sábado, 8 de março de 2014

2010 – O Ano do Contacto - A Montanha pariu um Rato

     

   
    Aproveitando o facto de já ter passado o ano mítico descrito por Arthur C.Clarke no seu fabuloso livro "2010: Segunda Odisseia", publicado em 1982, nada melhor do que comentar o filme do mesmo título, realizado em 1984 (outra data mítica...será coincidência?) por Peter Hyams.
Passaram-se nove anos desde que a  missão da "Discovery One"  a Júpiter falhou, resultando na morte de quatro astronautas e o quinto, Dave Bowman, desapareceu após estacionar a nave na órbita do planeta.  Heywood Floyd, na altura chefe do Programa Espacial, foi considerado culpado pelo falhanço da missão  e demitiu-se do cargo  e foi dar aulas para a Universidade de Hawaii.
 Num mundo á beira dum novo confronto mundial, a nave espacial russa "Leonov", levando a bordo uma expedição conjunta americano-soviética, parte para tentar descobrir o que aconteceu realmente em 2001...o que é o Monólito Negro? e que significado terão as ùltimas palavras de Bowman antes de desaparecer: "Meu Deus, está cheio de estrelas!"?

   Baseado no romance do mesmo título, que Arthur C.Clarke nunca quis escrever por achar que nada mais havia a escrever sobre o assunto e que só o fez após grande insistência dos seus leitores, parecia que as questões levantadas no filme anterior iriam ser finalmente respondidas...engano! porque Arthur C.Clarke apenas respondeu a uma parte das questões, reservando o resto das respostas para os volumes subsequentes. Quanto ao filme de Hyams...receio bem que a montanha tenha parido um rato!
   Quando  se começou a falar na possível adaptação do romance ao cinema, o primeiro nome que veio à baila foi o de Stanley Kubrick ou não tivesse sido ele o realizador dessa obra-prima seminal chamada "2001:Odisseia no Espaço" (1968). Arthur C. Clarke, já em 1982, quando o livro foi publicado, tinha falado com Kubrick e tinha brincado com o realizador dizendo-lhe “a tua obrigação é impedir que qualquer um faça um possível filme, para que eu não seja incomodado”. Quando  Kubrick não se mostrou interessado em realizar o filme, alegando, tal como Clarke, que nada mais havia a dizer e o projecto parecia destinado a ir parar à gaveta. Surge então o nome de Peter Hyams que, sendo fan da obra de Kubrick, disponibilizou-se de imediato a realizar a adaptação caso fosse para a frente. Diz o realizador:
 “ eu tive uma longa conversa com Stanley Kubrick e disse-lhe o que se estava a passar, se tivesse a sua aprovação, eu faria o filme, se tal não acontecesse, eu não o faria, nem sequer me passaria pela cabeça fazê-lo. Kubrick respondeu-me simplesmente assim “Claro, vai fazê-lo , eu não me interessa voltar ao tema…” e, posteriormente, ainda me disse “não tenhas receio.  Vai e faz o teu próprio filme…””
   
Enquanto escrevia o argumento em 1983, Peter Hyams, a partir de Los Angeles, começou a comunicar com Arthur C.Clarke que residia no Sri Lanka, através do então pioneiro media E-Mail. Os dois discutiam o planeamento e produção do filme diariamente através deste método que veio revolucionar os meios de comunicação nas décadas subsequentes.
   Peter Hyams tinha já realizado o curioso "Capricorn One – Capricórnio Um" (1978) onde se contava a história de uma missão a marte que afinal acabava por não acontecer, apesar de toda a gente pensar que sim e que apenas a investigação dum jornalista ameaça provar o contrário; "Outland – Atmosfera  Zero"(1981), uma interessante  variação de ficção científica ao clássico western  "O Comboio apitou Três Vezes" (Fred Zinnemann, 1953) onde Sean Connery fazia o papel que fora de Gary Cooper; ou ainda "Star Chamber – A Câmara Secreta" (1983) um original thriller de tribunal com Michael Douglas no papel dum juiz, fiel á letra da Lei mas que se vê obrigado a, juntamente com outros juízes, fazer  justiça á margem daquilo que defende nos tribunais. Ele parecia ser o realizador indicado para tornar os cenários imaginados por Clarke numa realidade. 
   Mas Hyams elevou demasiado a fasquia e algures durante a produção perdeu o norte e perdeu-se nos meandros da obra. Ao esquecer, por exemplo, todo o capítulo do livro dedicado á nave chinesa "Tsien" que despoleta toda a situação que levará a desenvolvimentos importantes, trocando-o por uma situação potencialmente explosiva na terra ( as duas potências, Estados Unidos e Rússia prestes a entrar em guerra...quantas vezes é que já vimos este filme?) banalizou um filme que nunca o deveria ser.  
   
Ao retirar toda a poesia e mistério do filme original assim como aquela sensação de antecipação e maravilha que sentimos no final de “2001”, bem  como todo o final é inadequado,  soa a forçado, de tão simples que se torna, Peter Hyams pretendeu simplificar uma coisa que não o é (quem tenha lido o livro perceberá aquilo que quero dizer) e com essa opção perdeu a aposta. Mas se o próprio autor, que colaborou na adaptação do livro e faz uma aparição no filme  (quando Heywood Floyd se encontra com o seu amigo em Washington, Arthur C.Clarke e o velho que está a dar de comer aos pombos sentado no banco ao lado), ficou satisfeito com a abordagem de Hyams, quem somos nós para dizer o contrário? O realizador permitiu-se ainda uma piscadela de olho aos dois mentores de “2001: Odisseia no Espaço”: na cena em que Dave Bowman  (ou o seu espírito?) visita a sua mãe no lar, vemos na capa da revista “Time”, que fala das tensões americano-soviéticas , o rosto dos dois presidentes, em que Arthur C. Clarke representa o presidente dos estados unidos e Stanley Kubrick  o presidente soviético.
O piscar de olhos aos mentores do filme original
   "2010-Ano do Contacto" acaba por ser um filme honesto, sem pretensões a obra-prima, que se vê com agrado e do qual não se pretenda tirar ilações, consegue, inclusivamente, continuar “2001” sem o  estragar, o que, nos dias que correm, é um risco enorme que cada realizador corre ao conseguir que com a sua sequela de qualquer filme, não transforme numa amarga experiência vermos o filme anterior.
    
Feito com todos os meios disponíveis na altura (toda a "Discovery", por exemplo,  teve de ser reconstruída a partir das imagens do filme de Kubrick, pois os planos e as maquetes tinham-se perdido), o que acaba por  resultar  num filme mediano, que custa a encontrar um rumo. A realização só arranca a partir do meio para o final quando se começa a ver algum resultado e dedicação, graças, principalmente,  aos efeitos especiais, considerados revolucionários na época, feitos por Richard Edlund com a supervisão de Douglas Trumbull que fizera os efeitos especiais do filme de Kubrick.
 No  elenco os nomes de Roy Scheider, Helen Mirren, John Lithgow, Bob Balaban, cumprem os seus papéis, assim como  Keir Dullea e Douglas Rain que retomam os seus papéis, respectivamente  de Dave Bowman e da voz de HAL.
   Estreado com pompa e circunstância a 7 de dezembro de 1984 (mais uma data inesquecível para os americanos!), “2010” foi o segundo filme mais visto durante a sua semana de estreia, rendendo cerca de 8.000.000 de dólares e foi apenas batido por “Beverly Hills Cop – O Caça-Polícias” (Martin Brest, 1984) que acabou por ser o filme mais visto do ano.  Na segunda semana, teve de competir com “Starman – O Homem das Estrelas” (John Carpenter, 1984) e “Dune – Duna” (David  Lynch, 1984) mas nenhum deles assombrou a bilheteira e “2010” acabou por ser o 17º filme mais visto nos estados unidos em 1984.
   "2010" fica muito aquém das expectativa, quando comparado com “2001” o que é uma pena pois o autor e o livro mereciam  algo melhor.  Mas se  retirarmos todas as comparações com a obra-prima de Stanley Kubrick, ficamos  com um bom entretenimento, que é, afinal de contas, aquilo que conta.

Nota: As imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da internet






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