O Tempo passa sem parar, como um rio que corre em direcção ao mar, dissipa-se nas brumas da Memória colectiva... É o Tempo que serve a memória ou é a memória que serve o Tempo?
Em 1956,
o filme “ The Killing – Um Roubo no Hipódromo”, reaiizado por Stanley Kubrick,
deu nas vistas entre a crítica, apesar do relativo fracasso nas bilheteiras,
muito por culpa da distribuidora que não soube (ou não quis) promover o filme.
A história, simples, do planeamento e assalto a um hipódromo durante um dia de
corridas de cavalos, do qual iriam resultar cerca de 2.000.000 de dólares para
os cinco executantes, começou a correr bem até acabar mal para todos. Apesar da
banalidade da história, já diversas vezes vista no grande écran, nomeadamente
no filme “Asphalt Jungle – Quando a Cidade Dorme” (John Huston, 1950), o que
chamou a atenção foi a técnica que o jovem realizador, então com 29 anos, usou
para contar a história: a divisão do écran para mostrar o que cada personagem
faz antes, durante e depois do assalto, a câmara subjectiva mostrando o ponto
de vista de cada um dos envolvidos e a narrativa em “voz off”. O filme trouxe
também um novosub-género para o
policial, o chamado “Caper Movie”.
O
“Caper Movie” também chamadofilme de esquema, golpe e /ou assalto, é um tipo de filme cuja
premissa principal é baseada em algo que alguém faz, motivado por um qualquer
motivo, seja ele de vingança ou puro prazer, como por exemplo, montar um
esquema para extorquir dinheiro a alguém ou alguma organização, ou assaltos a bancos,
supermercados, instituições variadas, depois de ser meticulosamente planeado e
feito ilegalmente. O “Caper Movie” nunca foi um género muito explorado pela
sétima arte, embora tenham existido alguns filmes que deram expressão ao
género, tais como os supra-citados, aos quais podemos ainda juntar “Ocean’s
Eleven –Os Onze de Oceano” (Lewis Milestone, 1960), com Frank Sinatra, Sammy
Davis, Jr. E Dean Martin, entre outros; ou o famosíssimo“The Sting – A Golpada” (George Roy Hill,
1973). Com Paul Newman, Robert Redford. Entre estes dois, surge também “The
Thomas Crown Affair – O Grande Mestre do Crime”, realizado em 1968 por Norman
Jewison. Com Steve McQueen e Faye Dunaway.
Thomas
Crown é um milionário e empresário de sucesso. Jovem, inteligente,gosta de jogar Pólo e de fazer desportos
radicais como voar de planador. Tem tudo para ser o mais feliz dos homens, mas
quer sempre mais e, como tal, gosta de correr riscos. Quando não está na pele
do empresário milionário, entretem-se a planearassaltos a bancos cada vez mais audaciosos. Vickie Anderson, agente de
seguros, é chamada para investigar o roubo de cerca de 2.000.000 de dólares num
banco em plena luz do dia ecolaborar na
investigação da polícia na tentativa de deslindar o assalto e assim receber uma
percentagem do que for recuperado. Vickie vê em Thomas um possível envolvido no
roubo e pretende prova-lo. Entre os dois começa então um jogo de gato e rato,
do qual, independentemente, do resultado, só um é que pode sair vencedor.
O
filme começa com uma série de múltiplas imagens no écran: uma cabine telefónica
no écran superior direito, um dedo a marcar um número de telefone no écran
abaixo e alguém a aguardar uma chamada telefónica algures. Ao longo de todo o
início do filme estas imagens, mostrando uma mesma acção a decorrer em diversos locais, darão o mote
para o que se segue: quando Crown pousa o telefone, acontece o assalto e os
dados estão lançados.
Esta
técnica, de imagens múltiplas em vários écrans, tinha sido introduzida no ano
anterior, nomeadamente no filme-documentário “A Place to Stand”,escrito, realizado e montado por Christopher
Chapman, que serviu para apresentar o estado do Ontário, na “Expo ‘67” que
decorreu em Montreal , no Canadá e antes já tinha sido usada, num modo muito
mais simplista, no filme “Grand Prix – Grande Prémio” (John Frankenheimer,
1966).
Norman Jewison e os dois protagonistas
Norman
Jewison, depois do triunfo com “In the
Heat of the Night – No Calor da Noite”, que, no ano anterior, levara para casa
o Oscar de Melhor Filme do Ano, entre outros prémios, queria fazer um filme
diferente daquele.O
realizadorfoi um dos convidados para
ver a ante-estreia do documentário de Chapmane ficou entusiasmadocom aquela
técnica inovadora. Algum tempo depois chegou-lhe ás mãos um argumento escrito
porAlan R. Trustman, Jewison achou-o
adequado para utilizar aquela novatécnica e chamou o director de fotografia Haskell Wexler e o editor Hal
Ashby, que haviam trabalhado com o realizador no filme anterior, tendo este
último sido vencedor dumOscar com “No Calor
da Noite” e falou-lhes na sua ideia. Ambos aceitaram e a técnica foi
incorporada depois do produto ter sido finalizado. Apesar da fotografiainovadorae a montagem primorosa, o filme não obteve o devido reconhecimento.
“It’s
about me,me and the System”, é assim
que Thomas Crown justifica o puro prazer que lhe dava conceber assaltos cada
vez mais arrojados. À luz dos dias de hoje é difícil conceber estas palavras
ditas por qualquer outro actor que não fosse Steve McQueen, eterno galã da sétima
arte e rei do “cool” que o imortalizara em produções anteriores como “OsSete Magnifícos” (John Sturges, 1960),; “ A
Grande Evasão” (John Stuges, 1963); “O Aventureiro de Cincinnatti” (Norman
Jewison, 1965) , entre outros, nem o haveria de perder em “Bullitt” (Peter
Yates, 1968), que na altura ainda não estreara nos cinemas. Faye Dunaway
interpreta Vickie Anderson , a agente de seguros que , malconhece Crown, inicia um jogo de gato e rato
com o seu alvo que tem o seu momento mais alto na cena da famosa partida de
xadrez que se transforma num autêntico jogo de sedução, brilhantemente montado
(com o écran dividido em duas partes para mostrar ambas as personagens e suas
reacções) e fotografada em tons quentes para apimentarsedução. Dunaway foi uma segunda escolha já
que inicialmente o papel seria para Eva Marie Saint, mascomo a primeira estava no topo da fama , pois
no ano anterior participara em “Bonnie & Clyde” (Arthur Penn) e pareceu ser
a escolha certa pois a actriz não teve qualquer problema em adaptar-se aquela
personagemduma beleza avassaladora,
carregada de sensualidade, inteligência e pouco escrupulosa nos seus meios para
alcançar os fins.
O xadrez como jogo de sedução
Tirando
a quimíca quase perfeita entre os dois protagonistas que resulta dos brilhantes
diálogos de um argumento bem escrito, ficamos com uma história bem contada, um
constante jogo de perspicácias levadas a cabo por cada uma das partes(bem patente na cena em que Vickie, por
entre os inúmeros suspeitos possíveis, agarra na foto de Crown , olha-a
profundamente e diz sem rodeios “That’sthe one!”),graças a uma realização estilizada de Norman Jewison que
nunca deixa o o filme cair na monotonia ou na vulgaridade e cujo desfecho
permanece um mistério até á última cena. Além da já citada cena do xadrez, um
outro aspecto, muitas vezes ignorado pelo público, contribuiu para que este
filme se viesse a tornar numa obra de culto ao longo das décadas: a excelência
da banda sonora, da autoria de Michel Legrand adequadamente composta para criar
todo o ambiente em que o filme decorre, além do famosíssimo tema “The Windmills
of Your Mind”,cantado por Noel
Harrison, com o tom certo, ponderado e até algo frio para estar de acordo com o
personagem de Steve McQueen. A canção, um dos mais belos temas que alguma vez
se ouviu num filme, seria muito justamente premiado com o Oscar da Academia
para Melhor Canção, um dos dois prémios para que o filme foi nomeado.
Em
1999, foi feito um remake do filme, “O Caso Thomas Crown”, realizado por John
McTiernan e com Pierce Brosnan e Rene Russo como protagonistas. Faye Dunaway
faz um breve papel como psicanalista de Brosnan. Talvez devido ao mediatismo de
Brosnan, que na altura interpretativa o papel de James Bond 007 no cinema, o
filme foi um inesperado sucesso, apesar de não ter a frescura do original,
acaba por ser um interessante filme de polícias e ladrões.
Nota: as imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da internet