quarta-feira, 22 de abril de 2015

“The Hurt Locker” - Estado de Guerra


   
Practicamente em todas as guerras que aconteceram no século XX, o cinema soube, umas vezes bem, outras mal, transpô-las para o grande écran. Já com a primeira década do novo século decorrida, ainda o cinema continua a reescrever a história do anterior, formando assim uma espécie de memória colectiva entre os dos séculos. mas este também já teve o seu quinhão de guerras, algumas delas ainda decorrem e estão agora a começar a ser transpostas para o grande écran.
No Iraque, um esquadrão de Élite do exército americano tem a seu cargo a perigosa missão de desarmar bombas nas zonas de combate. O Sargento William James é um desses homens que chega para liderar aquele esquadrão depois da morte do seu chefe e o seu quase à-vontade naquele ambiente choca com todo o cuidado que os seus companheiros utilizam nas missões que cumprem dia-a-dia.
   
O filme abre com uma citação “A febre da batalha  é muitas vezes  um vício  poderoso  e letal porque A Guerra é uma Droga”  de Chris Hedges, um  jornalista e correspondente de guerra do “New York Times”,  que  é apresentada como um facto, não como uma citação contextualizada como nos iremos aperceber ao longo do filme. Como sabemos, de outros filmes sobre as inúmeras guerras que assolaram a história, a maior parte dos soldados quer é cumprir o seu tempo e regressar, de preferência, inteiro a casa. Em “Estado de Guerra” acontece precisamente o contrário: o Sargento William James, encara o seu trabalho diário, de desarmar bombas debaixo de fogo inimigo, como se dum prazer diário se tratasse. É neste facto que o filme se afasta dos demais filmes de guerra e adquire a sua originalidade. Aliás o próprio título do filme marca essa diferença, “Hurt Locker”, é uma situação ou período de grande sofrimento físico e emocional, remete-nos para um armário, espaço reduzido onde se pode ficar fechado ou trancado (locker), no filme pode entender-se como sendo o quarto de cada  soldado  onde se sofre em silêncio (hurt, como adjectivo).
   

“Estado de Guerra” é baseado  nas experiências que Mark Boal, jornalista freelancer, viveu quando acompanhou, ao longo de duas semanas, uma equipa de desarmamento de bombas do exército americano durante a guerra do Iraque em 2004. Boal  utilizou essa sua experiência adquirida na linha da frente da guerra para escrever um drama ficcional baseado em acontecimentos reais. Ele disse, acerca do objectivo do filme “A ideia é que tratando-se do primeiro filme sobre a guerra do Iraque, faça sentido ao mostrar a experiência dos soldados, aquilo porque passam  diariamente e que não é habitualmente mostrado  nas notícias e não o descrevo para censurar comportamentos ou atitudes, mas sim honrar esta facilidade que me foi dada, sim porque não é todos os dias que se colocam fotógrafos ou jornalistas com  unidades militares desta élite”.  Em 2005, enquanto Boal escrevia o argumento do filme, que inicialmente, era para se chamar “ The Something Jacket”,  a realizadora começou a desenhar os primeiros “storyboards” para ficar com uma ideia que tipo de localizações iria necessitar, já que o desarmamento de bombas necessita duma área de contenção por causa do rebentamento e ela queria fazer  um filme o mais realista possível  do tipo “colocar a audiência dentro das viaturas militares utilizadas neste tipo de acção ( a gíria militar utiliza o termo “Humvee”) e fazê-la passar pela experiência no terreno”.
   
Kathryn Bigelow (de branco) nas filmagens
Kathryn Bigelow, ficou fascinada com a possibilidade de  explorar a psicologia por detrás do tipo de soldado que se voluntaria para este tipo de conflicto e que, devido  á sua aptidão, é escolhido e tem a oportunidade  de ir para as unidades de desarmamento de bombas e avança, sem medos, para aquilo de que toda a gente foge. A realizadora, autora de filmes como "Point Break - Ruptura Explosiva" (1991), um thriller policial carregado de adrenalina com Keanu Reeves e Patrick Swayze ; ou de  "Strange Days - Estranhos Prazeres" (1995), um thriller de ficção cientifíca quase profético com Ralph Fiennes, Angela Basset e Tom Sizemore, fez um filme enérgico. Evitando tomar partido em qualquer dos lados do conflito, Bigelow centra o seu filme num registo quase documental (embora não tão realista como "Redacted - Censurado" de Brian DePalma, 2007), com sentido de acção e momentos de suspense muito bem conseguidos através duma montagem minuciosa e pormenorizada (a cena da primeira missão de James ou o único momento de combate no deserto são disso exemplo).  Bigelow não utiliza subterfúgios nem situações onde se percebe que é um mecanismo forçado.  O suspense e a acção são reais e merecidos.
   
As filmagens tiveram início em julho de 2007, na Jordânia, cuja geografia é muito semelhante á do Iraque, depois de ter considerado a hipótese de filmar em Marrocos, mas foi descartada porque as cidades marroquinas não se assemelhavam a Bagdad. Inicialmente Kathryn Bigelow queria ir filmar no Iraque, mas rapidamente mudou de ideias porque ninguém lhe conseguia garantir as condições de segurança necessárias para filmar. Para conferir o grau de autenticidade pretendido, Bigelow, utilizou refugiados iraquianos como extras e obrigou o elenco do filme a trabalhar sob o calor de Médio Oriente onde as temperaturas, nesta altura, rondam os 49ºC. Diariamente eram utilizadas quatro ou mais cameras que filmavam simultaneamente, o que resultou em cerca de 200 horas de filme, ao longo dos 44 dias que durou a rodagem.

Há no filme, para além do lado bélico, um lado humano que Kathryn Bigelow também consegue captar ( a cena em que James, comovido, trata do corpo do miúdo bombista como se de um filho seu se tratasse; ou quando o mesmo James telefona para casa só para ouvir a voz dos seus entes queridos; ou ainda as cenas passadas nas casernas e as conversas e brincadeiras que eles têm entre si), o que torna a obra mais interessante.
   
Com um elenco prácticamente desconhecido onde sobressai o nome de Jeremy Renner (nomeado para o Oscar de Melhor Actor) que interpreta William James, cuja frieza no campo de batalha (neste caso, no desarmamento de bombas) só é ultrapassada pelas suas próprias fraquezas (a raiva que sente quando vê o que fizeram a Beckam, o miúdo por quem sente alguma amizade). Ele não é o típico herói de acção (aqui, uma vez mais, “Estado de Guerra” afasta-se do convencional filme de guerra/acção), ele é um especialista, é como um cirurgião que se foca numa parte do corpo humano, vezes sem conta, dia após dia de modo a poder operar em qualquer circunstância. James percebe de bombas, conhece-as de dentro para fora  e estabelece com elas uma relação quase psíquica ao nível da mente, tornando o filme ainda mais empolgante porque o espectador fica com uma quase certeza de que o autor da bomba a ser desmantelada está presente na cena (graças aos planos com que  Kathryn Bigelow nos presenteia de curiosos que estão nas varandas ou atrás de alguma janela a olhar para a cena na rua), tão curioso acerca dela como James. Dois profissionais a trabalhar um contra o outro. James tem um comportamento irresponsável por vezes, corre riscos desnecessários de uma maneira ousada, mas no que toca a desmantelar uma bomba, ele é tão cuidadoso como um cirurgião deve ser.
   
A interpretação de Renner é firme e credível (a já citada cena com o corpo do miúdo bombista ou aquela em que James, num supermercado não consegue decidir que cereais deve comprar para o filho, servem de exemplo da maneira como o actor agarrou a personagem). No elenco surgem ainda nomes de Anthony Mackie e Brian Geraghty, ao lado de outros nomes  conhecidos como Ralph Fiennes, David Morse, Evangeline Lilly ou Guy Pearce em interpretações secundárias.
“Estado de Guerra” teve a sua estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Veneza em setembro de 2008 e recebeu uma ovação de pé durante  10 minutos no final da exibição. Recebeu diversos prémios  e honrarias nos vários festivais em que foi sendo apresentado, tanto na europa como nos Estados Unidos.
   
Nomeado para nove Óscares da Academia, "Estado de Guerra" venceu seis, incluindo o de Melhor Filme do Ano e Melhor Realização e fez história. Após ser apenas a terceira mulher a ser nomeada para o prémio de Realização, depois  Jane Campion por " The Piano -  O Piano" em 1993 e Sofia Coppola por "Lost in Translation – O Amor é um Lugar Estranho" em 2003. Kathryn Bigelow tornou-se na primeira mulher a ganhar o Oscar de Melhor Realização.
“Estado de Guerra” é  um grande filme, um filme inteligente, feito claramente para que se saiba exactamente quem é quem, onde se encontra, o que faz, porque é que o faz.  O trabalho de camera e a própria realização estão ao serviço da história. Bigelow sabe contar uma história e também sabe que o suspense não se cria com takes de dois ou três segundos e que não se consegue contar uma história que trata do mistério porque é que um homem como James depende tanto de pôr a sua vida em risco.
     Abordando uma temática pouco habitual neste género e tratando-se de um primeiro filme sobre uma guerra que ainda é muito recente, "Estado de Guerra", não será o filme definitivo sobre o conflito do Iraque, longe disso, é uma contribuição para o estudo do conflito e nesse campo é um filme obrigatório que só o tempo se encarregará de elevar ao estatuto que merece.

Nota: as imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da internet.







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