domingo, 8 de maio de 2016

O Carteiro de Pablo Neruda - Simplicidade acima de tudo!

   Um dos grandes truques do cinema sempre foi contar histórias simples e apelativas garantindo sempre bons resultados junto do público e também junto de alguma crítica. Foi o que se passou com este "Carteiro de Pablo Neruda".
 Mário vive numa ilha em Itália na década de 50 do século passado, é filho de um pescador mas não se consegue adaptar aquela vida. Graças a saber ler e escrever, ele consegue um emprego como carteiro encarregado de levar a correspondência ao poeta chileno Pablo Neruda que se encontra exilado naquela ilha. Com o passar do tempo os dois tornam-se amigos e Mário pede ao poeta que o ajude a conquistar a rapariga que ele ama.
   O filme é baseado no livro “Ardiente Paciencia”, escrito por Antonio Skármeta, em 1983, com argumento da autoria de Anna Pavignamo, Michael Radford, Furio Scarpelli, Giacomo Scarpelli e Massimo Troisi e situa a acção na década de 50, enquanto o livro e o filme homónimo, que o próprio Skármeta realizara em 1985, a situava em 1970, no Chile, na Ilha Negra, onde Pablo Neruda vivia.
   
   
O primeiro vislumbre que temos de Mario, numa cena em que ele conversa com o pai, ficamos com a ideia de que ele deve ser deficiente mental, assim como o pai que também nos deixa essa ideia, tal é a conversa entre ambos que não leva a lugar nenhum. Mas logo depois, noutra cena adiante, quando Mario discute com o encarregado do posto de correios da ilha acerca do poeta, antes de aceitar o lugar de carteiro de Pablo Neruda, percebemos que ambos têm poucos conhecimentos sobre poesia e  que afinal ele é uma pessoa normal, que foi criado numa ilha  cuja única ocupação dos seus habitantes é a pesca e  onde não existe nada de importante que se possa falar. Mas tudo isso está para mudar com a chegada de Pablo Neruda, o poeta chileno que veio para o exílio e torna-se uma atracção na ilha, os ílhéus, apesar de não saberem nada de poesia,  têm alguém a quem não negam nada, Neruda, apesar de estar exilado,  encontra a paz que não tem no seu Chile natal  e Mario, finalmente, encontra alguém que lhe ensine como falar com raparigas, e que existe algo mais do que a vida naquela ilha tranquila, de gente simples onde as mudanças e as ideia novas tardam a chegar, se é que alguma vez chegarão.
   
A relação entre ambos cresce lentamente. O poeta é um homem calmo, que vive com uma mulher (não chegamos a saber se é a sua esposa ou não), Mario percebe que eles estão apaixonados, então, fascinado pela personalidade do poeta aliada á sua fama e a avultada correspondência que recebe, principalmente de mulheres, ele utiliza todos os meios ao seu alcance para ganhar a amizade de Neruda, incluindo o conseguir arranjar um livro de poemas dele e pedir-lhe que o autografe, o que o poeta faz, indiferentemente, escrevendo “com amizade, Pablo Neruda” (como se fosse mais um dos seus leitores), o que deixa o pobre carteiro abatido, pois o autógrafo não está nem sequer personalizado! Como é que Mario poderá alguma vez impressionar as mulheres (principalmente Beatrice Russo, a jovem por quem ele está apaixonado, interpretada pela belíssima ex-modelo e actriz Maria Grazia Cucinotta), se o seu autógrafo não for personalizado?! O carteiro procura a ajuda de Neruda para que este lhe ensine palavras para poder escrever um poema para a sua amada Beatrice, para poder comunicar melhor com ela (e ultrapassar a sua timidez).
Maria Grazia Cucinotta
    Há ainda uma cena que também é marcante, nomeadamente no que diz respeito a Mario; alguns meses depois de o poeta ter deixado o seu exílio naquela ilha mediterrânea, o carteiro recebe um recorte dum jornal onde Neruda fala da vida de solidão que manteve entre as gentes simples do mundo. O rosto de Mario contrai-se ao ler aquelas palavras do seu ídolo e essa contracção é suficiente para mostrar que ele já não é tão “simples” quanto o poeta diz. São estas pequenas cenas que fazem os filmes grandes!
     
Realizado por Michael Radford, que já nos dera o profético "Nineteen Eighty-Four - 1984" (1984) com John Hurt e Richard Burton no seu derradeiro papel no cinema ou o "The Merchant of Venice - O Mercador de Veneza" (2004) com Al Pacino e Jeremy Irons, que constitui uma das melhores adaptações de Shakespeare ao grande écran, que consegue com  "O Carteiro de Pablo Neruda" fazer um  filme simples, misto de comédia e romance, digno de alguns clássicos na melhor tradição do cinema italiano. Tudo graças a uma realização competente que tira o melhor partido dos locais de filmagem e também do trabalho dos actores.
Massimo Troisi & Philippe Noiret
    Philippe Noiret tem aqui, a par de “La Grande Bouffe – A Grande Farra” (Marco Ferreri, 1973), ou  do fabuloso  “Nuovo Cinema Paradiso – Cinema Paraíso” (Giuseppe Tornatore, 1988), um dos melhores trabalhos da sua longa carreira. O seu Pablo Neruda é perfeito graças à semelhança do actor com o verdadeiro poeta. Massimo Troisi teve aqui o papel da sua vida. Aliás, segundo o próprio realizador, a dedicação do actor ao filme foi total, nem mesmo o problema de saúde que o afectava o impedia de trabalhar (Troisi  adiou uma operação ao coração, para poder completar a sua participação no filme) . Infelizmente, não viveu o suficiente para ver o resultado do seu esforço, pois faleceu exactamente 12 horas depois do fim das filmagens, de paragem cardíaca. Ficou a interpretação inesquecível.
Juntos, os dois actores conseguem transformar a simplicidade intencional do filme numa verdadeira meditação sobre o destino, tacto, diplomacia e poesia. Pode até dizer-se que, se as circunstâncias fossem um bocadinho diferentes, Mario poderia ser ele mesmo o poeta, Neruda o carteiro, apesar desta ser uma ideia que ocorra mais facilmente a Mario.
    "O Carteiro de Pablo Neruda" foi um grande sucesso de bilheteira a nivel mundial. Vencedor de inúmeros prémios e nomeado para cinco Óscares da Academia, incluindo Melhor Filme, Melhor Actor e Melhor Realizador, mas venceu apenas na categoria de Melhor Banda Sonora.

 É um filme sobre a amizade, sobre como é que duas pessoas de mundos completamente diferentes se relacionam e como é que esse relacionamento muda as suas vidas radicalmente. Poder-se-ia dizer que a relação de amizade entre o poeta e o seu carteiro, um simples homem de poucos conhecimentos, poderia ter sido mais desenvolvida e aprofundada, mas a beleza do filme reside precisamente na sua calma e pacatez.

Nota: as imagens que vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet.


EMERSON, LAKE & PALMER II

            O trio, depois de um longo período de férias, sentindo-se revigorado, reuniu-se novamente em 1976, nos “Mountain Studios”, em Mo...