quinta-feira, 8 de maio de 2014

Danças com Lobos – A Revitalização de um Género


   
Com algumas raras excepções dentro do género Western, os índios sempre foram considerados os maus da fita e, até não há muito tempo atrás, por falta de classificação genérica, eram chamados "filmes de índios e cowboys"( porque em qualquer filme do género havia sempre um combate entre índios e cowboys). Tudo isto foi mudando com o passar dos tempos, os filmes passaram a ser conhecidos como "Western" (porque se contava a história do avanço da civilização, a descoberta e colonização de novos territórios para Oeste). Actualmente poucos realizadores arriscam filmar um western talvez com medo estragar o resultado final.
    O Tenente John J.Dunbar, é ferido na Guerra de Secessão. Ao escolher suicidar-se em combate ou  sofrer uma amputação da perna ferida,  torna-se um herói da Guerra de Secessão ao conduzir os Nortistas a uma vitória sobre os Sulistas. Como recompensa, pede uma colocação num posto Fronteiriço para oeste. Quando questionado sobre os seus motivos para tal escolha, o militar diz querer ver a Fronteira antes que ela desapareça. É-lhe dado Forte Sedgwick, um posto que ele encontra semi-destruído e abandonado. Sozinho no meio do oeste selvagem e com a tarefa de manter o posto a funcionar, Dunbar, a princípio teme, mas depois torna-se amigo dos índios Sioux, aprende os seus costumes e estilo de vida enquanto os prepara para o perigo  que se avizinha.
    
Estreia auspiciosa de Kevin Costner na realização. O actor de filmes de sucesso como "Silverado" (Lawrence Kasdan, 1985), "Alta Traição" (Roger Donaldson, 1987), "Os Intocáveis" (Brian DePalma, 1987) ou "JFK" (Oliver Stone, 1991) entre outros, filma, apesar de não ter ainda um estilo próprio, com gosto e com o conhecimento do bom aluno que devorou todos os filmes deste género a que pôde deitar a mão. Tendo em mente os filmes de John Ford (o indiscutível mestre do western), Howard Hawks, Raoul Walsh ou mesmo Michael Curtiz, o resultado não desilude e convence. Qualquer um deles ficaria satisfeito com o trabalho de Costner.
   
Originalmente “Dances With Wolves” foi um argumento específico escrito por Michael Blake numa altura em que tentava singrar  no cinema. Com apenas um argumento escrito e adaptado ao cinema, o obscuro “Stacy’s Knights” (Jim Wilson, 1983), com Kevin Costner, ainda no principio da sua carreira, Blake parecia condenado ao esquecimento quando Costner, depois de ler o seu argumento, o encorajou a transformá-lo num romance de western, aumentando as suas hipóteses de ser  produzido. Rejeitado por diversas editoras, acabou por ver a luz do dia em 1988. Costner, na altura já um actor de sucesso, comprou os direitos de adaptação já com a ideia de a realizar.   
   Adaptando o seu próprio romance, Michael Blake, permite que  Costner  filme o orgulho da nação índia e o avanço da civilização (retratada na cena da prisão e espancamento de Dunbar pelos seus compatriotas brancos) e os problemas que esse seu orgulho lhe estaria a trazer (toda a sequência do êxodo da tribo nos remete para esse momento), mas também filma a fronteira com um grande sentido narrativo e bom gosto (as cenas da imensidão da paisagem e a excepcional banda sonora de John Barry fazem qualquer um sonhar), põe em imagens os pensamentos e as acções de John Dunbar e nalguns casos faz com que o espectador faça parte da acção, onde o melhor exemplo é toda a sequência da caçada ao búfalo, na qual são utilizados cerca de várias dezenas de índios verdadeiros e algumas centenas de animais: muito bem realizada e extraordinariamente bem montada (o Óscar da Academia que o filme venceu nessa categoria, é disso exemplo).
   Igualmente bem filmadas estão as cenas do primeiro encontro entre Dunbar e os Sioux (com algum humor à mistura quando Dunbar tenta fazer café perante a audiência índia), a cena onde Dunbar tenta fazer com que "Ave que Esperneia" (magnifico Graham Greene) perceba que a civlização, simbolizada pelos brancos, está a chegar ou ainda a cena em que Dunbar e "Punho Erguido" (o melhor papel de Mary McDonnell no cinema) são apresentados um ao outro (é dramática a tentativa de "Punho Erguido" tentar expressar-se em inglês a sua língua materna há muito tempo esquecida) muito bem captado o dramatismo da cena num momento de rara beleza cinematográfica.
   
A rodagem durou cerca de quatro meses, entre 18 de julho e 23 de novembro de 1989. Apesar de numerosos atrasos, principalmente devido ás impreviseis condições meteorológicas no Dakota do Sul (onde decorreu a maior parte da rodagem) . O orçamento foi diversas vezes ultrapassado e dos 15.000.000 de dólares inicialmente previstos, Costner teve de desembolsar mais cerca de 3.000.000 do seu próprio bolso e viu-se também  obrigado a quebrar algumas das “regras douradas” aplicadas a realizadores estreantes: nomeadamente o tentar evitar o mais possível trabalhar fora dos estúdios e utilizar crianças e animais.

    
Um outro ponto importante da obra e que a torna de certa maneira original, é o facto de grande parte do filme ser falado em Lakota (dialecto índio). Antes, apenas "Um Homem chamado Cavalo" (Elliot Silverstein, 1970), era quase todo falado em dialecto índio o que na altura levou a que o filme fosse algo ignorado pelo público e nem mesmo a presença de Richard Harris no elenco o salvou desse esquecimento. Quando questionado sobre o facto de parte do filme ser falado em dialecto índio, Kevin Costner disse que é para lhe conferir mais autenticidade. Ele lá sabia do que falava.

Contra todas as expectativas daqueles que viam nesta obra um novo fiasco igual ao que fora “Heaven’s Gate –  As Portas do Céu” de Michael Cimino, dez anos antes, o filme foi aclamado por críticos e o público transformou-o num grande êxito de bilheteira fazendo uma bilheteira de 184.000.000 de dólares nos estados unidos e uns espantosos (para a altura e tendo em conta a temática) 424.000.000 de dólares no resto do mundo!. Além do sucesso planetário, maior  foi o  triunfo na cerimónia dos Óscares, onde nem mesmo a presença de Francis “Ford”Coppola com a terceira parte da sua ópera magnânima "O Padrinho", impediria a vitória quase total da estreia de Costner na realização. Com Doze nomeações, "Danças com Lobos" venceria em sete categorias, incluindo o Melhor Filme do Ano e o Melhor Realizador,  e foi o segundo western a ganhar o Oscar de Melhor Filme do Ano, depois de “Cimarron”, de Wesley Ruggles em 1931.
   
Filme longo, estreou inicialmente numa versão de três horas (Kevin Costner preferiu assim não fosse o filme ser um fracasso...) e que é, consensualmente, a melhor versão do filme. No entanto, depois do triunfo nos Óscares, Costner, que foi dos primeiros realizadores a ter no seu contrato uma clausúla que lhe permite ter mais direitos sobre os seus filmes (chama-se "Final Cut" e, sucintamente, diz que cada realizador tem direitos sobre a montagem final do seu produto), fez em 1992 sair uma "extended edition" onde acrescenta mais cerca de 40 minutos de material inédito mas que não traz nada de novo ao filme a não ser uma visão mais aprofundada de um filme que de épico já tinha muito. Costner sempre preferiu a versão comercial e poucas vezes se refere à outra versão, daí que, em subsequentes entrevistas ele tenha dito que nada teve a ver com a edição da versão de quatro horas. Autorizou-a mas não trabalhou nela. Qualquer uma delas é digna de ser visionada e constitui por si só uma obra fundamental na compreensão e análise de um género cinematográfico quase a despedir-se e  que aqui tem um último capítulo,  um pôr-do-sol crepuscular, mas cujo epílogo  ainda estava por escrever.

Em 2007, a Biblioteca do Congresso seleccionou “Danças com Lobos” para preservação no Museu Nacional de Cinema pelo seu significativo contributo histórico e cultural.

Nota: as imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet


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