segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Os Eleitos – À Conquista do Espaço


 
O ano de 1983, viu nascer um dos grandes filmes de década de 80 e um dos grandes clássicos contemporâneos. "The Right Stuff" em português chamou-se "Os Eleitos" e foi uma das pouca vezes em que o título nacional fez justiça ao nome original.
Em 1947, após o final da IIªGuerra Mundial, a América começa a olhar para o espaço, alguns pilotos de ensaio, residentes na Base Aérea de Muroc, na Califórnia, tentam ultrapassar a barreira de som (que se dizia ser um demónio que vivia no céu e impedia os pilotos de passar por si), sabendo que outros já o haviam tentado e nem todos haviam sobrevivido. Alguns anos depois, em 1953, Muroc, agora Base Aérea de Edwards, transforma-se no centro de ensaio e todos os pilotos, dignos desse nome, rumam para lá na expectativa de entrarem no Programa Espacial da corrida ao espaço que estava a começar.
 
Adaptado do romance de Tom Wolfe, com o mesmo nome, o filme esteve, por diversas razões, para não ser feito. Em finais de 1979, Robert Chartoff e Irwin Winkler, produtores independentes venceram a Universal Pictures na corrida para a adaptação cinematográfica do livro que tinha sido publicado no início do ano. William Goldman, argumentista de renome foi encarregado de transformar o livro em filme. O argumento focava-se inteiramente nos astronautas e no Programa Mercúrio, ignorando totalmente os feitos de Chuck Yeager. Os produtores não gostaram da adaptação de Goldman, opinião também partilhada pelo realizador Philip Kaufman. Em meados de 1980, William Goldman afastou-se do projecto. Foi feita uma aproximação a Tom Wolfe, que se mostrou desinteressado em adaptar o seu próprio livro. Foi então que Kaufman pegou na obra e, em oito semanas, escreveu um argumento que trouxe de volta Yeager e estabeleceu os contrastes existentes entre este e os “sete do Projecto Mercúrio” e suas famílias, porque, nas suas próprias palavras “Se se está a traçar a história de como o futuro começou, o futuro das viagens no espaço, ele começou com Yeager e o universo dos pilotos de ensaio. Os astronautas descendem deles…”
 
Em 1981, porém o fracasso de “Heaven’s Gate – Ás Portas do Céu”, um western visionário, ao estilo superprodução, realizado por Michael Cimino, pôs “Os Eleitos” em espera, já que a United Artists , responsável por aquele filme, declarou falência. Foi então que a Ladd Company, pertencente a Alan Ladd, Jr., filho do actor Alan Ladd, associada á Warner Bros., entrou com 17.000.000 de dólares necessários para avançar com a produção, (embora o orçamento total tenha sido de 27.000.000 de dólares), que teve início em março de 1982 e terminaria em outubro do mesmo ano.
 
Realizado por Philip Kaufman, argumentista de “Os Salteadores da Arca Perdida” (Steven Spielberg, 1981) ou de “O Rebelde do Kansas” (Clint Eastwood, 1976); realizador do curioso “Invasion of the Body Snatchers – A Invasão dos Violadores” (1978), com Donald Sutherland e Brooke Adams, remake do clássico de ficção científica com o mesmo título original, mas que por cá se chamou “A Terra em Perigo” (Don Siegel, 1956); do semi-erótico “Henry & June – Henry e June” (1990), sobre os amores da escritora Anais Nin com o também escritor Henry Miller, com os desempenhos de Fred Ward, Uma Thurman e da portuguesa Maria de Medeiros; do interessante “The Unbearable Lightness of Being – A Insustentável Leveza do Ser” (1988), adaptação do romance de Milan Kundera cuja acção se passa na Checoslováquia antes e depois da Invasão Soviética em 1956, com o ainda relativamente desconhecido Daniel Day-Lewis, Juliette Binoche e Lena Olin; ou de “Rising Sun – Sol Nascente” (1993) um excitante policial tecnológico adaptado do romance de Michael Crichton com Sean Connery e Wesley Snipes, entre outros, "The Right Stuff", a obra-prima do realizador, cedo se transforma num filme excitante, embora longo, nunca se torna aborrecido.
 
Rapidamente se percebe que “Os Eleitos” assenta em dois aspectos que são fundamentais para o desenvolvimento desta história dos primeiros passos em direcção á conquista do espaço: o primeiro, são os dois homens que assombram o filme. Um fala pouco e o outro, nada. O primeiro é, claro, Chuck Yeager (interpretado por Sam Shepard, num dos seus melhores papéis), geralmente reconhecido como o melhor piloto de ensaio de todos os tempos, que se julga a si próprio pelos feitos (logo desde o início se percebe que ele é o único que tem “The Right Stuff”, ou seja, utilizando uma definição algo provocadora, é “aquele que tem tudo no lugar”!) e não pelas palavras. O outro é o padre da força aérea que oficializa os frequentes funerais e é uma presença agoirenta no bar onde os pilotos confraternizam (brilhante a cena em que uma esposa recém-chegada pergunta como é que um piloto pode ter a sua foto na parede por detrás do balcão. A resposta, lacónica, dada por Pancho Barnes, a dona do bar, é imediata: Só tem de morrer.).
O segundo aspecto é a meticulosa reconstituição duma época em que se estava a iniciar a guerra fria (com alguma paranóia própria à mistura), torna o filme por vezes algo complexo. Mas não é só no ambiente histórico que se constrói este fabuloso filme: a produção trouxe também uma enorme quantidade de modelos de aviões; entre simuladores de vôo, aviões de exposição e aviões verdadeiros daquele período, são mais de 80 os modelos que vão surgindo ao longo das mais de três horas de filme.

 
Carregado de cenas memoráveis ( como, logo no início, o vôo de Yeager a tentar quebrar a barreira do som; a cena, carregada de simbolismo, do funeral que é sobrevoado por aviões em homenagem ao falecido, dos quais um se ausenta da formação; ou o treino dos futuros astronautas), extremamente realistas, principalmente na recriação dos vôos espaciais (ver a cena do vôo de John Glen que o torna no primeiro homem a orbitar a terra ou, quase no final, o de Gordon Cooper que, de acordo com a voz-off, por momentos foi “aquele que foi mais alto, mais longe e mais depressa do que qualquer outro e que foi o último astronauta a voar sozinho”) e interpretado por um elenco de actores e actrizes que se viriam a tornar, alguns deles, em verdadeiras estrelas: além do já referido Sam Shepard, incluem-se também, Ed Harris, Dennis Quaid, Barbara Hershey, Fred Ward, Scott Glenn, Lance Henrikssen, Veronica Cartwright, Jeff Goldblum, entre outros.
 
Sam Shepard e Chuck Yeager
Para conferir um grau de autenticidade ao filme, o verdadeiro Chuck Yeager foi contratado como consultor técnico e faz uma pequena participação. Ele levou os actores que interpretaram os sete astronautas a voar, analisou minuciosamente os “storyboards” de cada cena e os Efeitos Especiais, apontando e corrigindo erros que encontrasse. Para além disto, Kaufman deu aos seus técnicos de montagem, uma lista de documentários, contendo imagens de arquivo da época, necessários para o filme pedindo-lhes que investigassem todos os locais possíveis (desde a Base Aérea de Edwards até á NASA, passando pelos arquivos da Força Aérea), no decorrer destas investigações, foram encontradas imagens de arquivo russas nunca vistas em mais de 30 anos.

 
Mas como acontece sempre quando um filme conta uma história real, nunca se livra de alguma polémica á mistura. Como tal, “Os Eleitos” não foi exepção: apesar do filme tomar algumas liberdades em relação aos acontecimentos retratados, os detractores do filme focaram-se numa dessas “liberdades dramáticas”: o retrato do pânico que o astronauta Gus Grisson (Fred Ward) sente quando a sua cápsula “Liberty Bell 7" se afunda após a queda no mar. Muitos estudiosos, da época, assim como engenheiros que trabalhavam na NASA, estão convencidos que a detonação da escotilha se deveu a uma falha técnica do foguetão e não a erro humano deliberado (como acontece no filme), mas como Kaufman seguiu á risca o livro de Wolfe, que se foca, não no porquê ou como a escotilha detonou, mas sim como os colegas e familiares depreenderam que tinha sido ele a causar a detonação, não alterou nada, deixando que toda a sequência siga á risca a narrativa.
 
Vencedor de 4 Óscares da Academia, incluindo Melhor Montagem e Melhor Banda Sonora ( a música de Bill Conti é extremamente épica e integra plenamente a acção do filme), entre oito nomeações, perdeu o Melhor Filme e a Melhor Realização para "Laços de Ternura" (vá-se lá saber porquê!), "Os Eleitos" foi um grande sucesso de bilheteira, principalmente na europa, já que nos estados unidos, apesar de bem recebido e louvado pela crítica, o filme rendeu apenas 21.500.000 dólares. Dir-se-á que o público não estava preparado para um filme que fizesse a aproximação ao programa espacial, com cepticismo, comédia e alguma ironia á mistura. Mas rapidamente subiu ao pódio dos grandes filmes, ao lado de outras obras-primas contemporâneas, como "Touro Enraivecido" (Martin Scorsese, 1980), "Os Salteadores da Arca Perdida" (Steven Spielberg, 1981), “E:T. - O Extraterrestre” (Steven Spielberg, 1982) ou mesmo “Gandhi” (Richard Attenborough, 1982) e abrindo caminho para futuras incursões cinematográficas na história espacial americana, como por exemplo “Apollo13 – Apollo 13” (Ron Howard, 1995).
   Grande filme de aventuras, carregado de romance, de heroísmo de todos aqueles homens e suas mulheres, mas, principalmente, foi uma história verídica que aconteceu no nosso tempo e isso diz tudo!

Nota: as imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da internet












sábado, 8 de fevereiro de 2014

“Big Blue” – Vertigem Azul - Azul Profundo



                     
   O mar sempre foi uma fonte de inspiração para qualquer realizador. Muitos são os filmes cujas primeiras cenas são o mar. Na maioria dos casos é como se de um regresso a casa se tratasse. "Vertigem Azul" também sofre dessa tendência.
   Jacques e Enzo foram criados juntos numa aldeia situada à beira do mar Mediterrâneo. Partilham a mesma paixão pelo mar. Um dia, porém, um acidente vitima o pai de Jacques  fazendo  com que os dois percam o contacto durante anos. Quando se reencontram, Enzo é campeão de mergulho livre, enquanto Jacques se tornou treinador de golfinhos e colaborador ocasional dos homens da ciência. Entre os dois, apesar da amizade que os une há mais de 20 anos, nasce uma grande concorrência não só pelo título de campeão mundial de mergulho livre, como também pelo interesse de uma mulher.
   O filme, apesar de se centrar numa rivalidade fictícia, é baseado na história verídica dos verdadeiros campeões de mergulho livre, Jacques Mayol (que também colabora no argumento) e Enzo Maiorca ( que no filme foi rebaptizado de Enzo Molinari), que, não só tinham alguns anos de idade  de diferença, como nunca competiram juntos.  Besson, para não tornar o filme demasiado monótono, teve o cuidado de dividir a acção em  dois tempos distintos: a sua crescente rivalidade enquanto crianças e, já adultos, na sua competição final durante o Campeonato do Mundo de Mergulho Livre, na cidade de Taormina, na Sicília. O segundo momento (e isso é um achado de Luc Besson) tem também outro aspecto importante, que torna o desenrolar da história mais interessante para além da competição, que é a constante procura de Mayol  pelo amor, família, o todo e o sentido da vida e da morte.
   
Realizado por Luc Besson, autor de, por exemplo "O Último Combate"(1983) sobre os devastadores efeitos que uma guerra nuclear faz aos seres humanos, privando-os da fala, vencedor de vários prémios de cinema fantástico nomeadamente no festival de Avoriaz e no Fantasporto; "Subway - Subterrâneo" (1985) sobre a população que habita o metro de Paris fora de horas; "Nikita –Dura de Matar" (1990) sobre os assassinos treinados por organizações secretas e que depois foi objecto de um remake de qualidade  inferior chamado "Point of No Return - A Assassina" (John Badham,1993)e de uma série de televisão, em 2010; "Leon – O Profissional" (1994) primeiro filme americano de Besson e grande sucesso de bilheteira; ou ainda "O Quinto Elemento"(1997) considerado o filme mais caro do cinema europeu.
    "Vertigem Azul", juntamente com o documentário "Atlantis" (1991) que o realizador fez sobre a vida marinha, são os projectos que Besson considera pessoais pois estão relacionados com a sua infância quando percorria o mundo com os pais que eram instructores de mergulho. O mar era a sua casa e reflexo disso são as primeiras imagens do filme: O Mediterrâneo, filmado num maravilhoso preto e branco com a lindíssima banda sonora de Eric Serra (colaborador habitual do realizador) como pano de fundo, assim como todo o prólogo passado numa ilha grega onde somos apresentados à personagem de Jacques Mayol. Besson filma o seu mergulho intensamente como se dele próprio se tratasse e estabelece assim o mote do filme.
Todas as sequências subaquáticas estão excepcionalmente bem filmadas e de maneira a que o espectador se sinta transportado cada vez que os protagonistas se lançam na sua vertigem pelo azul do mar.
   Inicialmente, Luc Besson não tinha a certeza sobre quem é que deveria fazer a personagem  de Jacques Mayol. O realizador pensou em oferecer o papel a Christopher Lambert e Mickey Rourke e até considerou ser ele próprio a interpretar a personagem.
   Contando com Jean Reno (outro colaborador habitual do realizador ), um dos actores europeus mais requisitados para produções internacionais, no papel de Enzo Molinari. O actor tem aqui um dos seus papéis mais importantes e também um dos seus preferidos, apesar da personagem ser a de um homem obcecado pela ganância de continuar a ser o campeão mundial de mergulho livre sem olhar a meios para o manter. Jean Marc Barr e Rosanna Arquette completam o trio à volta do qual vai girar toda a história de "Vertigem Azul".
   Magnificas cenas como a do porto Italiano em que Enzo salva um homem de morrer afogado; as cenas do trio em Taormina; os testes a que Jacques é submetido no gelo ou ainda a cena final no mar entre Jacques e Enzo, fazem de "Vertigem Azul" um drama muito realista e um dos melhores filmes de Luc Besson, embora não isento de alguma dúvida no que diz respeito ao final do filme.  O final original foi intencionalmente deixado em aberto  para que cada espectador fizesse a sua própria interpretação, apesar de ficar a sugestão de que a profundidade a que Mayol desce tornava impossível o seu regresso, vivo, á superfície em circunstâncias normais. Mas tal pode não ser inteiramente verdade, já que, tal como é sugerido ao longo do filme, o corpo de Jacques Mayol  não é um corpo normal e, logo a seguir á cena em que ele acorda no hospital e tem aquele estranho sonho, poderá (ou não) achar-se que ele está pronto para uma vida aquática, daí a sua (possível) morte ser uma conclusão algo precipitada. O realizador terá pensado que assim seria a melhor solução…quem somos nós para o contradizer?
   Exibido fora de competição, em maio de 1988, durante o Festival de Cannes, “Vertigem Azul”, foi um grande sucesso de bilheteira em frança, onde esteve em exibição mais de um ano; nomeado para vários Césares (Oscares do cinema francês), venceu nas categorias de Melhor Banda Sonora para Filme e Melhor Som. Também  em 1989 o prémio da Academia Nacional de Cinema Francês foi entregue a  Luc Besson.
   Apesar do enorme sucesso um pouco por toda a europa, nos estados unidos, o filme foi um rotundo fracasso de bilheteira, muito devido á remontagem para uma duração de 118 minutos, feita pelo estúdio que distribuiu o filme, que quis incluir um final feliz (uma espécie de final alternativo ao destino de Jacques Mayol) e substituído a banda sonora original de Eric Serra por uma composta pelo consagrado Bill Conti. Mais tarde foi distribuída a versão  considerada  normal e a que foi exibida na europa com a duração de 132 minutos. Só muito mais tarde é que foi distribuída, apenas,  para circuito DVD a versão mais longa, com o final original e a banda sonora integral de Eric Serra.
 
Lançado no cinema em duas versões: uma de 132 minutos que fez carreira nos cinemas um pouco por todo o mundo. Só depois do sucesso do filme, já em meados da década de 90,  é que o realizador decidiu lançar a Versão de Realizador, com a duração de 168 minutos, contendo inúmeras sequências inéditas onde se explica um pouco melhor o relacionamento de Jacques Mayol com os golfinhos ou onde se pode apreciar melhor a competição entre as duas personagens. O filme ganha uma nova dimensão, a vertigem torna-se mais azul e este torna-se muito mais profundo.
Considerado bonito e sereno por alguns, demasiado longo, reflexivo e introspectivo por outros, “Vertigem Azul “ tem pelo menos uma certeza:  quem quiser desfrutar de um filme e de uma experiência diferente,  é só deixar-se envolver pela música e mergulhar nesta imensa vertigem azul chamada mar.


Nota: as imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da internet





EMERSON, LAKE & PALMER II

            O trio, depois de um longo período de férias, sentindo-se revigorado, reuniu-se novamente em 1976, nos “Mountain Studios”, em Mo...