Em 1973, Clint Eastwood, actor já com créditos firmados graças à sua participação na famosa “Trilogia dos Dólares” (1964-66) de Sergio Leone, começara, em 1971, uma carreira paralela atrás das câmaras obtendo um relativo sucesso com os seus dois primeiros filmes.
Vinte e dois anos depois, em 1995, já com o nome indissociável da história da sétima arte, o actor e realizador filma “As Pontes de Madison County”, onde aborda novamente uma história de amor, mas de uma forma que o torna indiscutivelmente numa das suas grandes obras.
Michael e Carolyn Johnson regressam à quinta no Iowa onde viveram a sua infância para tratar do testamento da sua mãe, Francesca, recentemente falecida. Ficam chocados quando sabem que a sua última vontade é ser cremada e as suas cinzas espalhadas da ponte coberta de Roseman, em vez de ser enterrada ao lado do marido. Ambos recusam cumprir esta última vontade da mãe. Mais tarde, num cofre-depósito do banco da cidade descobrem num envelope fotos e cartas e uma chave que abre um velho baú onde se encontram diversos pertences a Francesca, incluindo uma série de diários. Quando os começam a ler, mergulham numa parte desconhecida da vida de sua mãe.
Os direitos de adaptação do livro de Robert James Waller, publicado em 1992 e que rapidamente se tornou num best-seller, foram adquiridos pela “Amblin Entertainment”, a produtora de Steven Spielberg, em 1991, ainda antes da sua publicação. Spielberg convidou Sydney Pollack para filmar a adaptação, e este trouxe consigo Kurt Luedkte para escrever o argumento. Pollack acabou por recusar por estar envolvido noutro projecto. Kathleen Kennedy, o braço-direito de Spielberg na produtora, trouxe Ronald Bass para escrever um segundo rascunho do argumento que não satisfez os produtores. Foi chamado então Richard LaGravenese, que estava muito bem referenciado na indústria graças ao argumento de “The Fisher King – O Rei Pescador” (Terry Gillian, 1991). O seu trabalho agradou tanto a Spielberg como a Clint Eastwood, que entretanto havia sido convidado e aceitara fazer o papel masculino, ambos tinham gostado especialmente do facto da história ser contada do ponto de vista de Francesca e Spielberg queria realizar o filme, mas um atraso na post-produção de “A Lista de Schindler”, que obrigou a algumas refilmagens de cenas, obrigou o realizador a desistir do filme. Bruce Beresford, amigo de Spielberg e Kennedy, avançou como realizador e com ele veio Alfred Uhry, que quis escrever um quarto rascunho do argumento. Mas a Warner Bros., Spielberg e Eastwood preferiram o argumento de LaGravenese e Beresford abandonou o projecto. Eastwood ofereceu-se para realizar o filme, o que foi aceite pelos produtores.
O problema seguinte foi escolher quem interpretaria o papel feminino ao lado de Clint Eastwood. Entre vários nomes apontados, Catherine Deneuve e Isabella Rossellini chegaram mesmo a fazer testes de imagem, mas foi Meryl.Streep, amiga de longa data de Eastwood, quem acabou por ficar com o papel, apesar de alguma resistência inicial de Spielberg que entendia que sendo ela uma actriz já muito conceituada, seria um risco grande para a sua carreira caso o filme fosse um fracasso. Mas foi a insistência de Eastwood, desde a primeira hora, que acabou por convencer os produtores.
Uma das grandes ideias do filme é que este não é acerca de amor nem de sexo, mas sim sobre uma ideia, daí que a informação que surge logo no início, de que duas pessoas que se encontraram uma vez e apaixonaram-se, mas decidem não passar o resto das suas vidas juntas, porque se decidissem seguir os seus desejos (e se calhar os de muita gente), não seriam merecedores de tal amor. É esta ideia que percorre toda a obra e, ao optar, não pelo “happy-end” que seria de esperar, mas sim por outra vertente, mais lógica (quem sabe?), o filme afasta-se de todos aqueles conceitos cinematográficos próprios de qualquer história de amor que tenhamos visto no grande écran.
Quando Robert e Francesca se conhecem (ele a procurar direcções para ir fotografar as famosas pontes cobertas do Iowa, ela uma dona de casa solitária cujo marido e os filhos foram para uma feira de produtos agrícolas), percebe-se logo que vai acontecer uma paixão entre ambos.
Existe ao longo de todo o filme um clima quase erótico entre Robert e Francesca, mas que, inicialmente, quando ela o acompanha para lhe mostrar o caminho, apenas nos é mostrado, subtilmente, em pequenos gestos ou acções. Clint Eastwood e Meryl Streep têm uma enorme química no écran que resulta num trabalho extraordinário de interpretação, principalmente dela. Não é qualquer actor que se deixa relegar para um plano secundário para fazer com que a outra parte se destaque e brilhe. Mas é precisamente isso que aqui acontece sem qualquer desprimor para nenhum dos actores. Streep, como Francesca, que vive o amor de sua vida, acrescenta mais uma personagem inesquecível à sua já longa galeria de personagens numa carreira que já conta com várias décadas, que começou em “Julia” (Fred Zinnemann, 1977) ao lado de grandes nomes como Vanessa Redgrave, Jane Fonda ou Jason Robards. Eastwood, com uma carreira bem mais longa que de Meryl Streep, já devidamente reconhecida e recompensada, quer como actor, quer como realizador, interpreta Robert, fotógrafo da “National Geographic”, um homem bom que vive uma paixão ao longo de quatro dias apenas, uma personagem que não estamos habituados a ver o actor interpretar.
A realização de Eastwood é segura, não existem lugares-comuns na obra, nunca cai na banalidade de tantas e tantas histórias de amor que já vimos no cinema. Não se vê uma única cena no filme que lá esteja colocada de propósito para puxar à lágrima fácil. A serenidade com que o realizador nos mostra o contraste entre a família Johnson (que pode ser qualquer família banal, de classe média), quando reunida à mesa para jantar em que não existe qualquer conversa entre marido e mulher e a alegria que Robert e Francesca irradiam quando jantam e conversam sobre diversos assuntos, fumam cigarros e acabam a dançar ao som do rádio. É neste equilíbrio entre a segurança e a serenidade que nasce aquela que é a cena mais comovente e mais bonita que alguma vez vimos na obra do realizador que já nos dera obras como “Bird – O Fim do Sonho” (1988),“Unforgiven – Imperdoável” (1992) ou “A Perfect World – O Mundo perfeito” (1993):
chove torrencialmente, Francesca está dentro da carrinha do marido, Richard e vê a carrinha de Robert parada e ele cá fora a avançar lentamente para ela, para depois parar a meio caminho, com a chuva a cair-lhe por cima, como que a pedir-lhe para ela ir com ele, o que ela, momentos mais tarde considera fazer quando estão parados num semáforo vermelho e ela, com a mão no manípulo da porta, o que é mostrado em diversos planos entrecortados com a espera que o semáforo caia para verde, a forçar-se para não o abrir e assim seguir o seu coração.
É um momento único no cinema e uma das melhores cenas jamais filmadas numa história de amor.
“As Pontes de Madison County” é afinal, acerca de duas pessoas que encontram a promessa de alegria pessoal e compreensão mútua e percebem, com alguma tristeza e também aceitação de que as coisas mais importantes da vida não passam apenas por sermos felizes.
O filme estreou em junho de 1995 e foi um sucesso de bilheteira, tal como o livro também já fora. A crítica também foi practicamente unânime na sua apreciação da obra. Infelizmente em termos de prémios, apesar de alguns prémios recebidos em diversos festivais internacionais, em casa, o filme, infelizmente, ficou-se apenas por uma nomeação para o Oscar de Melhor Actriz para Meryl Streep, o que, manifestamente, é muito pouco para um filme maior na filmografia do seu realizador e considerado como uma das obras-primas da década de 90 do século XX.