A
América segundo Sergio Leone
Leone começou a pensar neste filme ainda
estava a meio da rodagem de “Aconteceu no Oeste”, quando leu o romance “The
Hoods”, escrito por Harry Grey, pseudónimo de Harry Goldberg, antigo gangster
que se tornou informador da polícia. A pré-produção do filme foi alvo de tantos
avanços e recuos, que foram precisos treze anos, de uma dedicação sem precedentes, até que finalmente começassem
as filmagens em 1982.
"Era uma Vez na América"
é contado através das memórias e recordações de Noodles (Robert DeNiro), que, em 1967, regressa a Nova York com o
propósito de recuperar os corpos dos seus três amigos de infância.
A acção passa-se em três tempos distintos, cada um deles é importante para a consolidação do crime organizado na América. Cada tempo
narrativo é reconstituído ao pormenor, principalmente em termos de fotografia
(cada década tem um tom próprio) e impressiona só de se ver todo o trabalho de
direcção artística, principalmente em 1920, nas sequências com as crianças.
As interpretações são todas extraordinárias,
principalmente Robert DeNiro e James Woods cujas interpretações dos dois amigos que começam o sonho que depois se torna num império de crime organizado, são tão credíveis e realistas que nem parece que se trata de um filme. Todo o elenco que os acompanha, que inclui Elizabeth McGovern, Joe Pesci,
William Forsythe, Tuesday Weld, Burt Young, Treat Williams, entre outros, faz
deste épico uma experiência inesquecível.
![]() |
A realização de Sergio Leone é de uma dedicação quase
extraordinária à história que conta. Com um ritmo deliberadamente lento e uma
montagem propositadamente desorganizada, mas que faz milagres no que toca ás
passagens no tempo (sendo a mais brilhante de todas aquela em que um envelhecido Noodles se passeia pelo café de Moe, vai até à casa de banho, abre o nicho na parede e, num belíssimo grande plano dos seus olhos, fruto dum excelente trabalho de montagem, recuamos no tempo), como se o filme fosse um gigantesco puzzle, cujas peças se
vão encaixando e formando um magnífico fresco da América de quase quatro horas de duração.
Apesar da sua longa duração, estamos perante um filme
que se vê de uma só vez para isso
terá contribuído grandemente a excelência da banda sonora da responsabilidade
de Ennio Morricone, colaborador habitual de Leone. Juntamente com a grandeza
das imagens, a música fala por si mesma. De tempos a tempos não existe uma
única linha de diálogo, a música, conjugada com as imagens, contam a história.
Morricone entendeu perfeitamente o que se pretendia contar e compôs cerca de
três quartos da música sem o filme estar terminado.
A duração original do filme era de seis horas, que Leone queria
dividir em duas partes, o que foi recusado pelos produtores devido ao fracasso
critico e comercial de “1900” (Bernardo Bertolucci, 1976), que fora distribuído
em duas partes. O realizador e o seu editor foram obrigados a reduzi-lo para
uma versão de 269 minutos, que mesmo assim ainda foi considerada demasiado
longa. Remontado por Leone para ser exibido em Cannes, o filme acabou por ficar
com os 229 minutos da duração
corrente. Em junho de 1984, quando estreou nos Estados Unidos, o filme foi
cortado para uma versão de 139 minutos pelo estúdio e contra a vontade do
realizador que nunca autorizou a exibição da versão integral nos Estados Unidos
até à sua morte em 1989. Nesta versão curta, as cenas de flashback foram
alteradas e o filme foi montado por ordem cronológica tornando o filme
impercebível contribuindo para o seu fracasso em terras americanas.
A última imagem é simplesmente perfeita, ao mesmo tempo que é também enigmática. O filme termina onde começa. Noodles, em 1933, refugia-se na
casa de ópio chinesa para esquecer tudo o que se passou naquela noite, após uma
baforada de droga, sente-se um homem livre, como quem se encontra noutro lugar, quiçá,
noutra realidade ( se calhar tudo o que vimos não passará duma fantasia da sua mente?) e simplesmente sorri espontaneamente, tornando este
último “close up” numa das mais belas imagens de toda a filmografia de Sergio Leone e traz-nos á memória o assombroso inicio de “O Padrinho” (Francis Ford Coppola,
1972) quando por sobre um écran totalmente negro se ouve a frase “Eu acredito
na América…”
Nota: Todas as imagens e vídeos que ilustram este texto foram retirados da Internet