quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O Bom, O Mau e o Vilão – O Melhor do Western Spaghetti



    O western, assim como o musical, foram os géneros mais queridos do cinema. O western, inclusive, chegou a ser "importado" para a europa, pela mão de Sergio Leone criando assim as raízes de um sub-género intitulado "western spaghetti" que viria a obter um considerável sucesso tanto na europa como nas terras do tio Sam.
   
"O Bom, o Mau e o Vilão" é a história de três homens que procuram um tesouro que está enterrado algures num cemitério. Cada um deles sabe uma parte da localização do tesouro, pelo que vão estar dependentes uns dos outros para lá chegar. Sem olhar a meios para obter os fins, os três vão tentar chegar ao local, onde os aguarda aquela recompensa, através dum país devastado pela guerra civil.     
A ideia do filme começou a tomar forma, quando os executivos da United Artists se aproximaram de Luciano Vincenzoni, argumentista do filme “Por Mais Alguns Dólares”, que acabara de obter um sucesso inesperado em itália e convidaram-no a escrever outro argumento para um projecto de um novo “Western Spaghetti”.Sem planos imediatos de trabalho, Vincenzoni concordou desde que Alberto Grimaldi e Sergio Leone, respectivamente, produtor e realizador do filme anterior fizessem parte deste novo projecto. Quando os executivos da distribuidora concordaram, Vincenzoni avançou com a ideia de três canalhas que procuravam um tesouro durante a Guerra Civil Americana. Leone agarrou a ideia e, numa tentativa de mostrar o absurdo da guerra, desenvolveu-a e transformou-a num argumento, com a ajuda de Sergio Donati, com quem o realizador já trabalhara em “Por Mais Alguns Dólares”.
   
Realizado por Sergio Leone, "O Bom o Mau e o Vilão" é, considerado pelo realizador, o último filme da chamada "trilogia dos dólares", sendo os dois primeiros "For a Few Dollars - Por um Punhado de Dólares" (1964) e "For a Few Dollars More - Por Mais Alguns Dólares" (1965). Como a acção de “O Bom O Mau e o Vilão” se passa durante a Guerra Civil Americana (ou de Secessão), o filme pode, não só ser o final da trilogia como pode servir também de prequela aos outros dois filmes, cuja acção decorre depois da Guerra de Secessão.
Desde sempre, Leone teve como sua marca  os grandes planos de rostos e das armas antes e durante  um duelo, que lhe permitem encenar e misturar cenas de rostos extremos, grandes planos épicos, com os diálogos reduzidos ao minímo, onde as mãos, quase em câmara lenta, se dirigem para as armas nos coldres e também grandes sequências sem um único diálogo. Tudo isto cria um ambiente de tensão e suspense que permite ao espectador saborear os desempenhos de cada personagem e perceber as suas reacções, mas também dá ao realizador a possibilidade de filmar belas paisagens. Não é, portanto, de estranhar que o inicio deste filme seja precisamente um grande plano de rostos de cowboys, das suas armas e de uma cidade em ruínas e sem um único diálogo, antes do duelo onde nos será apresentado o primeiro protagonista do trio central da história: a imagem, depois do duelo, congela e surge o título da personagem no écran; é um achado fabuloso de Leone e que funcionará da mesma maneira para as outras duas personagens do filme. Só então é que o filme começa verdadeiramente.
 Por ser considerado o pai do sub-género western-spaghetti, Leone enche o écran de constantes referências aos filmes americanos de John Ford a Howard Hawks e toda a simbologia do velho oeste está presente na obra do realizador desde "dólares" até "Aconteceu no Oeste" (1968).
   
Sergio Leone não trouxe dos Estados Unidos só o saber como fazer, trouxe também mão-de-obra para edificar o sub-género no velho continente. Com ele vieram Eli Wallach, no papel de Tuco (o Vilão), um eterno secundário que já brilhara em outro western chamado "Os Sete Magnifícos" (John Sturges, 1960) remake americano dessa obra-prima do cinema chamada "Os Sete Samurais" (Akira Kurosawa, 1954). Apesar de ser uma prestação ao seu nível, o actor quase que rouba o protagonismo a Eastwood e a Van Cleef, tal é a forma como agarra a sua personagem, da qual, ao longo do filme, ficamos a conhecer toda a sua história, já que conhecemos o seu irmão, um padre de nome Pablo Ramirez, de onde veio e porque se tornou bandido;
   
Lee Van Cleef, é “Angel Eyes” (o Mau), mercenário sem escrúpulos, obsessivamente insano, termina sempre o trabalho para que foi contratado (que habitualmente é encontrar pessoas e matá-las), o actor sempre associado a papéis de vilão e que teve, com Leone, o momento mais alto da sua longa carreira;
Clint Eastwood (o Bom), é o “Homenm sem Nome” (apesar de Tuco lhe chamar “Lourinho”), um ténue mas convencido caçador de prémios que se vê obrigado a formar alianças pouco convencionais nas necessárias para encontrar o tesouro com Tuco e temporariamente com “Angel Eyes”. Eastwood, na altura um obscuro actor que, ao ir para itália filmar com Leone a "trilogia dos dólares", passou do relativo anonimato a estrela de cinema e posteriormente num realizador afamado que viria a tornar-se uma referência obrigatória no panorama do cinema mundial. Juntos, Leone e Eastwood, tornaram a personagem de “O Homem sem Nome”, não apenas numa personagem qualquer, mas numa personagem Maior do cinema – uma personagem que nunca teve que se explicar, uma personagem, cuja presença era mais que suficiente para encher o écran. 
     
Apesar da relação tempestuosa entre ambos, Eastwood, que nunca mais voltaria a ser dirigido por Leone (mesmo quando este lhe ofereceu o papel de “Harmónica” em “ Aconteceu no Oeste”, que o actor declinou e que seria dado a Charles Bronson ), o actor aprendeu muito, com a obsessão de Leone em filmar cenas de diferentes ângulos prestando atenção aos mais ínfimos pormenores, o que muitas vezes esgotava os actores, durante as rodagens dos filmes da trilogia e, anos mais tarde, acabaria por lhe dedicar “Unforgiven – Imperdoável” (1992), uma das suas obras-primas.
Majestoso, visualmente estilizado, "O Bom, o Mau e o Vilão", avança num crescendo de acção e tiros desde a já referida sequência inicial até ao final onde o filme atinge o seu climax: o duelo a três no cemitério onde Sergio Leone, chamando a si todo o seu conhecimento, homenageia o Western, com a excepcional banda sonora de Ennio Morricone, colaborador frequente em todos os filmes de Leone, como pano de fundo, num misto de mito e realismo.
   
Leone, durante a rodagem, gostava de tocar a banda sonora para manter os actores dentro do espírito da cena e isso percebe-se perfeitamente em duas cenas importantes no enredo: a primeira acontece no campo de prisioneiros Nortista de Batterville onde os prisioneiros cantam e tocam o tema melancólico “La Storia Di Un Soldato” (The Story of a Soldier) enquanto Tuco é torturado e espancado por Angel Eyes; a segunda é quando os três protagonistas se enfrentam em Sad Hill, com “L’estasi dell’Oro” (The Ecstasy of Gold), seguida por “Il Triello” (The Trio) em fundo. A composição desta cena é absolutamente magnífica: uma fortuna em ouro está enterrada numa das campas, três homens, cada um na expectativa de lhe deitar a mão, enfrentam-se sabendo que, se um dispara, todos disparam e todos morrem. A não ser que dois decidem abater o terceiro homem antes que ele dispare sobre eles. Mas a dúvida está instalada: quais dois? E qual terceiro? E permanece durante os vários minutos que Leone dedica aquele momento único no filme: começa com um admirável longo plano que depois se converte em “close-ups” de armas de fogo, rostos, olhos e suor num interminável exercício de estilo e “suspense” com que o realizador brinda os espectadores.
    “O Bom, o Mau e o Vilão” estreou em Itália a 15 de dezembro de 1967 e rendeu cerca de 6.300.000 dólares , o que na altura foi considerado bastante. Nos estados unidos, a trilogia dos dólares estreou em 1967, mas em diferente datas para poder rentabilizar os filmes obtendo o maior sucesso possível.
A versão original italiana tem a duração de 177 minutos, mas inicialmente,  a versão internacional foi exibida com diversas metragens que vão desde cerca de 148 minutos até 161 minutos. Sendo que esta última é a mais conhecida e a que foi mais exibida desde a estreia do filme. Em 2002, o filme foi restaurado e as cenas cortadas foram todas re-inseridas no filme com os actores, Clint Eastwood e Eli Wallach a repetirem as suas falas no material recuperado e Simon Prescott, um actor de dobragens, a fazer a voz de Lee Van Cleef , o actor faleceu em 1989.
     
Filme ambicioso, com  quase três horas de duração, onde nada parece faltar e ainda haveria espaço para mais história, senão vejamos: temos o tiroteio inicial que envolve personagens que pouco ou nada têm a ver com trama inicial. Temos o jogo do condenado, no qual, Wallach faz de homem procurado e Eastwood aparece para o entregar e depois, quando ele está para ser enforcado, o mesmo Eastwood salva-o “in extremis” com um tiro bem disparado e ambos recebem a recompensa. Depois vem a magnifica sequência do deserto em que Eastwood abandona Wallach no deserto e, mais tarde, será Wallach a fazer o mesmo a Eastwood e, quando o sol queima e receamos o fim de “Loirinho”, surge a diligência numa corrida desenfreada, carregada de mortos e moribundos e a história ganha um novo fôlego que culminará no inevitável, porém, magnifico e majestoso duelo. Pelo meio, acontece a ambiciosa sequência da Guerra Civil Americana onde, além da cena da tortura, acontece outro momento tocante do filme: Clinton, um capitão do exército da União (nortista), que se torna amigo de Tuco e Blondie e que alimenta o sonho de ver a ponte de Branston, local estratégico que separa os dois exércitos, destruída, explica o seu alcoolismo de uma maneira absolutamente simplista “O comandante que tiver mais bebida para embebedar as suas tropas antes da batalha, é aquele que vence”. Mortalmente ferido no combate que se segue, sua última fala, pouco antes de morrer, é “Podem ajudar-me a viver um pouco mais? Eu espero boas notícias”.

  “O Bom, o Mau e o Vilão” foi, indiscutivelmente, a obra mais inovadora que o sub-género western-spaghetti viria a conhecer. Muitas vezes referida, imitada, mas nunca igualada, tendo sido até  homenageada em "No Country for Old Men - Este País não é para Velhos" (Joel e Ethan Coen, 2007), que venceu 4 Óscares da Academia, incluindo o de Melhor Filme do Ano e Melhor Realização, o original de Sergio Leone permanece como um filme intemporal, obra-prima do género em que se insere

Nota: imagens e vídeo retirados da Internet








quarta-feira, 16 de novembro de 2016

The Lamb Lies Down on Broadway – Um Enigma Musical

                    
   Em 1974, a seguir á tournée de promoção do álbum “Selling England by the Pound” (1973), os Genesis, grupo britânico de Rock Progressivo, juntaram-se para escrever e desenvolver o seu álbum seguinte que queriam que fosse um álbum conceptual, de acordo com a moda que se instalara na música desde o início da década de 70. Assim, reuniram-se em “Headley Grange”, uma quinta nos arredores de Londres e que, segundo outros grupos musicais que já a haviam utilizado anteriormente, era um local acolhedor para quem queria compor música e escrever letras. O que o grupo não sabia é que, apesar de vários contratempos, o álbum que dali iria resultar seria uma obra incontornável na história da música, uma obra de Rock Progressivo que o tempo se encarregaria de transformar numa obra-prima.
   Devido a problemas pessoais e também a estar envolvido em outros projectos fora do grupo (incluindo um possível filme com o realizador William Friedkin que nunca chegou a ver a luz do dia), Gabriel, que inicialmente se isolou do resto do grupo para poder escrever livremente as letras das canções, esteve ausente durante grande parte do processo de criação e dos ensaios, mas mesmo assim e apesar de grande parte da música ter sido escrita pelos restantes membros do grupo, ainda regressou a tempo de participar na gravação do álbum.
   
“The Lamb Lies Down on Broadway”, assim se chamou o  álbum, conta história de Rael, um jovem delinquente Porto-Riquenho que vive em Nova York. Numa manhã de um qualquer dia normal, Rael, acabado de sair da estação de metro em Manhattan, depara-se com um cordeiro deitado no passeio da Broadway e que tem um estranho e profundo efeito nele. Enquanto continua a sua caminhada, vê vir do céu uma nuvem negra que mais ninguém vê e que se transforma num écran de cinema, apanha tudo o que lhe surge á frente. Rael tenta fugir, mas em vão, é apanhado e arrastado para dentro do mesmo. Começa assim uma odisseia por um mundo estranho.
   O álbum abre com “The Lamb Lies Down on Broadway”, tema-título, ao som de um piano introdutório, com a voz de Peter Gabriel e o verso “And the Lamb Lies Down on Broadway”, a dar o mote para logo de seguida o resto do grupo juntar-se em harmonia, formando imagem sonora descritiva de Manhattan a despertar para um qualquer dia normal de trabalho e nela surge Rael, o nosso herói, a sair numa  estação de metro, deparar-se com aquela estranha visão do cordeiro deitado no passeio da Broadway e ser apanhado por uma estranha nuvem vinda do céu, que parece devorar tudo á sua volta e assume a forma de um écran cinematográfico. “Fly on a Windshield” usa sons etéreos e acústicos para dar a impressão do vento a arrastar tudo aquilo que encontra no caminho, incluindo um Rael que se apercebe que não consegue fugir daquele écran devorador que, no entanto, parece ser ignorado pela multidão. “The Broadway Melody of 1974” exibe- imagens do dia e também de algumas vedetas de Hollywood assim como da Broadway de ontem, que desfilam numa espécie de parada por um Rael inconsciente, mas que vai ouvindo no seu subconsciente ecos de vozes sem distinguir quem são. Com “Cuckoo Cocoon”, Rael acorda e interroga-se sobre o local onde se encontra (é isso que o verso “I wonder where the hell I am”, nos diz)  e esta interrogação é também transmitida ao ouvinte que está tão (ou, se calhar, mais) intrigado como ele. Apercebe-se, enquanto avança, que se encontra numa gruta que se vai modificando a cada sua movimentação. O poderoso “riff” de baixo que introduz “In the Cage”, seguido de um subtil som de teclas e de um toque suave de pratos na bateria acompanhados pela voz ansiosa de Gabriel, mostra-nos um Rael, a descrever aquilo que o rodeia e que, de repente, se vê aprisionado numa espécie de jaula formada por estalactites e estalagmites que se deslocam na sua direcção. Enquanto tenta escapar, Rael vê o seu irmão, John, do lado de fora, pede-lhe para o ajudar mas ele afasta-se e, ao mesmo tempo, a jaula desaparece e Rael começa a cair numa série de voltas e voltas que parecem não ter fim e, quando finalmente pára, encontra-se no chão duma fábrica.

   Com “The Grand Parade of Lifeless Packaging”, Rael é levado, por uma mulher, numa visita ás instalações fabris e onde vê pessoas no chão numa longa linha de produção a serem processadas e acondicionadas como se fossem embalagens e depois devolvidas á vida. Pouco depois, no mesmo local, encontra novamente o seu irmão John, imóvel e com um nº9 estampado na testa e, uma vez mais, não fala. Depara-se igualmente com membros do seu antigo gang e, temendo, pela sua vida, foge da fábrica.
Rael, depois de sair, vai deparar-se com a visão da Nova York da sua juventude. “Back in NYC” relembra a sua vida quando ainda era um jovem membro de um gang, o seu regresso de um assalto aos 17 anos de idade e quando a cidade era apenas para os mais fortes e aptos. É um longo “flashback” de memórias que ele vê desfilar á sua frente: “Hairless Heart”, um lindíssimo instrumental (das melhores peças que alguma vez o grupo compôs), mostra o sonho em que Rael vê o seu coração peludo ser removido e escanhoado com uma lâmina de barbear (esta minha interpretação pode ser entendida de maneira diferente...); “Counting Out Time” fala-nos da altura em que ele comprou e decorou um livro sobre encontros sexuais (“And I have studied every line, every page in the book”), do seu primeiro encontro com uma rapariga á qual tenta ministrar prazer mas falha redondamente por ter tudo numericamente organizado (“Touch and go with 1-6”, Bit of trouble in zone nº7”, “There’s heaven ahead in nº11!”).
   
“Carpet Crawlers” começa quando o desfile de memórias termina e Rael encontra-se novamente sozinho e tem á sua frente um longo corredor alcatifado, cheio de gente que tenta alcançar a porta que está ao fundo. Mais rápido que todos, ele alcança a porta, abre-a e vai-se encontrar numa longa escadaria que termina numa enorme câmara com 32 portas e assim chegamos a “The Chamber of 32 Doors” onde um Rael, cercado de diversa gente, incapaz de se concentrar e decidir qual a porta que deve escolher, pois apenas uma leva á saída, todas as outras conduzem novamente aquele local, encontra uma mulher que deseja conduzi-lo para fora da câmara.
“Lilywhite Lilith” apresenta-nos a mulher que ajuda Rael a sair pela porta certa para um outro aposento subterrâneo e grande onde o deixa sozinho. Medo e pânico é o que se pode deduzir do estranho e aterrorizante “The Waiting Room”, um tema instrumental que nos revela o que Rael sentiu naquele aposento onde foi deixado, no meio da escuridão e como única companhia um zumbido crescente e dois globos dourados iluminados que flutuam no ar encaminhando-se para ele. Rael destrói ambos os globos, mas provoca uma derrocada de rochas que o deixa preso e tudo parece indicar que acabou por selar o seu destino ao ver-se numa situação da qual não consegue sair.
   
 
“Anyway” começa com um piano insinuante (quase um eco distante do início de “The Lamb Lies Down on Broadway”) e Rael conta aquilo que está a sentir, sente a morte a aproximar-se (“Anyway, they say she comes on a pale horse”), como gostaria de morrer e, num tom quase sarcástico goza com a sua própria situação ( “How wonderful to be so profound, when everything you are is dying underground”). Mas, rapidamente, Rael percebe que a sua hora ainda não chegou, pois uma visita inesperada, deixa-o surpreso: a Morte vem visitá-lo e ajudá-lo a sair daquela situação, é o que acontece em “The Supernatural Anaesthetist”, outro tema instrumental, no qual, Rael, após ser liberto por aquele convidado indesejável, segue o seu caminho, metendo novamente por um corredor iluminado por candelabros e, desta vez, é o seu nariz que lhe dá a direcção a seguir pois uma fragância doce entra-lhe pelas narinas e, a cada passo, a intensidade do cheiro aumenta e Rael acaba por ir ter uma grande câmara onde uma piscina cuja água é em tons rosados e uma fina camada de neblina paira sobre ela.
   
Em “The Lamia”, a única canção romântica do álbum, acontece a descrição daquilo que Rael vê perante os seus olhos. Despe-se das roupas rasgadas e entra na piscina com o intuito de se refrescar pensando que está sozinho, mas rapidamente percebe que tal não é verdade quando se depara com três “Lamias”, uma espécie de criaturas parecidas com cobras, mas com rostos de belas mulheres. Rael, espantado com aquelas beldades, deixa-se envolver e acaba seduzido por elas. Mal as “Lamias” provam o seu sangue, morrem, a água da piscina muda de cor para um azul gelado. “Silent Sorrow in Empty Boats”, mostra-nos um Rael, consternado com as mortes que provocou e que, esfomeado, alimenta-se da carne das “Lamias” e, ao som de coros sintetizados, abandona aquele local prosseguindo a sua viagem através de outra passagem.
 
“The Colony of Slippermen” é um tema dividido em três segmentos que acompanham a transformação de Rael. O primeiro segmento, “The Arrival” mostra a sua chegada a uma colónia de “Slippermen”, uma espécie de seres humanos grotescamente deformados pela experiência que tiveram com as “Lamias” e que lhe dizem que também ele se transformou num deles (“Don’t be alarmed at what you see, You yourself are just the same as wha you see in me”), Rael não acredita no que lhe dizem (“Me, like you? Like that!”) , mas, ao ver o seu irmão John entre os “Slippermen” e depois dele lhe confirmar a realidade, ele aceita e fica também a saber que a única maneira de voltar a ser humano é ir visitar o Doutor Dyper e submeter-se a uma castração, o que acontece no segundo segmento do tema “A Visit to the Doktor” em que ambos se submetem á operação ( Don’t delay, dock the dick!”) e guardam os seus órgãos num recipiente que penduram á volta do pescoço (“he places the number into a tube, it’s a yellow plastic “shoobedoobe””) e continuam ambos pelo mesmo túnel á procura duma saída. Chegamos ao terceiro segmento “The Raven” onde os dois irmãos são atacados por um enorme corvo negro que rouba o recipiente de Rael, que o persegue e que John, com medo, se recusa a seguir (“Where the raven flies there’s jeopardy”) e vai-se embora deixando Rael sózinho.  Este persegue o corvo e só tem tempo de ver  que este, de repente, atira o recipiente por uma ravina abaixo que vai dar a um rio subterrâneo. 
   
Em “Ravine”, Rael , de pé, numa espécie de plataforma e com medo de saltar para  dentro da água agitada do rio que passa lá por baixo, decide descer a ravina até chegar lá. Enquanto faz a perigosa descida, Rael relembra os seus dias em Nova York e, num “flashback” momentâneo, regressa aos sons que lhe eram familiares e queridos, ao som de “The Light Dies Down on Broadway”, regressa ao ano passado,  aquele que era o seu  mundo e também á beleza dos temas  “The Lamia” e ”The Lamb Lies Down on Broadway” (se quisermos, o “Upper World” do ínicio do álbum) e imagina que o seu pesadelo (ou sonho?) está perto de chegar ao fim quando vê uma espécie de janela que lhe surge sobre a cabeça, que se abre e o convida a sair por ela (“Is this the way out from this endless scene? or just  an entrance to another dream?”).
   Mas de súbito, o seu “flashback” é interrompido por um grito que vem do fundo. Rael vê John dentro de água a tentar manter-se á tona.  Em “Riding the Scree”, Rael tem que fazer a escolha mais difícil da sua vida: Passa pela janela que entretanto se começa a fechar regressando assim á sua vida normal ou salva o seu irmão, apesar deste já o ter abandonado á sua sorte por duas vezes?  Rael escolhe salvar John e, enchendo-se de coragem, salta sem rodeios para dentro de água. Com “In the Rapids”, Rael  esforça-se, numa luta titânica contra a força da água, salvar o irmão e também a si próprio. Apelando para todas as sua forças, elel consegue, no último momento,  tirar John da água e arrastá-lo para terra. Quando Rael olha para o seu rosto para lhe captar sinais de vida, vê-se  a si próprio! (“Something’s changed, that’s not your face, it’s mine!”).  É com “It” que  se explica aquilo que realmente aconteceu: a sua consciência  (espírito?) vagueia entre os corpos e ele vê o cenário envolvente dissolver-se numa espécie de neblina enquanto ambos os corpos se dissolvem assim como o espírito de Rael se torna uno com aquilo que o rodeia. “It” providencia muitas respostas e abre inúmeras possibilidades que vão sendo apresentadas ao longo de toda a narrativa, mas, no fim, nenhuma é  definitiva. Peter Gabriel sumariza a história de um modo simplista: é com cada um de nós!.
Os Genesis no Palácio da Pena, em Sintra
     “The Lamb Lies Down on Broadway” foi editado a 18 de novembro de 1974. A 20 do mesmo mês, os “Genesis” davam início a uma tournée que os levaria á América do Norte e á Europa (Portugal, incluído, onde deram dois concertos nos dias 6 e 7 de março de 1975, no velhinho Dramático de Cascais), num total de 102 concertos onde tocaram o álbum integralmente. A tournée terminou a 22 de maio de 1975. Em agosto, Peter Gabriel, que já anunciara a sua vontade de sair, depois de terminada a tournée, abandona o grupo.
Recebido inicialmente com um misto de perplexidade e devoção, e até algum desinteresse por parte de alguma crítica que, depois de “Selling England by the Pound”, esperava outro algum do género e não um “Concept Album” que muitos consideraram incompreensível, “The Lamb Lies Down on Broadway”, conseguiu dividir também os fans da banda, mas nunca perdeu a importância que ganhou dentro da discografia do grupo nem o estatuto que ganhou na música. Década após década o álbum continuou a manter-se entre os dez melhores álbuns da história do rock e nos cinco primeiros lugares dos melhores do Rock Progressivo.
Já neste século, em dezembro de 2001,  foi considerado o quarto Melhor álbum da história da música e em 2012, os leitores da “Rolling Stone”, consideraram-no o quinto Melhor álbum de Rock Progressivo de todos os tempos.












domingo, 8 de maio de 2016

O Carteiro de Pablo Neruda - Simplicidade acima de tudo!

   Um dos grandes truques do cinema sempre foi contar histórias simples e apelativas garantindo sempre bons resultados junto do público e também junto de alguma crítica. Foi o que se passou com este "Carteiro de Pablo Neruda".
 Mário vive numa ilha em Itália na década de 50 do século passado, é filho de um pescador mas não se consegue adaptar aquela vida. Graças a saber ler e escrever, ele consegue um emprego como carteiro encarregado de levar a correspondência ao poeta chileno Pablo Neruda que se encontra exilado naquela ilha. Com o passar do tempo os dois tornam-se amigos e Mário pede ao poeta que o ajude a conquistar a rapariga que ele ama.
   O filme é baseado no livro “Ardiente Paciencia”, escrito por Antonio Skármeta, em 1983, com argumento da autoria de Anna Pavignamo, Michael Radford, Furio Scarpelli, Giacomo Scarpelli e Massimo Troisi e situa a acção na década de 50, enquanto o livro e o filme homónimo, que o próprio Skármeta realizara em 1985, a situava em 1970, no Chile, na Ilha Negra, onde Pablo Neruda vivia.
   
   
O primeiro vislumbre que temos de Mario, numa cena em que ele conversa com o pai, ficamos com a ideia de que ele deve ser deficiente mental, assim como o pai que também nos deixa essa ideia, tal é a conversa entre ambos que não leva a lugar nenhum. Mas logo depois, noutra cena adiante, quando Mario discute com o encarregado do posto de correios da ilha acerca do poeta, antes de aceitar o lugar de carteiro de Pablo Neruda, percebemos que ambos têm poucos conhecimentos sobre poesia e  que afinal ele é uma pessoa normal, que foi criado numa ilha  cuja única ocupação dos seus habitantes é a pesca e  onde não existe nada de importante que se possa falar. Mas tudo isso está para mudar com a chegada de Pablo Neruda, o poeta chileno que veio para o exílio e torna-se uma atracção na ilha, os ílhéus, apesar de não saberem nada de poesia,  têm alguém a quem não negam nada, Neruda, apesar de estar exilado,  encontra a paz que não tem no seu Chile natal  e Mario, finalmente, encontra alguém que lhe ensine como falar com raparigas, e que existe algo mais do que a vida naquela ilha tranquila, de gente simples onde as mudanças e as ideia novas tardam a chegar, se é que alguma vez chegarão.
   
A relação entre ambos cresce lentamente. O poeta é um homem calmo, que vive com uma mulher (não chegamos a saber se é a sua esposa ou não), Mario percebe que eles estão apaixonados, então, fascinado pela personalidade do poeta aliada á sua fama e a avultada correspondência que recebe, principalmente de mulheres, ele utiliza todos os meios ao seu alcance para ganhar a amizade de Neruda, incluindo o conseguir arranjar um livro de poemas dele e pedir-lhe que o autografe, o que o poeta faz, indiferentemente, escrevendo “com amizade, Pablo Neruda” (como se fosse mais um dos seus leitores), o que deixa o pobre carteiro abatido, pois o autógrafo não está nem sequer personalizado! Como é que Mario poderá alguma vez impressionar as mulheres (principalmente Beatrice Russo, a jovem por quem ele está apaixonado, interpretada pela belíssima ex-modelo e actriz Maria Grazia Cucinotta), se o seu autógrafo não for personalizado?! O carteiro procura a ajuda de Neruda para que este lhe ensine palavras para poder escrever um poema para a sua amada Beatrice, para poder comunicar melhor com ela (e ultrapassar a sua timidez).
Maria Grazia Cucinotta
    Há ainda uma cena que também é marcante, nomeadamente no que diz respeito a Mario; alguns meses depois de o poeta ter deixado o seu exílio naquela ilha mediterrânea, o carteiro recebe um recorte dum jornal onde Neruda fala da vida de solidão que manteve entre as gentes simples do mundo. O rosto de Mario contrai-se ao ler aquelas palavras do seu ídolo e essa contracção é suficiente para mostrar que ele já não é tão “simples” quanto o poeta diz. São estas pequenas cenas que fazem os filmes grandes!
     
Realizado por Michael Radford, que já nos dera o profético "Nineteen Eighty-Four - 1984" (1984) com John Hurt e Richard Burton no seu derradeiro papel no cinema ou o "The Merchant of Venice - O Mercador de Veneza" (2004) com Al Pacino e Jeremy Irons, que constitui uma das melhores adaptações de Shakespeare ao grande écran, que consegue com  "O Carteiro de Pablo Neruda" fazer um  filme simples, misto de comédia e romance, digno de alguns clássicos na melhor tradição do cinema italiano. Tudo graças a uma realização competente que tira o melhor partido dos locais de filmagem e também do trabalho dos actores.
Massimo Troisi & Philippe Noiret
    Philippe Noiret tem aqui, a par de “La Grande Bouffe – A Grande Farra” (Marco Ferreri, 1973), ou  do fabuloso  “Nuovo Cinema Paradiso – Cinema Paraíso” (Giuseppe Tornatore, 1988), um dos melhores trabalhos da sua longa carreira. O seu Pablo Neruda é perfeito graças à semelhança do actor com o verdadeiro poeta. Massimo Troisi teve aqui o papel da sua vida. Aliás, segundo o próprio realizador, a dedicação do actor ao filme foi total, nem mesmo o problema de saúde que o afectava o impedia de trabalhar (Troisi  adiou uma operação ao coração, para poder completar a sua participação no filme) . Infelizmente, não viveu o suficiente para ver o resultado do seu esforço, pois faleceu exactamente 12 horas depois do fim das filmagens, de paragem cardíaca. Ficou a interpretação inesquecível.
Juntos, os dois actores conseguem transformar a simplicidade intencional do filme numa verdadeira meditação sobre o destino, tacto, diplomacia e poesia. Pode até dizer-se que, se as circunstâncias fossem um bocadinho diferentes, Mario poderia ser ele mesmo o poeta, Neruda o carteiro, apesar desta ser uma ideia que ocorra mais facilmente a Mario.
    "O Carteiro de Pablo Neruda" foi um grande sucesso de bilheteira a nivel mundial. Vencedor de inúmeros prémios e nomeado para cinco Óscares da Academia, incluindo Melhor Filme, Melhor Actor e Melhor Realizador, mas venceu apenas na categoria de Melhor Banda Sonora.

 É um filme sobre a amizade, sobre como é que duas pessoas de mundos completamente diferentes se relacionam e como é que esse relacionamento muda as suas vidas radicalmente. Poder-se-ia dizer que a relação de amizade entre o poeta e o seu carteiro, um simples homem de poucos conhecimentos, poderia ter sido mais desenvolvida e aprofundada, mas a beleza do filme reside precisamente na sua calma e pacatez.

Nota: as imagens que vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet.


EMERSON, LAKE & PALMER II

            O trio, depois de um longo período de férias, sentindo-se revigorado, reuniu-se novamente em 1976, nos “Mountain Studios”, em Mo...