domingo, 13 de março de 2016

Platoon - Os Bravos do Pelotão - A Quinta Essência do Vietname!


   François Truffaut, um dos maiores realizadores europeus de sempre e também um dos nomes grandes da “Nouvelle Vague” do cinema francês dos anos 60, disse que não era possível fazer um filme anti-guerra porque todos os filmes de guerra acabam, de uma maneira ou de outra, por transformar  o combate numa espécie de brincadeira para adultos. Ora, Truffaut, faleceu em 1984 e, como tal, não viu “Platoon – Os Bravos do Pelotão”, nem “Full Metal Jacket – Nascido para Matar” (Stanley Kubrick, 1987), porque se tivesse visto qualquer um destes filmes, provavelmente mudaria de opinião.
   
O Vietnam, como conflito bélico, sempre foi de má memória para os americanos. Para o cinema foi e continua a ser, fonte de inspiração. Dos muitos títulos existentes sobre este tema, poucos são aqueles que se aproveitam ou que até explicam alguma coisa sobre este conflicto. "Platoon – Os Bravos do Pelotão" é um deles.
Partindo da sua própria experiência naquele conflito (foi o primeiro filme a ser escrito e realizado por um Veterano do Vietname), Oliver Stone fez um grandioso filme, pleno de violência mas também cheio de humanidade. Stone piscou também o olho ao eterno conflito entre o bem e o mal, utilizando para isso as figuras dos dois sargentos, Barnes e Elias, dois veteranos com opiniões e comportamentos diferentes, sempre em constante conflito o que origina cissões inevitáveis e a necessidade de se tomar partido numa fação, dentro do que deveria ser um grupo coeso, neste caso o pelotão (“Platoon”), de que fala o título do filme.
   Quando a sua comissão terminou, em 1968, Stone escreveu um argumento para um possível filme chamado “Break”, um registo autobiográfico onde descreve detalhadamente as suas experiências, tanto com os seus pais, como com a sua estadia no Vietname. O seu regresso da comissão resultou numa enorme mudança em vários aspectos, nomeadamente na maneira como passou a encarar a vida e como via a guerra. “Break” não foi avante como filme porque o Vietname ainda estava muito fresco na memória do povo americano e os estúdios não estavam dispostos a arriscar dinheiro em filmes sobre essa temática, mas tornou-se na base daquilo que seria o argumento de “Platoon”.
   
Durante a década de 70, Oliver Stone escreveu diversos argumentos para outras tantas produções, incluindo um argumento intitulado “The Cover-up” para Robert Bolt (também ele argumentista, que trabalhou várias vezes com David Lean nas suas superproduções na década de 60), que não passou do papel, mas foi suficiente para que Stone chamasse a atenção do produtor Martin Bregman e este o incentivasse a re-escrever o seu “Break”, que pouco a pouco se transformou no futuro “Platoon”, pelo meio, Oliver Stone trabalhou na adaptação de “The Midnight Express – O Expresso da Meia-Noite”, realizado por Alan Parker em 1978, com a qual ganhou o Oscar de Melhor Argumento Adaptado. Mas mesmo assim, os estúdios continuavam relutantes em financiar um filme sobre a guerra do Vietname, já que ainda havia muita ferida por cicatrizar. Foi já bem dentro da década de 80, depois do triunfo de “The Deer Hunter – O Caçador” realizado por Michael Cimino em 1978, que arrebatou os prémios da academia para Melhor Filme e Melhor Realizador do Ano, entre outros, e de já haver passado mais de uma década sobre o fim do conflicto é que os estúdios perceberam que Oliver Stone estava a tentar fazer um filme de guerra que não era nenhuma fantasia, nenhuma lenda, nenhuma metáfora, nenhuma mensagem, mas apenas uma memória do que tudo aquilo tinha sido para ele.
   
Chris Taylor (Charlie Sheen, numa interpretação credível, talvez a mais credível da sua carreira), chega ao Vietnam como soldado e é colocado num pelotão cuja diversidade de personalidades e o conflito latente entre dois sargentos, o leva a questionar-se sobre se terá feito a escolha certa ao alistar-se para combater numa guerra incompreensível para si e para a américa. O filme é narrado do seu ponto de vista (baseado no próprio realizador), ele é um estudante da classe média americana que voluntariou para ir combater porque acredita que é o seu dever patriótico fazê-lo. Pouco tempo depois de lá chegar, alguém lhe diz “Tu não pertences aqui!” e ele acredita. No filme não existem falsos heroísmos nem heróis-tipo; Taylor rapidamente se encontra á beira dum colapso físico e psicológico também, ajudado pelas longas marchas, noites sem dormir, formigas, cobras, sanguessugas, cortes, ferimentos e o medo constante que os assola. Numa cena, logo no início, Taylor está de guarda no meio da selva e quando vê os inimigos aproximarem-se da sua posição, simplesmente bloqueia e por pouco não consegue reagir. Só muito mais á frente é que ele, gradualmente e sem se aperceber, se tornará num soldado a sério.
   
W.Dafoe, C.Sheen, T.Berenger
Ao contrário de outros filmes de guerra, mas também de outros géneros, não existe um argumento delineado que nos conduza, o que, tal como as personagens, nos deixa desorientados. Tudo pode acontecer, de preferência, sem aviso. Do écran, emergem assim, grandes figuras como o Sargento Barnes (Tom Berenger, numa interpretação magnífica, que lhe valeu uma nomeação para o Oscar), o veterano da guerra, com a cara cheia de cicatrizes, o sobrevivente de tantos combates que os seus homens acreditam que ele não pode ser morto; o Sargento Elias (Willem Dafoe, excelente interpretação que também lhe valeu uma nomeação ao Oscar), outro bom combatente, mas que tenta escapar de toda aquela realidade através das drogas; Bunny (Kevin Dillon, quase irreconhecível), o rapaz assustado que se tornou perigoso e meio doido porque lhe parece ser a maneira correcta de se proteger contra tudo e todos. Juntamente com estas personagens podemos ainda encontrar em papéis mais discretos Forest Whitaker e Johnny Deep.
   
Outro aspecto que torna “Platoon” uma obra diferente da habitual película de guerra é o facto de, ao longo de todo o filme, raramente termos o vislumbre, claro e inequívoco, dos soldados inimigos. Estes surgem em “travellings” apressados, quais fantasmas no meio da vegetação, sente-se a sua presença nos caminhos no meio da selva, vemos provas da sua passagem em diversos locais e esconderijos debaixo das aldeias, onde a presença de civis, aparentemente indefesos e confusos, cria uma sensação de perigo a toda a volta e serve para enraivecer ainda mais os americanos.  A cena que melhor ilustra esta raiva americana é a cena da destruição da vila vietnamita. Nela vemos (e percebemos) as suspeitas de que a aldeia pode ter ligações com o exército vietnamita, o que origina uma variedade de comportamentos que, conseguimos perceber, só poderão terminar num massacre total. Stone, porém, doseia e ilustra bem os momentos. Uma parte do pelotão está disposta a matar e destruir tudo ao menor pretexto (a morte da mulher, o marido que, mesmo enquanto está a ser interrogado, prefere chorar a mulher, ignorando as perguntas que lhe fazem e a filha que grita e chora enquanto Barnes a mantém refém  apontando-lhe uma pistola á cabeça) e percebemos que a raiva se torna em violência.
   Outros há que ainda conseguem controlar e manter alguma moralidade na situação, apesar de sentirem que as suas vidas podem estar em perigo no esgrimar dos seus argumentos, percebe-se o grande perigo que paira no ar quando discordam (Taylor a impedir que três ou quatro soldados violem brutalmente uma criança). Felizmente, ao contrário da magnifíca cena do ataque dos helicópteros no fabuloso “Apocalypse Now” (Francis “Ford” Coppola, 1979), que resulta na destruição duma aldeia e massacre dos seus habitantes ao som da espectacular e verdadeiramente apocalíptica “Cavalgada das Valquírias” de Richard Wagner, em “Platoon” fica-se apenas pela destruição da aldeia levada a cabo pelos soldados americanos ao som de “Adagio For Strings” de Samuel Barber, que é um momento verdadeiramente nostálgico, belo e triste ao mesmo tempo.
     
De louvar também o trabalho que Stone fez com as sequências de batalha. Enquanto no filme de guerra convencional, o campo de batalha está claramente delineado e obedece a regras próprias de combate.  Em “Platoon”, ele deu a esse mesmo campo de batalha uma dimensão de 360º graus, ou seja, qualquer tiro pode estar a ser dirigido ao inimigo como também a um amigo, como se vê na sequência de  combate final, no calor da batalha, os soldados não sabem em quem é que estão a atirar depois do inimigo ter penetrado nas sua linhas defensivas. O efeito obtido por esta maneira de filmar os combates, com disparos quase incendiários na escuridão da noite, acaba por se revelar dramático, completamente avassalador  e, logo, emocionante, porque o espectador ao pôr-se na pele das personagens, identifica-se com elas e entende que se se esconder atrás daquela árvore ou  naquela vala, estará mais seguro e protegido do fogo inimigo.
   
Oliver Stone, o realizador
Segundo o realizador este foi o primeiro filme de uma trilogia sobre o Vietnam e os seus efeitos na sociedade americana. Seguiram-se-lhe o incómodo "Born on the Fourth of July - Nascido a 4 de Julho" (1989), cuja acção  acompanha o trajecto do veterano Ron Kovic, antes durante e depois do conflicto,  e o curioso, embora quase ignorado, " Heaven & Earth - Quando o Céu e a Terra mudaram de Lugar" (1993) que conta a história dos tormentos porque passou uma jovem rapariga de uma aldeia vietnamita enquanto guerrilheira, jovem mãe, prostituta e posteriormente mulher de um Marine americano.
   
Platoon - Os Bravos do Pelotão
Vencedor de quatro Óscares, incluindo Melhor Filme e Melhor Realizador do Ano, dos oito para que estava nomeado, "Platoon" teve o condão de, se exceptuarmos o caso de "O Caçador", ser o primeiro filme a abordar directamente a temática desta guerra e ganhar a estatueta de Melhor Filme.

Uma última nota: para quem pretenda ver e perceber o que foi a guerra do Vietnam, quais as repercussões que teve no país e na sociedade americanas, favor ver os seguintes títulos: "Coming Home - O Regresso dos Hérois" (Hal Ashby, 1978); "The Deer Hunter - O Caçador" (Michael Cimino, 1978); "Apocalypse Now - Apocalypse Now e também na versão  Apocalypse Now Redux"(Francis Ford Coppola, 1979/2001); "Full Metal Jacket -Nascido para Matar" (Stanley Kubrick, 1987) e também este "Platoon - Os Bravos do Pelotão".

Nota: as imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet


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