ir ao Festival de Cannes de 1973, é apenas o terceiro filme
português (depois de “Dom Roberto” (José Ernesto de Sousa, 1962) e “O Cerco”
(António da Cunha Telles, 1969) ) a ser exibido naquele certame e, tal como os
seus predecessores, obtém sucesso.
Manoel de
Oliveira retoma, em 1971, a sua longa
carreira, com “O Passado e o Presente”, que será o primeiro filme a ser
subsidiado pelo Centro Português de Cinema, abrindo assim caminho para obras de
novos realizadores e também nesse é promulgada a lei que originará o Instituto Português de
Cinema em 1973, que se destinará a gerir financiamentos públicos para produção
de filmes nacionais, como ainda hoje acontece.
A partir de 1974
e como consequência directa da Revolução de abril, são criadas no Instituto
Português de Cinema (IPC), as chamadas “Unidades de Produção”, cuja missão,
usando os meios técnicos de produção disponibilizados pelo IPC e funcionando
com um espírito colectivista, é garantir a actividade dos profissionais do
cinema, ilustrar as transformações radicais com que o país se confronta e
fazê-las chegar a locais onde nunca chegaram, educar e agitar politicamente as
consciências. O melhor exemplo desse movimento é o filme colectivo “As Armas e
o Povo”(1975). O filme documentário, com produção do “Colectivo de
Trabalhadores da Actividade Cinematográfica e realizado por vários
realizadores, retrata os primeiros dias da revolução e traça história dos movimentos que, desde 28 de maio
de 1926, tornaram possível a revolução de abril. Posteriormente e até ao início
da década seguinte, o filme documentário e algumas ficções, inspiradas por esta
produção de Henrique Espírito Santo, ou pelo simples desejo de renovação,
marcam o início de uma época que aposta num cinema militante.

A década de 80
será, na história do cinema português, uma década reveladora de novos talentos,
um volume diferente de produções, quer na forma, quer nos conteúdos. Para o
início da década, o cinema procura intervir, ser social sem deixar de ser “de
autor”, realizadores que se identificam com a intenção de invocar as realidades
do passado e do presente, num país em mudança:
logo em 1980,
Jorge Silva Melo, vindo do teatro, estreia-se com “A Passagem ou A Meio
Caminho”, inspirado na vida e obra do dramaturgo alemão Georg Büchner, na sua
acção política. No seu filme, Silva Melo, compara as acções do dramaturgo aos
acontecimentos em frança em maio de 1968, que, por sua vez, são a base que
sustenta a obra no apelo á revolta dos
camponeses, a indiferença destes e a repressão que sobre eles se abateu. Também
“Cerromaior” (1980) de Luis Filipe Rocha, adaptado do romance de Manuel da
Fonseca do mesmo nome, mostra a mesma repressão no seio de uma vila alentejana
e é dos primeiros filmes portugueses a explorar um tema social com inteira
liberdade de expressão; “A Culpa” (1980) de António Vitorino de Almeida, mostra
o regresso de alguém (neste caso um soldado da guerra colonial), atormentado
por algo que fez e que não consegue ultrapassar esse sentimento num mundo em
mudança; ainda “Manhã Submersa” (1980) de Lauro António, baseado no romance de
Virgílio Ferreira, retrata o desencantamento de um jovem seminarista, de
origens humildes, sob a protecção de uma senhora austera que se propõe ajudá-lo
a sair da miséria e ignorância. Já em 1981, “Oxalá” de António-Pedro
Vasconcelos, explora também o retrato social, questionando-a pelo lado da
minoria: a de um jovem intelectual de esquerda, refugiado em frança para fugir
á guerra colonial.
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O Produtor Paulo Branco |
Os anos seguintes
da década, caracterizam-se por tendências como estas, pela intervenção feita
por cineastas mais jovens e marcam também a ascensão de Paulo Branco (cujo
primeiro filme que produziu foi “Oxalá”) que se torna no mais importante
produtor português, apostando forte na produção nacional e, mais tarde,
internacional. Todo um conjunto de autores de várias tendências, tanto na
ficção, como no documentário, terão presença relevante durante a década:
António Reis, Paulo Rocha, António de Macedo, Fernando Lopes, José Fonseca e Costa,
entre outros. Na ficção sobressai algo que foi pouco falado na altura, mas
seria analisado anos mais tarde: Manoel de Oliveira, oriundo dos tempos do
“velho cinema”, sempre ousado na inovação, instala-se na vanguarda do cinema,
juntando a toda “mise-en-scène”
cinematográfica a arte do teatro e o primeiro exemplo dessa sua nova tendência
é “Francisca” de 1981, adaptado da obra de Agustina Bessa-Luis, cria modelos de
representação e adaptação de autores nacionais. Outro nome do “velho cinema”,
António de Macedo, reaparece na ficção, explorando labirintos e mistérios por
explicar com “Os Abismos da Meia-Noite”(1983) e figuras esotéricas e
enigmáticas em “Os Emissários do Khalom” (1988).

A década assiste
a grandes sucessos de bilheteira vindos do cinema nacional: o maior de todos
será, sem dúvida, “O Lugar do Morto”, o labiríntico filme policial de 1984,
realizado por António Pedro Vasconcelos, consegue um número recorde de
espectadores, mas antes, José Fonseca e Costa será responsável por outros dois
sucessos de bilheteira, logo no início: “Kilas – O Mau da Fita” em 1980, a
divertida história dos amores e desamores de Kilas (o inesquecível Mário Viegas) e de Pepsi-Rita (a sensual Lia Gama) e “Sem
Sombra de Pecado” (1983) do mesmo José Fonseca e Costa onde a história de
Henrique, um militar a prestar serviço num quartel e os seus misteriosos
encontros com uma não menos misteriosa mulher de nome Maria da Luz servem de
pano de fundo a estratégias, tácticas, saber quem é inimigo, quem é aliado, tudo
em nome do amor. Ainda antes da obra-prima de António-Pedro Vasconcelos, surge
“A Crónica dos Bons Malandros” (1984), realizado por Fernando Lopes, cujo
sucesso se centra, não tanto na adaptação, mas sim no romance de estreia de
Mário Zambujal, cuja história de pequenos marginais que preparam um assalto
para roubar obras de arte no museu Gulbenkian, bem ao gosto português, encantou
meio Portugal.

O modo de fazer
cinema ao longo desta década, mudou radicalmente e será objecto de grande
polémica: as corporativas e produtores independentes desaparecem de cena, o que
vai trazer consequências a nível de apoios financeiros na produção nacional,
que serão, a partir desta altura, dependentes dos
apoios do Estado. Neste aspecto, a produção
de cinematográfica de Manoel de Oliveira a manter-se constante (ao ritmo de 1
filme por ano, a partir de 1986) e fá-lo cineasta oficial de Portugal em
festivais internacionais; assim como a obra de José Fonseca e Costa que, com a
sua regularidade (que se manteria até 1989), vai ao encontro da opinião de alguns
cineastas que defendem (ele, inclusive) a necessidade de Portugal ter um cinema
de grande público para uma a sobrevivência da indústria nacional de cinema.
Mas, em termos de
reconhecimento internacional, nem tudo será mau: Manoel de Oliveira, em 1985,
verá o seu longíssimo “Sapato de Cetim” (cerca de 7 horas e meia de duração!),
receber o Leão de Ouro, o mais alto galardão do Festival de Cinema de Veneza, o
mesmo aconteceria em 1989 a João César Monteiro ao ver premiado “Recordações da
Casa Amarela” com o Leão de Prata; João Botelho com “Conversa Acabada” (1981)
obtém alguns prémios nacionais e internacionais; “A Estrangeira” (1982), de João Mário Grilo,
recebe o prémio “George Sadoul” no Festival de Veneza; em 1987, José Álvaro
Morais recebe o “Leopardo de Ouro” com
“O Bobo” no Festival de Locarno.
Com tanto
reconhecimento internacional, o novo cinema português parecia bem encaminhado
para enfrentar, na década seguinte, todo
e qualquer desafio que se propusesse.
A partir da
década de noventa, com o aparecimento duma nova geração de cineastas, a
indústria cinematográfica nacional renova-se e sofre uma nova evolução: Pedro
Costa, Teresa Villaverde, João Canijo,
Joaquim Sapinho, Margarida Cardoso, Cláudia Tomaz, Fernando Vendrell, entre
outros nomes, são os novos cineastas que surgem e beneficiam dos apoios
oficiais a primeiras obras.
Desde o início da
década que Manoel de Oliveira, depois do reconhecimento em Cannes em 1990, com
“Non, ou a Vâ Glória de Mandar”, onde recebeu dois prémios, mantém uma
actividade regular no seu estilo muito próprio: faz teatro filmado com
monólogos ou diálogos declamados em filmes longos, sempre com um cuidadoso
trabalho de direcção artística, presente na monumentalidade dos cenários com
que trabalha. Tal como Oliveira, João César Monteiro também filma com
regularidade. Em 1993, no festival de Cannes, Bruno de Almeida, cineasta
português a viver em Nova York, estreia-se com “A Dívida” e ganha o prémio de
Melhor Curta-Metragem na Semana da Crítica do Festival de Cannes.

A partir do meio
da década, assiste-se a uma alternância entre realizadores mais velhos e mais
novos, uns com maior visibilidade, outros com menor: em 1995, “Adão e Eva” de
Joaquim Leitão será o maior sucesso da década, as aventuras amorosas de
Catarina Menezes (Maria de Medeiros) fizeram as delícias do público português e
espanhol; Luis Filipe Rocha com “Sinais de Fogo” (1995), adaptação do romance
de Manuel da Fonseca, tenta, em vão, aproximar o romance clássico do público,
já com “Adeus Pai” (1996) a tocante história de um filho e do seu pai, o
realizador consegue, embora por breves momentos, fazer o público regressar ás
salas de cinema; “Cinco Dias, Cinco Noites”, (1996), adaptado do romance
homónimo de Álvaro Cunhal (escrito sob o pseudónimo de Manuel Tiago). A
história de André, evadido da prisão que quer fugir de Portugal e de Lambaça, o
contrabandista passador no Portugal dos anos 40 vai reconciliar o público com
os seus cineastas. O filme é um sucesso e ganha alguns prémios e falha por
pouco a candidatura á nomeação para Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Apesar
de manter o seu público e também o seu mérito, o cinema nacional dificilmente
alcança público no mercado internacional. No entanto, em 1999, “Glória” de
Manuela Viegas, será o primeiro filme português de sempre a fazer parte da
competição oficial do Festival de Cinema de Berlim.
Uma história, como tantas outras, de abandono
e incapacidade de fazer frente á modernidade, passada no ambiente rural
português, onde a maioria dos jovens já partiu em busca de novas e melhores
condições de vida, deixando para trás as crianças entregues aos avós.
Dos novos
realizadores, destaca-se Joaquim Sapinho com “Corte de Cabelo” (1995), a sua
estreia como realizador, é considerado pela crítica como sendo um filme
inovador. A história do dia mais importante na vida
do casal Rita e Paulo obtém
sucesso dentro e fora de portas onde foi
estreado no Festival de Locarno e ganhou diversos prémios em outros tantos
festivais europeus; Fernando Vendrell com “Fintar o Destino” (1997) tenta
explorar outras paragens fora do território nacional, neste caso Cabo Verde,
com a ajuda do futebol como embaixador, mas, apesar da intenção ser boa, o
público não correspondeu.
Sem medo do
desconhecido, o cinema português envereda, a partir da segunda metade da
década, por algum território hostil em produções nacionais, assim em 1997,
Joaquim Leitão em “Tentação” aborda o dilema que António (Joaquim de Almeida),
padre empenhado e generoso enfrenta quando, em Vila Daires, a pacata aldeia
onde exerce o seu sacerdócio, se cruza com Lena (Cristina Câmara), a ovelha
negra de vila e se vê obrigado a debater-se com os seus próprios demónios.
Apesar do esforço e da música dos Xutos e Pontapés, o filme convenceu pouca
gente; o mesmo aconteceu a Leonel Vieira e o seu filme “A Sombra dos Abutres”
(1998). Em 1962 no norte do país uma greve de mineiros é reprimida pela GNR.
Mais tarde a PIDE, policia do estado começa a investigar o sucedido e procura
deter o mentor da acção grevista. O
realizador, na sua estreia, aventura-se em locais sombrios e tenta impressionar
com as lembranças de um passado que muitos tentam esquecer.

1998 será um ano
prolífero em filmes e que abordarão as mais diversas temáticas, com particular
relevo para histórias reais e do dia-a-dia como é o caso de Teresa Vilaverde
com “Mutantes” que mergulha no ambiente marginal da cidade de Lisboa através de
três jovens que vivem nas ruas por escolha própria. Premiado em diversos
festivais internacionais, “Os Mutantes” tornou-se numa referência na
cinematografia nacional; a mesma abordagem temática fará Leonel Vieira em “Zona
J”, ao abordar um bairro específico e referenciado como problemático na zona de
Lisboa, através da história de Tó,
negro
e morador na zona J, que se apaixona por Carla, uma rapariga branca. Devido á
realidade onde ambos se encontram inseridos, terão de enfrentar todas as
adversidades que se lhes vão apresentar. O filme, ao obter o enorme sucesso de
bilheteira que teve e ao chamar a atenção para aquela realidade local,
chamou igualmente a atenção para os diversos
bairros marginais que existem na cidade de Lisboa.
Sempre activo na década, Joaquim Leitão traça
o itinerário a um lugar inquietante chamado “Inferno” (1999) através das
reuniões anuais de um grupo de ex-combatentes da Guerra Colonial que, perante
qualquer perigo, não hesitam em chamar a sua própria experiência e abrir fogo
contra o inimigo. O sucesso foi relativo para este inicio de trilogia sobre a
Guerra Colonial, da qual já conhecemos a segunda parte intitulada “20,13 –
Purgatório” (Joaquim Leitão, 2006); ainda em 1998, João Canijo, depois do
sucesso obtido com “Filha da Mãe” em 1989 e da mini-série em forma de western
alentejano “Alentejo sem Lei” (1990), revigorado por estes sucessos, enveredou
pelos caminhos obscuros das realidades da vida com “Sapatos Pretos” e realiza
um filme duro e agressivo onde conta a história de Dalila (Ana Bustorff),
mulher sofrida que recusa envelhecer e que, forçada por Marcolino (Vitor Norte),
o seu marido, homem violento e obscuro que vive para a ostentação sem olhar a
meios, planeia o crime perfeito para se ver livre dele. Usando propositadamente
uma técnica quase o roçar o amador, que chega a ser incomodativa para o
espectador.
Canijo ganha a aposta e
posiciona o filme entre os dez mais vistos da década,
foi o último grande sucesso de bilheteira da
década.
Finalmente entre
os chamados “realizadores clássicos” ainda no activo, Manoel de Oliveira
continuou a ser presença regular ao longo da década, assim como João César
Monteiro.
Com frequentes
toques melodramáticos como nos velhos tempos, a década foi dominada por uma
tendência realista, com frequentes influencias da “Nouvelle Vague” francesa,
além de algumas incursões em meios rurais e retratos, mais ou menos, marginais duma
certa sociedade, a indústria cinematográfica portuguesa estava preparada para
entrar no século XXI.
Nota: as imagens que ilustram o texto foram retiradas da Internet