terça-feira, 22 de outubro de 2013

Os Zombies de George A. Romero – Episódios de um Mundo Apocalíptico II


                          - As Trevas do Mundo (2005-2009)

   
George A. Romero  tinha dito numa longa entrevista, em 1997, que não tencionava regressar ao universo dos zombies porque já nada haveria a fazer ou dizer sobre o tema. Porém, no inicio do novo século, numa convenção em que foi convidado e a sua obra foi objecto duma retrospectiva, surpreendeu-se, durante a conferência de imprensa, com a quantidade de perguntas que lhe foram dirigidas sobre a sua trilogia dos zombies. Afinal, e para grande satisfação do realizador, apesar da quantidade de sequelas e remakes, alguns de qualidade muito inferior, a sua trilogia de terror zombie, permanecia no top das preferências de todos aqueles que estiveram na convenção e também do público em geral. De repente, a palavra zombie, que há muito o realizador relegara para um canto obscuro da sua mente, começou a fazer-se ouvir novamente na sua cabeça.
   
Passaram-se cerca de três anos desde que o surto dos zombies tomou conta dos Estados Unidos (e talvez do mundo, uma hipótese que já havia sido abordada em “A Maldição dos Mostos-Vivos”),  os sobreviventes construíram postos de sobrevivência ao longo do país. Um desses postos existe em  Pittsburgh. Rodeado por rios em dois lados por rios e no terceiro por uma vedação electrificada, guardada por militares,  é governado com mão de ferro, ao estilo feudal, por Paul Kaufman (grande interpretação de Dennis Hopper), homem rico e poderoso que vive, como todos os ricos e poderosos, num edifício luxuoso chamado Fiddler’s Green, enquanto que o resto da população vive no meio da imundície. Lá fora, no que  resta das cidades, os Mortos-Vivos começam a ganhar alguma consciência e a organizar-se tornando-se ainda mais perigosos para os humanos.
   O genérico inicial começa com a frase “Há algum tempo atrás” e depois surgem imagens a preto e branco de humanos transformados enquanto diversas vozes falam e tentam explicar o que se está a passar. O mesmo genérico termina já com imagens a cores e a palavra “Hoje” surge, ameaçadora, no écran, enquanto vemos alguns zombies a deambular nas ruas duma qualquer cidade. É a maneira (brilhante) que Romero encontrou, para quem não viu os seus filmes anteriores, para introduzir o estado em que se encontra a humanidade.
   
Romero, inicialmente, escreveu diversos argumentos intitulados “Twilight of the Dead”, “Dead City” e também “Dead Reckoning” ( curiosamente é o nome da superviatura militar artilhada com que Riley e Cholo combatem os zombies), todos recusados pelos estúdios que queriam algo mais sonante. Depois de muita hesitação,  avanços e recuos, o argumento final (novamente da autoria de George A.Romero), assim como o filme, acabou por se chamar “Land of the Dead – Terra dos Mortos”. Pegando em alguns elementos que fora obrigado a deixar de fora em “O Dia dos Mortos”, Romero desenvolve ao longo do filme a ideia que já tocara ligeiramente no filme anterior, para tornar os zombies ainda mais ameaçadores: a lembrança das suas vidas passadas, como fica patente na cena inicial quando “Big Daddy”, um zombie, antigo funcionário duma bomba de gasolina (a sua primeira acção quando aparece é pegar na mangueira de abastecimento e usá-la como fazia antigamente),inteligente, captura uma arma a um humano em fuga, olha-a incrédulo  para se tentar lembrar do seu funcionamento, agita-a para chamar a atenção a
os seus companheiros e depois ruge ameçadoramente olhando com ódio para “Fiddler’s Green”, antes de, com o seu grupo, se pôr em movimento a caminho do posto dos humanos. O mesmo  “Big Daddy”, noutra cena mais á frente, quando ele e o seu grupo estão numa das margens e do outro lado está ”Fiddler’s Green”, olha para as águas  e percebe que estas não são obstáculo para os seus intentos e o grupo lança-se ao rio e caminham debaixo das águas em direcção á cidade dos ricos e poderosos. É Romero, uma vez mais, no seu melhor, a mostrar um mundo completamente descontrolado e invertido.

   Intenso, em conteúdo e forma, com Zombies mais ameaçadores que nunca (graças a uma caracterização extremamente bem conseguida da responsabilidade de Greg Nicotero, discípulo de Tom Savini, que neste filme faz uma participação aparecendo como o zombie, de katana  na mão, durante o ataque a “Fiddler’s Green”) , “Terra dos Mortos” não se livrou de alguma polémica relacionada com algumas cenas demasiado “gore” (sangrentas), o que não  evitou que o filme fosse classificado para maiores de 18 anos (foi a primeira vez que tal aconteceu na série). Romero, alegadamente,  terá dito que o filme teria duas versões: uma inicial, para qual o realizador teria filmado cenas alternativas e menos explícitas em termos de “gore” e que seria a versão a estrear nos cinemas e seria a primeira a chegar ao circuito de DVD; uma segunda versão teria a designação de “A  Versão do Realizador” (hoje em dia é prática comum) e conteria as cenas mais “gore”.  Ambas as versões estrearam nos respectivos circuitos, embora para europa tenha apenas vindo a versão do realizador, quer para cinema quer para DVD.
   
Critíca e público receberam de braços abertos este novo filme de zombies. As metáforas acerca de realidade da vida americana resultaram  muito bem uma vez mais. O  filme rendeu mais de 40.000.000 de dólares e é o segundo filme mais rentável da série, atrás de “A Maldição dos Mortos-Vivos”. Com uma alma renovada por este inesperado sucesso, Romero sentiu-se confiante para continuar a trabalhar á volta desta série.
   Em agosto de 2006, Romero anuncia que vai fazer novo filme sobre os zombies e que a rodagem iria começar em outubro desse ano. Anuncia também que pela primeira vez o seu filme não será uma sequela (algo que o realizador nunca reconheceu fazer parte da sua série) mas sim uma “maneira de fazer reviver o mito”, nas próprias palavras do realizador. Com um orçamento minúsculo de cerca de 2.000.000 de dólares, Romero obteve um lucro de cerca de 5.000.000 de dólares e o filme até não teve criticas muito posistivas. A certeza com que se fica depois de ver este filme é que George A.Romero ainda é um mestre dentro do género.
   A acção situa-se no inicio da primeira epidemia em que os mortos voltam, inexplicavelmente, á vida e se alimentam dos seres humanos. Nessa altura, um grupo de estudantes universitários, acompanhados pelo seu professor, é apanhado no meio do surto. Ainda sem perceber bem o que se está a passar, resolvem regressar a suas casas e decidem gravar  os incidentes que se lhes deparam pelo caminho num estilo documentário, acabando eles próprios a serem perseguidos por zombies.
   O filme começa com imagens gravadas por uma equipa de repórteres de um canal de televisão que estavam a cobrir uma noticia sobre o assassínio de um imigrante ilegal. A narradora, Debra, explica que aquelas imagens nunca foram visionadas. Percebemos então que estamos no dia um da epidemia.
Apesar de ter algumas semelhanças com os filmes anteriores da série (nomeadamente a utilização de imagens do noticiário que se vê em “A Noite dos Mortos-Vivos”, o primeiro filme da série), Romero pretendeu que este filme fosse uma história passada durante o mesmo período de tempo que o primeiro filme.
   
O título “Diário dos Mortos-Vivos”, diz tudo: trata-se de um diário que se pretende fazer e, para isso, Romero abdicou do seu estilo habitual  de realização (a utilização de múltiplos ângulos de camera, depois montados de acordo com a dinâmica do realizador) e filmou, de camera ao ombro, cenas longas e contínuas  que resultam numa montagem rápida e  movimentada a que depois se juntam os efeitos especiais (a caracterização ficou novamente a cargo de Greg Nicotero). Para acrescentar  mais algum realismo á história, Romero chamou Quentin Tarantino, Wes Craven, Guillermo Del Toro,  Simon Pegg  e Stepnen King, entre outros, que emprestaram as suas vozes para fazerem de locutores de rádio que relatam os acontecimentos á medida que eles vão acontecendo. O próprio George A. Romero faz uma breve aparição como chefe da polícia.  O resultado final acaba por ser mais um documentário, extremamente realista duma situação que fugiu ao controle de tudo e todos, onde o á- vontade de todos os intervenientes (um elenco desconhecido) a maneira como se debatem com as situações, a vontade e o querer documentar todas as situações contrastando com o desejo intímo de cada um de regressar aos seus lares e aos seus familiares, onde não falta sequer o professor desiludido com a vida, mas que se assume e representa para todos a figura paternal que lhes falta nos momentos de perigo, acaba por ser a  a personagem mais forte de todo o grupo, que fica muito melhor do que se fosse um filme normal e, nesse aspecto, resulta na perfeição. Uma vez mais, Romero termina o filme com uma nota pessimista.
   
 
Ao contrário do final de “O Dia dos Mortos”, onde o final era algo optimista, “O Diário” termina com   aquela que será talvez a imagem mais forte e terrível alguma vez apresentada pelo realizador: A cena final, segundo Debra, é feita com as últimas imagens que Jason tirou da net, antes de morrer e nelas vê-se  um grupo de caçadores (labregos, na expressão da própria Debra) a praticar tiro ao alvo em pessoas que morreram e reaparecem como mortos-vivos e na última imagem vê-se uma morta-viva, pendurada numa árvore pelo cabelo, os caçadores disparam atingindo a mulher. Por cima da cena ouve-se a voz de Debra que pergunta “Será que merecemos a salvação?” e logo após, já sobre um écran escuro (que se pode interpretar como o futuro da humanidade), a mesma debra lança o repto “Digam-me vocês!” e logo a seguir corre o genérico final e a pergunta de Debra ainda nos ressoa na cabeça depois do filme terminar.
   
O ano de 2009 viu George A.Romero  realizar um novo filme de de zombies, o sexto da sua já famosa série sobre os Mortos-Vivos. Mas desta  vez o filme não conseguiu despertar até os seus mais ferverosos fans e, como diz a sabedoria popular, “a montanha pariu um rato”.
“Survival of the Dead” ou utilizando o seu título completo “George A.Romero’s Survival of the Dead”, ao contrário dos seus antecessores, não conheceu estreia nacional, nem nas salas de cinema nem no circuito DVD dos clubes de vídeo, nem mesmo em 2010, quando o realizador foi homenageado no "Motelx", Festival de Cinema de Terror de Lisboa. Este comentário que faço é baseado numa edição de importação que adquiri há algum tempo.
   
O filme acompanha a rivalidade ancestral entre duas famílias irlandesas, os Muldoon  e os O’Flynn que vivem em Plum Island, ao largo do estado de Delaware. Enquanto a família O’Flynn chefiada pelo seu patriarca, Patrick O’Flynn, reúne uma milícia para matar os mortos-vivos, enquanto a família Muldoon, liderada por Seamus Muldoon mantém os seus familiares, transformados em mortos-vivos, vivos até surgir a cura para aquela epidemia. Um recontro entre as famílias termina com um breve triunfo da família Muldoon e exílio do patriarca O’Flynn e outros membros da família. Algum tempo depois, Patrick regressa a Plum, acompanhado de alguns desertores da Guarda Nacional para se vingar do seu eterno rival.
    Com um argumento assim, impõe-se uma pergunta: o que tem a rivalidade das famílias a ver com a epidemia que assolou o mundo?  Á partida, nada e, se calhar, foi mesmo isso que fez com que o filme falhasse nas bilheteiras. Afinal, estamos perante uma pandemia que assolou o mundo e, apesar de os zombies surgirem ao longo de todo o filme, parece que foram relegados para segundo plano em detrimento da rivalidade entre as famílias. Romero explicou posteriormente que o seu filme foi inspirado em “The Big Country – Da Terra nascem os Homens”, um western clássico realizado em 1958 por William Wyler, no qual um recém-chegado ao velho oeste se vê envolvido numa luta entre duas famílias rivais pelo posse de um pedaço de terra.
   Tal como nos filmes anteriores, “Survival of the Dead” pode ser visto independentemente dos outros filmes (Romero sempre disse que a única ligação entre os filmes da série é a epidemia dos mortos-vivos), mas um olhar atento e conhecedor das obras anteriores, vai conseguir vislumbrar, logo no início, algumas personagens do filme anterior que aparecem em imagens de arquivo enquanto se ouve a voz off de  Crockett, (personagem que também aparece brevemente em “O Diário dos Mortos”) antigo coronel da Guarda Nacional,  despromovido a Sargento, a explicar o que é que o levou a desertar da força e a andar a vaguear por um mundo completamente fora de controle, onde todos os dias os seres humanos morrem e engrossam o exército dos mortos-vivos. É a única vez na série, até agora, em que a ligação entre filmes acontece, não apenas  por via da epidemia de mortos-vivos.
  É possível que o realizador tenha querido homenagear o western com este filme, mas mesmo sendo esse o objectivo, o filme acaba por ter muito pouco daquilo a que Romero nos habituou nas obras anteriores, onde a critica social estava bem patente, aqui não passa de uma mera caricatura, aliás como todo o filme: um argumento (da autoria de Romero) fraco, que mais parece ter sido escrito em cima do joelho enquanto decorriam as filmagens, interpretações fracas, que mais parecem autênticos fretes levados a cabo pelos actores (excepção feita a Kenneth Welsh e a Richard Fitzpatrick, respectivamente Patrick O’Flynn e Seamus Muldoon) tudo isto misturado numa realização pouco inspirada de George A.Romero. A única nota positiva a este filme vai para o departamento de caracterização, novamente comandado por Greg Nicotero,  que torna os Mortos-vivos extremamente realistas e assustadores em alguns momentos. Tudo o resto, infelizmente, é para esquecer.
Apesar do fracasso,  em todos os campos, de “Survival of the Dead”, George A.Romero expressou vontade de acrescentar mais dois filmes á série, que, segundo, ele seriam filmados ao mesmo tempo. A ver vamos.
   
Em 2010,  Frank Darabond, argumentista e realizador, criou, para televisão uma série inspirada nas novelas gráficas da autoria de  Robert Kirkman, Tony Moore e Charlie Adlard intituladas “The Walking Dead” onde um xerife de província, dado como morto num tiroteio, acorda do coma em que se encontrava para descobrir que o mundo está infestado de mortos-vivos e ele, juntamente com outros sobreviventes que encontra, tem de tentar sobreviver aquela ameaça. A série, que também foi buscar alguma inspiração aos  filmes de Romero, dos quais se pode considerar uma extensão e que, segundo se diz, muito tem agradado ao realizador, tem sido um sucesso em todo o mundo onde tem sido exibida.


 Nota: As imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet




sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Os Zombies de George A. Romero – Episódios de um Mundo Apocalíptico I


                - A Trilogia dos Mortos-Vivos (1968-1985)

   Os “zombies” ou mortos-vivos são criaturas fictícias que se encontram regularmente em livros ou filmes de terror ou fantasia. Geralmente são apresentados como cadáveres reanimados,  sem inteligência e com fome de carne humana e, particularmente, nalgumas versões, por cérebros humanos. Apesar de partilharem o nome e algumas semelhanças com os “Zombies” do Voodoo haitiano, a sua ligação a estas práticas é desconhecida. Muitos consideram o realizador norte-americano George A. Romero e “Night of the Living Dead – A Noite dos Mortos-Vivos”,  o seu filme de estreia, como sendo o progenitor destas criaturas.
    
George A.Romero
A estreia de Romero no cinema, depois de vários anos a realizar anúncios televisivos e campanhas publicitárias de produtos industriais, aconteceu em 1968. Ele, juntamente com John Russo e Russell Streiner estavam cansados de fazer publicidade e queriam fazer um filme de terror que aplacasse a sede de coisas bizarras com que a indústria cinematográfica se debatia nos finais da década de 60. Romero e Streiner começaram então a procurar possíveis financiamentos. Contactaram com Karl Hardman e Marilyn Eastman, respectivamente presidente e vice-presidente da “Hardman Associates”, uma pequena produtora independente de cinema e apresentaram-lhes a ideia que tinham. Foram tão convincentes que, a breve trecho, nascia uma nova produtora intitulada “Image Ten”, que incluía, não só Hartman e Eastman como também Russo, Romero e Streiner. 
   Com um orçamento inicial de 6.000 dólares (cada membro da produtora investiu uma parte que iria receber com as receitas), verificou-se que era insuficiente para prosseguir com o projecto. Eventualmente a “Image Ten” iria pedir uma contribuição extra aos seus funcionários e acabariam por conseguir cerca de 114.000 dólares, o suficiente para orçamentar o filme.
   
Inicialmente era para ser uma comédia de horror, co-escrita por John Russo e George Romero e intitulada “ Monster Flick”, dizia respeito ás aventuras de um grupo de jovens extraterrestres que visitavam a terra e tornavam-se amigos de jovens humanos. Uma segunda versão do argumento contava a história de um jovem que fugia de casa e descobria, num prado, restos de  corpos humanos a apodrecer que tinham servido de alimento a extraterrestres. A versão final, maioritariamente escrita por Romero em três dias em 1967, focava-se em cadáveres humanos que regressavam á vida e se alimentavam de carne humana. Posteriormente, Romero explicou que a história se dividia em três partes, cuja parte um se intitulava “Night of The Living Dead”, as outras partes seriam continuações (o termo sequela ainda não se usava no final da década de 60) que seriam filmadas mais tarde.      
   
A história começa quando os irmãos Bárbara e Johnny vão ao interior da Pennsylvannia  a um cemitério visitar a campa de seu pai. Lá, são atacados por um homem estranho. Quando tentam escapar, Johnny, acidentalmente, escorrega e bate com a cabeça numa lápide e morre. Bárbara consegue escapar ao seu perseguidor e, em pânico, refugia-se numa quinta habitada, mas aparentemente deserta. A ela junta-se Ben, um negro que chega num carro e a salva de ser atacada no exterior da casa. Os dois refugiam-se no interior enquanto tentam perceber o que se está a passar já que os mortos parecem ter voltado á vida.
   Estreado em Outubro de 1968, “A Noite dos Mortos-Vivos” foi um sucesso enorme, fez 12 milhões de dólares nos Estados Unidos e 18 milhões de dólares internacionalmente . Talvez pela originalidade da história, passada num tempo indeterminado, atraiu um público, constituído maioritariamente por jovens e adolescentes, cioso de coisas novas e diferentes. 
   
Duramente criticado, aquando da sua estreia, pelo conteúdo explícito, mas acabou por ser aclamado pelos críticos que louvaram a ousadia do realizador ao quebrar as regras do género ao provocar, mesmo na última cena do filme, a morte do protagonista que é confundido com um zombie. 
   O filme acabou por se tornar um filme de culto e consagrou o seu realizador como um dos nomes incontornáveis do género. O “franchise” que Romero acabara de criar iria ter bastante impacto a partir do filme (episódio) seguinte, já que Romero iria introduzir alguns comentários sociais em tópicos que iriam variar entre racismo e consumismo.
   Romero sempre disse que nenhum dos filmes de zombies que realizou depois de “A Noite dos Mortos-vivos” se deve considerar como sendo continuações directas ou sequelas, já que nenhuma das principais personagens ou qualquer das histórias, continua de um filme para outro e a sua única continuação é a epidemia dos mortos-vivos. Esta situação avança em cada filme, mas com diferentes personagens, o tempo também avança mas sempre á frente da altura em que foram filmados, fazendo do progresso do mundo o único aspecto associado a todos os filmes.
   
Dez anos depois do primeiro filme, George A. Romero, regressa ao universo que lhe trouxe fama.  
Partindo do cenário possível de que os Estados Unidos (e possivelmente todo o mundo), foram devastados pelo fenómeno que reanima os mortos tornando-os ávidos de carne humana. Apesar dos esforços, tanto das forças militares como das autoridades civis para controlar a situação, a sociedade efectivamente colapsou e os sobreviventes procuram refúgio. É este o ponto de partida para “Zombie – Dawn of the Dead – Zombie – A Maldição dos Mortos-Vivos” vemos, em grande escala, aquilo que Romero e John Russo delinearam em “A Noite dos Mortos-Vivos”. O que parecia ser uma situação isolada naquele filme, torna-se numa pandemia de proporções apocalípticas, orquestrada pela mão de George A. Romero (que escreveu o argumento), que atinge toda a sociedade causando histeria em massa.
   
Stephen e a sua namorada, Francine, juntamente com Peter e Roger dois atiradores especiais da polícia, planeiam fugir de Filadélfia num helicóptero que é propriedade duma estação televisiva da cidade e refugiar-se num centro comercial onde julgam ficar a salvo, não só dos Mortos-Vivos, como também de outros perigos.
   Logo no início do filme, quando se vê um estúdio de televisão onde reina a confusão e se discute se a emissão deve ou não continuar já que são a única estação televisiva ainda a emitir. Percebemos, pela discussão entre os técnicos presentes e o realizador da emissão (interpretado por George Romero), que a pandemia vai na terceira semana sem fim á vista, percebe-se que Romero estava com muito mais á vontade para filmar e mostrar o efeito duma pandemia de Mortos-Vivos na sociedade e o caos que dai advém. Romero mostra-nos também em várias outras cenas igualmente memoráveis, que as comunidade rurais e os militares têm sido efectivas na luta contra os Mortos-Vivos, mas diz-nos também que as cidades estão infestadas e indefesas e não existe nenhum local em que se esteja seguro (as emissões de rádio e televisão que surgem já quando eles estão instalados no centro comercial sobre a pandemia e o que se deve fazer; ou as cenas nos campos  onde se vêem as milícias civis organizadas, a matar Zombies atrás de Zombies com direito a bebida e comida, como se duma festa se tratasse, são disso exemplo).
   A ideia desta história, apesar de levemente baseada na ideia que Romero desenvolvera em 1967, nasceu em 1974 quando o realizador foi convidado por um seu amigo, Mark Mason, para assistir á inauguração dum centro comercial em Monroeville, do qual a empresa de Mason era dona. Durante a visita ao centro na qual ao realizador foram mostradas algumas partes que o público não vê, ele notou a grande fúria consumista da população. Mason, sugeriu que, caso acontecesse alguma emergência ou situação anormal, as pessoas seriam capazes de sobreviver dentro do centro comercial. Inspirado por esta ideia, Romero começou a escrever um argumento para outro filme.
   O realizador e o seu produtor, Richard P. Rubinstein, não conseguiram arranjar nenhum investidor disposto a arriscar o seu dinheiro neste novo projecto (na altura “O Exorcista” de William Friedkin era o filme-choque que arrasara nas bilheteiras desde a sua estreia em 1973). Por sorte, Dario Argento, ouviu falar desta continuação. Ele, como mestre italiano do filme de terror e fân, de “A Noite dos Mortos-Vivos”, mostrou-se interessado em que este clássico do horror tivesse direito á sua continuação. Os três encontraram-se e, em troca dos direitos internacionais de distribuição, ficava assegurado o financiamento. Satisfeito, Romero aceitou a ajuda de Argento no desenvolvimento da história e conseguiu que Mark Mason lhe emprestasse o Monroeville Mall para filmar as sequências que se passam no centro. A rodagem decorreu entre novembro de 1977 e fevereiro de 1978.
   
Com três quartos da acção passada dentro do centro comercial, o filme poderia tornar-se aborrecido e monótono. Mas Romero soube trabalhar o seu cenário e aproveitou todas as suas possibilidades, utilizando todos os ângulos possíveis durante a rodagem, o realizador permitiu-se utilizar todos os truques durante a montagem, escolhendo os melhores “takes” para o espectador se deliciar, simplesmente mudando, estendendo ou adequando as cenas (um dos grandes momentos do filme é precisamente quando  Fran, ao olhar os cadáveres dos mortos-vivos pergunta “quem são eles?” Peter responde “somos nós...é tudo!...quando já não houver lugar no inferno...”, Fran diz ”O quê?” e Peter novamente “É algo que a minha avó costumava dizer(...) quando já não houvesse lugar no inferno, os mortos andariam pela terra”). Também no final do filme, tal como em “Noite dos Mortos-Vivos”, Romero quebra as regras ao pôr Fran e Peter, a fugir no helicóptero e, enquanto sobrevoam a superfície infestada de mortos-vivos, Fran pergunta o que irão fazer? E Peter responde que “iremos até onde for possível!”.
   
Tom Savini, o mago da caracterização
É no meio de todo este trabalho minucioso que entra também a mão de Tom Savini. Amigo do realizador desde os tempos de escola, colaborador habitual em quase todos os seus filmes, actor e realizador ocasional (em “A Maldição dos Mortos-Vivos”, é o chefe do gangue de motoqueiros que vem invadir o centro comercial), Savini é o responsável pela magnifíca caracterização dos Mortos-Vivos tornando-a tão realista quanto a tecnologia da altura permitia.
O filmes estreou em 1979 e, graças a uma campanha bem orquestrada tanto nos Estados Unidos, como no resto do mundo, rendeu 40.000.000 de dólares  e internacionalmente fez 55.000.000 de dólares, tornando-o no filme mais rentável da série.
   O filme teve inúmeras versões remontadas, devido em grande parte ao direito que Dario Argento tinha sobre a montagem internacional do filme. Romero controlou a versão final para os Estados Unidos e Canadá. Inicialmente o filme estreou numa versão de 126 minutos e que também foi estreada no Festival de Cannes em 1978. Quando o filme se tornou um sucesso, Romero remontou o filme, acrescentando-lhe algumas cenas mais fortes, elevando a sua duração para 139 minutos, naquela que é hoje conhecida como “A Versão do Realizador”.
Internacionalmente, Argento controlou a versão que estreou na europa e no resto do mundo. A versão internacional do filme tinha 119 minutos de duração e  incluía alterações em que as cenas mais fortes haviam sido retiradas, outras tinham sido remontadas de modo a dar mais ritmo á acção e tinha mais música de “Goblin”, o grupo italiano responsável pela banda sonora, descoberto por Dario Argento no inicio da década de 70 e que passou a ser o autor da maior parte das bandas sonoras do realizador italiano, o qual, ocasionalmente, toca na banda.
   “A Maldição dos Mortos-Vivos” é hoje considerado um clássico e selecionado como um dos 500 melhores filmes de sempre pela revista Empire.
Em 2004, o realizador Zack Snyder estreou-se no cinema com o “remake do filme intitulado “Dawn of the Dead – O Renascer dos Mortos-Vivos”, obtendo enorme sucesso.
George A.Romero voltaria ao tema somente na década de 80.
   
Originalmente,  George A.Romero pretendia que o final da sua “Trilogia dos Mortos”, como lhe chamou o realizador numa entrevista em 1997, fosse uma espécie de “E Tudo o Vento Levou” dos filmes de zombies. No seguimento de diversas disputas financeiras e a necessidade de estrear o filme sem cortes, o orçamento aprovado foi cortado para metade, passando de 7.000.000 de dólares para uns escandalosos 3.500.000 dólares, obrigando o realizador (novamente argumentista) a reescrever o argumento de modo a poder manter a sua visão ajustada ao tamanho do orçamento.
   Algum tempo depois dos acontecimentos de “A Maldição dos Mortos-Vivos”, os zombies dominam o mundo. O que resta do governo e dos militares escondem em enclaves fortificados e, numa tentativa de encontrar sobreviventes e uma solução para a pandemia zombie. Alguns sobreviventes chegam a Forte Myers, na Flórida, são atacados por uma horda zombie e conseguem refugiar-se num desses enclaves subterrâneo onde um grupo de cientistas, guardado por militares, tenta parar ou inverter o processo zombie e acreditam que estes podem ser treinados para serem obedientes.
   
Logo no inicio do filme, quando vemos o helicóptero com os seus ocupantes a sobrevoar a cidade deserta e abandonada, ficamos com a ideia que este filme será uma continuação directa do anterior, mas logo a seguir, na cena em que chegam ao seu refúgio, percebemos que não é bem assim e que este é mais um exemplo do que os sobreviventes da raça humana podem fazer.
   A re-invenção feita por Romero dos Zombies, é notável em todos os seus filmes e serve, não apenas para marcar a diferença dentro do género, também como veículo para criticar os males da sociedade actual: a inaptidão governamental,  ganância, escravatura, a febre consumista e bio-engenharia, enquanto nos aviva fantasias pos-apocalípticas. “Dia dos Mortos” tem um pouco de tudo isto e é, talvez, o mais agressivo e visceral filme da série, como se pode ver nas cenas em que os zombies atacam os cientistas e os militares, além de ser violentamente explícito (graças aos magnifícos efeitos de caracterização de Tom Savini), o filme toca ligeiramente uma outra temática que Romero desenvolverá noutro filme: as lembranças do passado, na cena em que o Dr.Logan dá vários objectos (um deles, curiosamente é o livro “Salem’s Lot” de Stephen King, de quem Romero se tornou amigo e adaptou algumas histórias no filme “Creepshow”, em 1982) a “Bub”, um zombie que serve de cobaia á pesquisa do cientista para que este se lembre da sua vida passada. 
   
É também o filme mais claustrofóbico da série já que todo ele se passa debaixo da terra e poucas são as cenas passadas ao ar livre, mas é também o que termina, sem perder o tom pessimista, com um sinal positivo de esperança, demonstrado pela cena final em que os sobreviventes se encontram algures numa ilha, aparentemente livres de perigo.
   Recebido com alguma indiferença quando estreou, considerado por muitos críticos como sendo  pouco interessante, demasiado depressivo e lento, o filme, apesar de ser considerado o mais fraco da trilogia, e do relativo fracasso nas bilheteiras, ainda conseguiu render cerca 5.800.000 dólares nos Estados Unidos e  cerca de 28.200.000 dólares internacionalmente.
Talvez por não ter podido mostrar a sua visão original neste filme, ou querer demarcar-se da proliferação de imitações e pretensas sequelas que surgiram nas décadas seguintes, ou talvez por querer explorar outros géneros, George A. Romero apenas voltaria aos filmes de zombies 20 anos depois.
                                                                                                      (continua)

Nota: As imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet





EMERSON, LAKE & PALMER II

            O trio, depois de um longo período de férias, sentindo-se revigorado, reuniu-se novamente em 1976, nos “Mountain Studios”, em Mo...