O Tempo passa sem parar, como um rio que corre em direcção ao mar, dissipa-se nas brumas da Memória colectiva... É o Tempo que serve a memória ou é a memória que serve o Tempo?
“Primeiro estranha-se, depois entranha-se”
, terá sido com estas palavras de Fernando Pessoa que osexecutivos da Virgin Records reagiram aos
primeiros acordes do tema “Tubular Bells – Part I”, do álbum com o mesmo nome
do músico Mike Oldfield, com que foi inaugurado o catálogo daquela editora no ano de 1973.
Michael Gordon Oldfieldnasceu a 15 de maio de 1953 e desde cedo mostrou
grande apetência para a música. Aos 14 anos tocava guitarra acústica em pubs e
clubes locais em Reading, no Essex, ganhando algumas libras e experiência
musical. Por esta altura, Mike Oldfield
já tinha composto 2 temas instrumentais de 15 minutos cada que, segundo ele,
lhe serviam “para passar por todos os estados de alma” e que seriam a base para
a maior parte dos seus temas-marca durante a década de 70.
Pouco tempo depois, Oldfield começou a
tocar num grupo que imitava os Shadows de Cliff Richard e Hank Marvin, este
último influenciou muito o jovem Mike que, anos mais tarde,faria uma “cover” do tema “Wonderful Land” do
grupo.
Em 1967, Oldfield e a sua irmã, Sally, formaram o duo “Sallyangie”.Apresentando-se ao vivo num festival folk
local, ganharam alguma projecção e, em 1968, gravam um álbum “Children of the
Sun” para a editora Transatlantic Records. Mas o duo foi sol de pouca dura e
quando acabou, Mike Oldfield formou outro duo, desta vez com o seu irmão,
Terry, chamado “Barefoot” e regressou á música rock. Mas também esta
experiência não iria durar muito tempo. Os dois irmãos de Mike, viriam a
participar em muitos dos seus álbuns.
Em 1970,Mike juntou-se ao grupo “The Whole World”, um grupo que acompanhava
Kevin Ayers, vocalista e antigo membro do grupo “Soft Machine”,a tocar guitarra baixo e ocasionalmente
guitarra elétrica.O jovem participa em
dois álbuns de Ayers, “Whatevershebringswesing” e “Shootingat the Moon”. O
grupo incluía também o compositor e teclista David Bedford, a quem ele mostrou
as suas primeiras experiências musicais, que viu no jovem Mike um músico
promissor. Rapidamente, Bedford, encorajou o jovem musico a
compôr uma primeira versão de “Tubular Bells”.
Depois de ter
gravado uma série de demos que iriam resultar em “Tubular Bells”, Oldfield
tentou, sem sucesso, convencer inúmeras editoras a apostar naquele projecto. Em
Setembro de 1971, quase a desistir, levou a demo até ao Manor Studio, onde iria
participar como baixista convidado no álbum de Arthur Louis. No intervalo,
entre sessões, pôs a demo a tocar e ela foi ouvida por Tom Newman e Simon Hey
worth, engenheiros de som, que ficaram encantados com aquela sonoridade.
Apresentaram-na
ao jovem milionário, Richard Branson, dono da Manor Studio e que naquela altura
se estava a preparar para lançar asua
própria editora, a Virgin Records. Encantados com a sonoridadedaquele tema, Branson e o seu braço-direito,
Simon Draper,deram ao jovem Mike uma
semana para gravar na Manor, durante a qual ele completou a parte 1 de “Tubular
Bells”. A parte 2 foi completada e gravada nos meses seguintes.
“Tubular Bells”
tornou-se o trabalho mais famoso de Mike Oldfield e uma peça musical
incontornável de Rock Sinfónico na sua vertente “New Age”( movimento, nascido
no final do século XX, cuja principal característica é a de criar um espaço
ambiental de inspiração artística, relaxamento, estudo e leitura através da
música). O álbum instrumental foi gravado durante o anode 1972e editado a 25 de maio de 1973 inaugurando o catálogo da Virgin Records
de Richard Branson. A recepção ao álbum
foi estrondosa, já que,passando por
vários estilos musicais, nas duas faixas que o compõem,Mike Oldfield toca mais de vinte instrumentos
diferentes e só na Grâ-Bretanha vendeu mais de 2.630.000 cópias, situando-se,
ainda hoje, na posição 34 dos álbuns
mais vendidos no país. Nos Estados
Unidos, o álbum ganhou alguma projecção quando um excerto da parte 1 foi
incluído na banda sonora do filme “The Exorcist – O Exorcista” (William
Friedkin, 1973) por escolha directa do realizador. Essa inclusão do excerto na banda sonora do filme acabou por
ser decisiva e o tema foi número 10 no
top de vendas americano.
Em 1974, Mike
Oldfield participou como guitarristano
álbum “Rock Bottom” de Robert Wyatt e no Outono desse ano editou “Hergest
Ridge”, uma espécie de continuação de “Tubular Bells”. Tal como o seu
antecessor, este também era uma peça musical dividida em duas partes, desta vez
a música evoca cenas do retiro de campo da família Oldfield situado no condado
de Herefordshire. Apesar de editado pouco mais de um ano depois de “Tubular
Bells”, “Hergest Ridge” chegou primeiro a número 1 do que o anterior, apesar
daquele ter sido número 2 dez semanas consecutivas, antes de chegar a número 1
na semana em que estreou o filme do qual fez parte da banda sonora.
Ainda em 1974,
Mike Oldfield participa como guitarrista convidado em “The Orchestral Tubular
Bells”, um arranjo que o amigo David Bedford fez para a Royal Philharmonic
Orchestra. A grande diferença para o álbum original é que Mike Oldfield não
toca a maioria dos instrumentos, a melodia e a sonoridade são as mesmas só que
transferidas para outros instrumentos,os coros não existem, assim como “O Mestre de Cerimónia” a dizer o nome
dos instrumentos, no final da parte 1, também não existiu. Apesar de ter sido
uma experiência interessante,não trouxe
nada de novo para a obra do multi-instrumentista britânico.
1975 viu nascer um
álbum importante na carreira do músico. “Ommadawn” é um álbum pioneiro na
música mundial. Mantém-se a tendência de uma peça dividida em duas partes, mas
aintrodução de novos instrumentos, como a gaita
de foles ( a maior parte dos instrumentos são tocados por Oldfield) e dum coro liderado
pelo Coro do Colégio da Rainhae das
vozes de Sally Oldfield, Maddy Prior, remete-nos para um quase principio do
mundo, influenciado pelas raízes celtas na música inglesa. Também em 1975, Mike
Oldfield recebe um “Grammy” (Oscar da música) para Melhor Composição
Instrumental com “Tubular Bells”.
Em 1976, a virgin records, com autorização do músico, lança "Boxed", uma caixa com quatro discos que continha os álbuns "Tubular Bells", "Hergest Ridge" e "Ommadawn", remisturados com som quadrifónico, onde, nas palavras de Oldfield, era possivel descobrir pequenas texturas musicais não identificadas nas versões normais dos álbuns e um quarto disco intitulado "Collaborations", constituído por temas diversos, tocados com os músicos que colaboraram nos seus outros projectos.
A tendência para explorar novas sonoridades
seria continuada no álbum seguinte, editado em 1978. O duplo álbum
“Incantations”, apesar de ser o mais longo trabalho de Oldfield, é o mais
perfeito e mais completo da primeira fase da sua carreira. Desta vez a longa
peça é dividida em quatro partes e enriquecida novamente pelo coro, mais
diversificado ao longo de toda a peça. O álbum, como um todo,utiliza composiçõesminimalistas e linhas melódicas onde se ouvem
apenas alguns instrumentos. O sucesso, apesar de relativo em relação aos álbuns
anteriores, permitiu-lhe começar a pensar em fazer uma tounée extensiva de
apresentação.
Entre março e
abril de 1979 Mike Oldfield percorreu a europa, com cerca de 50 músicos e
vocalistas, no que ele chamou “Tour da
Europa” dando concertos na Alemanha, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Espanha,
Portugal e terminando em Inglaterra. Inicialmente os concertos eram gravados
sem o conhecimento dos músicos para que lhes fosse pago menos dinheiro apenas
pela actuação e não pela gravação. Os músicos acabaram por saber o que lhes
estava a acontecer, mas não impediram as gravações e eventualmente um álbum
acabou por ser gravado. Suportado pela apresentação ao vivo dos álbuns “Tubular
Bells” e “Incantations”, “Exposed”, um duplo álbum, foi o resultado desta
dispendiosa tournée que nunca se chegou a pagar inteiramente, apesar das
magnificas actuações e de casas sempre cheias.
Mike Oldfield
iria fechar a década de 70 com um álbum, o primeiro da sua carreira, a conter
canções e versões (as chamadas “cover” versions).“Platinum”, assim se chamou o álbum que contém
o tema-título com a duração de cerca de 20 minutos e divido em 4 partes, sendo
as duas primeiras peças de rock progressivo no seu melhor; a seguinte,
intitulado “Charleston”é tocada em
ritmo swing e contém uma secção de metais que lhe dá um toque humorístico; a
última parte é quase um regresso ao toque progressivo das duas primeiras e
contém um arranjo dum excerto musical da peça “North Star” do compositor
minimalista Philip Glass. Apesar do toque “disco” queé mantido ao longo desta parte do tema, são o
baixo e a guitarra- funky que se ouvem ao longo de toda a secção e depois do
coro, é a guitarra-solo que passa a marcar a textura do tema, enquanto se ouve até final, que faz toda a diferença.Os outros temas são canções diversas onde se
incluem temas como “Punkadidle”, onde Oldfield brinca com o movimento Punk que
marcava a Inglaterra do final dos anos 70 e “I Got Rhytm”, um tema clássico
composto por Ira e George Gershwin, re-imaginado por Mike que o transforma numa
balada ao estilo de Broadway com a voz harmoniosa de Wendy Roberts e uma
orquestração maioritariamente executada por teclados.
Considerado pelos
críticos como uma das obras-primas do músico, “Platinum”, não conseguiu atingir
os lugares cimeiros das tabelas mundiais, apesar das seis semanas que
permaneceu no top britânico. Mas as vendas que fez, permitiram a Mike Oldfield,
prosseguir a sua via experimental e, principalmente, entrar na nova década mais
confiante que nunca.
(continua)
Nota: As Imagens e vídeo que ilustram o texto, foram retiradas da Internet
Quantas vezes é que já nos interrogámos
sobre o facto de termos ou não, algures, uma alma gémea, alguém que partilha os
nossos gostos, a nossa maneira de ser, de pensar, de estar? Provavelmente fazemo-lo
vezes sem conta, sem sequer nos apercebermos disso.E se um dia, por acaso,encontrássemos essa alma gémea? Como é que
iriamos reagir?, o que é que faríamos? Qual seria a sua (dela, alma gémea)
reacção?Foi o que, em 1974,Claude Lelouch, realizador francês de renome
tentou responder com o seu filme “Toute une Vie – Toda uma Vida”.
Em “Toda uma Vida”, assistimos àhistóriade várias gerações de duas familias, cujos descendentes estão destinados
a encontrar-se, nunca o fazem, apesar de se cruzarem algumas vezes em diversas
ocasiões, mas só o farão no final.
Claude Lelouch é um observador do
mundo,gosta de contar a história desse
mundo através de melodramas. O realizador costuma dizer “que só existem duas ou
três histórias que vale a pena contar”, e resumem-se todas a uma ideia só:
Homem encontra Mulher, as variações que esta ideia permite é que são quase
infinitas.. O melhor exemplo desta ideia é contado no filme “Une Homme et Une
Femme – Um Homem e Uma Mulher”, de 1966, o mais famoso e mais premiado filme do
realizador. Nele, um homem e uma mulher encontram-se, apaixonam-se e acabam por
se separar. Com esta pequena e simples ideia, o realizador contou uma dasmais belas histórias de amor de que há
memoria na história do cinema. Ganhoudiversos prémios incluindo a Palma de Ouro no festival de Cannes e dois
Óscares da Academia e foi um sucesso enorme nas bilheteiras de todo o mundo.
Tudo o que Lelouch filmou depois deste
filme, mais não foram do que as tais variações sobre a mesma ideia, das quais
saliento “Une Homme et Une Feme: Vingt ans Dejá – Um Homem e Uma Mulher: 20
anos depois” (1986), uma espécie de continuação de “Um Homem e Uma Mulher”,
ondeAnne e Jean-Louis (as personagens
desse filme), se reencontram passados vinte anos; o fabuloso“Les Uns et Les
Autres – Uns e…Os Outros” (1981) onde Lelouch conta a história de quatro
familias de franceses, alemães, russos e Americanos, seus amores e frustações
através da música, uma paixão comum que os une; neste “Toute Une Vie – Toda uma
Vida”, o realizador vai ao extremo de contar a história de um encontro que
demora um século para acontecer! A ideia, desenvolvida pelo realizador e pelo
argumentista Pierre Uytterhoeven, é simples e absolutamente genial pelo facto
de a vermos desenrolar-se num contexto
que envolve o século XX praticamente todo.
Os primeiros 20 minutos de filme são a
preto-e-branco, mudos, acompanhados por uma partitura musical tocada em piano e
com os diálogos reproduzidos em cartões entre as cenas (homenagem aos irmãos
Lumière e aos primordios do cinema) e perante os olhos do espectador surge a
história dos avóse dos pais de Sarah e
Simon, as duas personagens cujas vidas serãomoldadas e vividas ao sabor dos grandes acontecimentos do século XX: Da
Primeira Grande Guerraá
Segunda Guerra Mundial, do Holocausto ao nascimento do Estado de Israel, da
Crise dos Mísseis de Cuba á geração Beat dos anos 60.
O passado, como
cedo se percebe, afecta o presente. Por conseguinte, a visita inicial ás
gerações passadas, acrescentaalguma
substância ás suas personalidades: Sarah, afilha de sobreviventes dum campo de concentração, é tão perturbada
quanto o seu sofrido e amoroso pai, que nunca consegue ultrapassar totalmente a
perda da mulher, apesar de ser um homem de negócios bem sucedido. Quando, em
adolescente, ela se apaixona pelo cantor pop Gilbert Bécaud (o próprio a
interpretar-se a si mesmo), o seu oposto, Simon, é preso por roubar alguns
discos de Bécaud; mas talvez o melhor resumo destas vidas paralelas seja a cena
em que Simon foge da prisão, rouba um automóvel, tem um acidente e é
transportado para o hospital, no qual está também Sarah internada depois duma
tentativa de suícidio porque Gilbert Bécaud jánão quer saber dela
Da mesma maneira, as suas carreiras vão
surgindo enquanto fazem a caminhada para a maturidade: ela evolui de menina
mimada e aborrecida que experimenta de tudo até se tornar numa meticulosa
consciência social; ele, por seu lado, vai de condenado a fotógrafo de
comerciais e realizador de filmes porno a realizador respeitado (aqui,
excluindo a parte dos filme porno, a história adquire algum carácter
autobiográfico já que Lelouch começou a filmar publicidade antes de fazer
longas-metragens), que procura a sua alma gémea, seguindo as indicações de um
antigo companheiro de prisão que, a dado momento, lhe diz que se ele encontrar
outra pessoa que, como ele, goste de três cubos de açúcar no café, terá
encontrado uma alma gémea.
“Toda uma Vida”
está constantemente em transição entre o sonho e a realidade. As histórias que
vemos, não se limitam a interligar-se, elas transformam-se umas nas outras, tal
como acontece muitas vezes nos sonhos. Começamos com a história deum cameraman, a brincar no parque com a sua
nova camera (e através dela vê o mundo) , vê uma jovem que admira o seu
brinquedo novo, apaixona-se por ela (simbolizando a eterna ligação romântica
entre filmes e a vida. Um ciclo inteiro de vida é registado através da camera,
incluindo o nascimento da filha do casal). Chamado para ir combater na I Guerra
Mundial, ele morre na frente de batalha. O general que entrega a medalha á
viúva, vê as atenções centradas em si quando casa com uma dançarina, é pai, e
depois descobre que a sua mulher tem um caso. Depois, ele entra num quarto em
que tudo se transforma para dar lugar ao assassinato da família Romanovdurante a Revolução Russa (parece que estamos
numfilme de David Lynch e não de Claude
Lelouch!), mas regressamos rapidamente ao mundo do realizador francês no
momento em que acontece o tradicional encontro “rapaz conhece rapariga” numa
estação de comboio durante a ocupação da França na II Guerra Mundial . É nesta
altura que o filme deixa as imagensa
preto-e-branco e surge a cor. O sonho passa á realidade.
O filmenão se pode considerar do tipo experimental
porque tudo aquilo que vemos no écran, saiu directamente da cabeça dos
argumentistas (principalmente de Lelouch). Até acuriosa intercepção das épocas e dos
acontecimentos parece natural e até lógica. Não houve nenhuma invenção para o
filme é apenas e só um objecto-maravilha, um caleidoscópio de estilo, histórias
e notícias relatadas através de material filmado. Tudo isto, dificilmente,
seria tão bem trabalhado se não fosse agenial direcção de actores, aliada a fabulosos planos-sequência e
“travellings”mágicos da autoria de
Claude Lelouch que brilha na sequência de perseguição a pé da polícia a Simon nas ruas próximas dos "Champs Elysées", toda ela filmada de camera na mão ao estilo reportagem televisiva; ou na sequência em que Simon foge da prisão num carro a alta velocidade e bate noutro carro na estrada, o realizador repete a batida várias vezes mostrando ângulos ligeiramente alterados. Até no próprio genérico inicial, passado na viragem do século XIX para o século XX, filmado a preto-e-branco, Lelouch permite-se uma brincadeira: agradece a toda a gente que participa no filme e depois vão surgindo os nomes, por ordem alfabética, mas não diz quem faz o quê, subvertendo a ordem do genérico.
Com “Toute une
Vie – Toda uma Vida”, Claude Lelouchdemonstrou, tal como faria anos mais tarde com “Les Uns et Les Autres –
Uns e os Outros”, que as ideias mais simples são as mais geniais.
Nota: As imagens e vídeo que ilustram o texto foram retirados da Internet
Em 1968, “Bullit” realizado por Peter Yates,
elevava o género policial a um novo patamar: Frank Bullit, Detective da Policia
de San Francisco, é escolhido para guardar um perigoso mafioso que tem de
testemunhar em tribunal; até aqui nada de novo no género, então quais os
motivos que levaram a que este filme se destacasse de todos os outros dentro do
género? Para além de Jacqueline Bisset (
nunca esteve tão bonita e sensual como neste filme) e Steve McQueen, mais
“cool”que nunca, é uma excepcional perseguição automóvel filmada a grande
velocidade nas ruas acidentadas de San Francisco, que marcou a diferença na
época e tornou “Bullit” num marco incontornável do cinema. Isto até surgir
“French Connection”, três anos depois.
No
final da década de 60 do século passado, Nova York vivia uma ressaca de Heroína
como nunca tinha acontecido. Nas ruas corria o boato de que um grande
carregamento estava para chegar. Popeye Doyle, Detective da brigada de
narcóticos da policia de Nova York , homem bruto e de métodos pouco ortodoxos e
o seu parceiro Detective Buddy Russo, tomam conhecimento desse boato e resolvem
investigar o que é que está por detrás dele…
O filme é baseado num livro de Robin Moore,
que por sua vez se baseou numa história verídica ocorrida no final da década de
60, inícios de 70, quando a maior parte da heroínailegalmente importada para a Costa Leste dos
Estados Unidos, vinha através da França (a “FrenchConnection”, a que se refere o título do
filme). Tal como a história e os dois protagonistas, outras personagens do filme também são baseadas em pessoas reais que estiveram
envolvidas no esquema do tráfico de heroína.
“The
French Connection”, que em português recebeu o título pouco apelativo de “Os
Incorruptíveis contra a Droga”, é um filme violento, não só pela temática que
aborda, como pela maneira que é abordada: de uma maneira frontal e directa
(veja-se a cena em que os potenciais compradores de Heroína assistem á
demonstração da sua pureza no quarto do hotel)
O
realizador William Friedkin tira partido da aprendizagem que fez nos anos em
que trabalhou na televisão e aplica esses conhecimentos de uma forma realista:
quase sempre de camera na mão (atente-se na cena da perseguição de gato e do
rato que começa á saída do hotel onde Charnier está instalado e vai terminar de
um modo absolutamente fabuloso no metro em Central Station com o acenar de mão
do francês num tom de gozo ao frustrado detective que corre ao longo da
plataforma do metro em andamento,a tentar, a todo custo, apanhar o seu alvo ;
ou logo no inicio quando Doyle e Russo perseguem um suspeito ao longo das
ruas), técnica que seria, anos mais tarde utilizada em muitas produções
principalmente para televisão como “Hill Street Blues”, NYPD Blues ou até “24”.
William Friedkin queria que o seu filme
tivesse nas interpretações a sua maior força, mas foi exactamente aí que teve
os maiores problemas desde o começo. Queria que o seu filme fosse recheado de
grandes interpretações. Antes de se decidir por Hackman ( o realizador sempre
se opôs á escolha do actor para liderar o elenco), Friedkinconsiderou Paul Newman, Jackie Gleason, Peter
Boyle, Charles Bronson e até Steve McQueen, que recusou por não querer fazer
outro policial. Por variadas razões,que
vão desde cachets altos, receios de não estarem á altura do que lhes era
exigido pelo papel, até recusas por acharem a temática do filme demasiado
violenta, as suas escolhas recusaram o papel. A dada altura pensou-se que seria
Rod Taylor quem iria ficar com o papel (Hackman disse que o actor lutara imenso
pelo papel), já que fora aprovada pelo estúdio, mas, perto do início da
rodagem, Taylor abandonou o projecto. O realizador não teve outra hipótese
senão aceirarHackman para interpretar
Doyle.
Gene
Hackman, Roy Scheider e o veterano actor espanhol Fernando Rey são os
protagonistas deste excepcional filme policial, as suas interpretações são
fabulosas, principalmente Gene Hackman no papel de Popeye Doyle, com o qual
ganhou o seu primeiro Óscar de Melhor Actor (o segundo foi como Melhor Actor
Secundário em “Imperdoável” a obra-prima de Clint Eastwood), Detective, cuja
perseguição dos seus objectivos é tão intensa que não olha a meios para os
alcançar: veja-se a cena final quando Doyle entra nas ruínas da fábrica ( de
certa maneira essas ruínas simbolizam o mundo de Doyle e também o nosso), aos
tiros e completamente obcecado em apanhar o seu inimigo, mata, sem querer, um
outro detective á frente de Russo e nem se detém quando o vê morto, reafirma ao
seu chocado colega sua intenção (ou será obsessão?) em apanhar o francês, recarrega a sua arma e continua
atrás de Charnier…a última imagem é das mais significativas de todo o filme:
uma sala em ruínas, sem ninguém e onde se ouve um tiro antes do écran ficar
negro e um epilogo contar o resto da história.
Friedkin,
filma uma Nova York suja, corrupta e violenta, com grande intensidade, é, no
entanto, na sequência da perseguição de Doyle ao metro de superfície que está o
grande momento do filme e é aqui que a obra descola de todas as outras. Toda a
sequência é filmada em tempo real e numa só vez (ou seja a duração da cena
corresponde exactamente ao que foi filmado), utilizando diversas cameras
espalhadas ao longo do cenário, no carro e no comboio (não deixa de ser
excitante ver as cenas, filmadas de
outra viatura em movimento, emque se vê
ocarro, por baixo da linha férrea, em
perseguição ao comboio) . O resultado final é fruto de um hábil trabalho de
sala de montagem (também premiado com o respectivo Óscar).
A cena, que dura
cerca de cinco minutos e meio é um verdadeiro must cinematográfico, o
espectador é envolvido na cena e não são raras as vezes em que nos desviamos
dos potenciais obstáculos que vão surgindo no trajecto tal como se fôssemos o
próprio Doyle ao volante. Extremamente excitante e absolutamente realista.
Muitas vezes imitada mas nunca ultrapassada. Friedkin voltaria a filmar duas excitantes
perseguições automóveis em “To Live and Die in L.A. - Viver e Morrer em Los
Angeles” (1985) e “Jade - Jade”(1995); “Ronin - Ronin” (John Frankenheimer,
1999) também teria uma emocionante perseguição automóvel nas ruas de Paris, mas
nenhuma delas se revelou tão importante e excitante como as de “French
Connection” e de “Bullit” que permanecem como sendo as melhores perseguições
automóveis da história do cinema.
Vencedor de inúmeros prémios, entre os quais
oito nomeações para os prémios da Academia, que se traduziram em cinco Oscares,
incluindo Melhor Filme do Ano e Melhor Realizador, “French Connection”,foi o primeiro filme com classificação “R” (“
Restricted” , que em Portugal podemos considerar como sendo “para Maiores de 16
anos”) a ganhar os principais prémios da Academia, foi um grande sucesso de bilheteira, que levou
a uma continuação (o termo sequela só apareceria anos mais tarde) intitulada “French
Connection II – Os Incorruptíveis contra a Droga nº2” (John Frankenheimer,
1975) com Gene Hackman e Fernando Rey a retomarem os seus papéis e com a acção
a decorrer em Marselha. De certa maneira, ajá citada cena final acaba por ser o fio condutor da continuação.
Apesar
de datado (todo o visual do filme espelha bem a época em que foi feito),
“French Connection” é uma obra-prima do cinema, um filme-referência da década
de 70 do século passado.
Em 2005, o filme foi seleccionado pela
Biblioteca do Congresso para preservação no Museu Nacional do Cinema dos
Estados Unidos por ser cultural, histórico e esteticamente significativo. Nota: as imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet