domingo, 24 de fevereiro de 2013

A Guerra dos Mundos – O Apocalipse de Spielberg



   Em 1898, H.G.Wells, escritor de ficção científica, britânico de renome, publicou o livro “A Guerra dos Mundos”, a sua obra mais famosa. Nele, a Inglaterra Vitoriana é atacada e invadida por extraterrestres vindos do planeta Marte. Este enredo aparentemente simples e banal, transformou-se num enorme sucesso literário para o escritor, ganhou o estatuto de clássico da literatura de ficção científica  e cativou a imaginação da sociedade não só da sociedade do séc.XIX, como também a do século que se seguiu.
   Em 1938,  “A Mercury Theatre on the Air”, uma série dramática que ia para o ar emitida pelo sistema de rede radiofónica de Columbia, adaptou a  “A Guerra do Mundos”. Realizada e narrada pelo então actor e futuro realizador Orson Wells.
Orson Wells adaptou a obra na emissão radiofónica de 1938
   Os primeiros dois terços do programa são preenchidos com boletins noticiosos criados com tal realismo  que fazem  crer aos seus ouvintes que uma invasão marciana estava mesmo a acontecer, transformando aquela noite, de 30 de outubro e, nalguns casos, os dias seguintes, numa situação de verdadeiro pânico. O episódio acabou por ser fundamental na carreira de Wells.
A Guerra dos Mundos, de Byron Haskin, 1953
   1953 viu nascer a versão cinematográfica do clássico de H.G.Wells. Byron Haskin foi o realizador responsável por esta adaptação. O filme situa a acção numa pequena vila na califórnia, onde cai um meteorito que traz dentro de si passageiros nada amistosos. Elevado á categoria de clássico,  o filme apenas toma por base a obra de Wells e segue noutra direcção diferente, conseguindo obter junto do público o sucesso esperado. Mas, á parte do trabalho de Haskin, algumas boas interpretações, foram as naves marcianas que espantaram e convenceram o público. Isto deveu-se ao produtor do filme, George Pal, que  sabia como fazer filmes deste género e era uma força condutora no campo dos efeitos especiais que neste filme foram inovadores e únicos e que acabaram por ganhar o Oscar na respectiva categoria.
O Musica de Jeff Wayne, 1978
A Série de televisão 
   A obra ainda teve mais duas adaptações durante o século XX: a primeira, em 1978, foi uma adaptação musical feita pelo músico Jeff Wayne e que foi um grande sucesso e obrigou o músico e a sua troupe a fazer uma tournée nos Estados Unidos; a segunda, foi para televisão sob a forma de série, entre 1988 e 1990, durante duas temporadas e funcionou como uma espécie de continuação do filme de 1953, quando os marcianos, que aparentemente tinham sido mortos no final do filme, afinal não o tinham sido e estavam apenas numa espécie de vida suspensa, são acordados por um raio laser que destrói a bactéria que os infectara. Não convenceu e a série foi suspensa. Teriam que passar 15 anos até aparecer uma nova adaptação da obra de H.G.Wells.
   Esta adaptação era um projecto há muito tempo acarinhado pelo realizador Steven Spielberg. Desde a década de 80 que o realizador queria fazer a sua adaptação do livro, mas sempre adiado. Já com o filme em pré-produção, Spielberg pediu várias alterações ao argumento da autoria de Josh Friedman,  pois queria que a sua versão, embora respeitando o livro, fosse diferente do filme de 53. O realizador era contra a chegada dos aliens em naves espaciais, já que, na sua opinião, todos os filmes de aliens usam esse tipo de veículo e também não quis incluir a chegada deles em naves marcianas porque assim ficava quase igual ao filme de Byron Haskin. Decidiu então que os “Tripods” já se encontravam na terra e estavam enterrados no solo desde há muito tempo. David Koepp reescreveu o argumento original e, depois de reler a obra, decidiu incluir uma narração em voz-off “Queria alguém que estivesse na periferia dos acontecimentos em vez de envolvido nos próprios”.  Apresentou a ideia ao realizador  que a adorou. Spielberg convidou Morgan Freeman para o efeito e o resultado não podia ser melhor: a voz forte e metálica  do actor deu o mote ao que se vê no écran: um grandioso espectáculo de acção, feito com a mestria de quem sabe marcar a diferença.
   A  “Guerra dos Mundos” encerra uma trilogia que Spielberg dedicou ao tema das visitas de aliens á terra. Enquanto que com os dois primeiros filmes, “Encontros Imediatos do Terceiro Grau” (1977) e “E.T. – O Extraterrestre” (1982), os aliens eram amigáveis e tentavam estabelecer uma comunicação com os terrestres, no terceiro filme, Spielberg tem a oportunidade de explorar a antítese das personagens dos dois filmes anteriores . “Pela primeira vez na minha vida, vou fazer um filme de aliens onde não há amor nem tentativa de comunicação”, disse o realizador.
A Imagem mais forte da obra de Spielberg
   É fácil perceber porque é que Spielberg disse que depois de "A Guerra dos Mundos" não voltaria a realizar mais nenhum filme de ficção científica, é porque depois desta experiência cinematográfica, nada mais a fazer...com este filme, adaptado de um dos livros mais conhecidos da literatura de ficção científica, chegamos, tal como a humanidade no livro, ao fim dos tempos. Recheado de momentos tensos  (a aparição do primeiro Tripod é um desses momentos) e cenas fortes, nomeadamente naquela que será a imagem mais marcante e chocante do filme: a cena em que  Rachel (a jovem promessa cinematográfica Dakota Fanning), está junto a um rio a preparar-se para fazer uma necessidade fisiológica, vê passar um corpo a boiar logo seguido de mais uma série deles e solta um grito aterrorizante.
   O próprio timing de Spielberg,  ao situá-lo numa América pós 11 de Setembro de 2001, apesar de Koepp dizer que tentou escrever o argumento sem se inspirar no trágico acontecimento que abalou o mundo, é difícil não pensar nele quando Ray e os seus filhos fogem da cidade enquanto esta é destruída pelos “Tripods”,  confere ao filme o tom profético anunciado na obra de Wells.
    Impecável no que respeita a aspectos técnicos, onde Spielberg e a sua equipa, são mestres, é no aspecto artístico que vem a grande surpresa: Tom Cruise é Ray Ferrier, um pai separado, com dois filhos adolescentes que mal conhece e que de repente se vê apanhado em acontecimentos apocalípticos. O actor  ligou-se ao projecto desde que trabalhou com o realizador em "O Relatório Minoritário" (2002) e dá-nos uma interpretação arrancada de dentro, convincente (a cena na colina onde Ray tenta impedir Robbie de partir com os soldados para ir combater os aliens, é das cenas mais dramáticas que o actor já nos deu), próximo daquilo que o actor já mostrou que consegue fazer e que faz esquecer outras menos conseguidas; Tim Robbins, é Harlan Ogilvy, um homem á beira a loucura, que se quer vingar das máquinas que lhe destruíram a família. A sua prestação, numa personagem, saída directamente do seu filme anterior "Mystic River" (Clint Eastwood, 2003), no qual ganhou o Oscar de Melhor Actor Secundário, faz arrepiar qualquer um.
   Estreado a 29 de junho de 2005 nos Estados Unidos e a 1 de julho no Reino Unido, o filme foi um sucesso enorme , terminando como o quarto maior êxito de bilheteira de 2005. Nomeado para três Oscares da Academia, apenas em categorias técnicas,  perdeu todas em favor de “King Kong”,  o mamarracho de mais de três horas de Peter Jackson sobre o gorila gigante que, por amor a uma actriz, quase destrói metade de Nova York.
    H.G.Wells  ficaria certamente agradado pela emissão radiofónica que Orson Wells fez na década de 30 do século passado, teria gostado da versão de Byron Haskin na década de 50 do século passado e ficaria orgulhoso da versão de Spielberg que alguém já chamou o último grande filme de ficção científica.

Nota: as imagens e vídeo que ilustram este texto foram retiradas da Internet



sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A Sombra do Vento - O Prazer de Ler




   Se um dia agarrassem em nós e nos levassem a um sítio que desconhecíamos existir, pois nunca tínhamos ouvido dele, do qual podíamos escolher qualquer coisa para nós, mas cuja única condição era não falar dele a ninguém, qual seria a nossa reacção? É desta simples premissa que parte o romance “A Sombra do Vento” da autoria de Carlos Ruiz Zafón.
   Barcelona, 1945, Daniel Sampere, de 11 anos, é levado pelo seu pai até ao Cemitério dos Livros Escondidos, um local misterioso, uma espécie de biblioteca secreta onde, nas palavras do Senhor Sampere, só alguns podem entrar,  para escolher, dentre milhares de livros que ali se encontram, um que irá adoptar e proteger até ao final da sua vida. Daniel escolhe “A Sombra do Vento”, da autoria de Júlian Carax, um autor obscuro, mas cuja história, narrada naquelas páginas, desperta a curiosidade do jovem, que resolve descobrir mais sobre aquele autor. Sem se aperceber disso, com aquela escolha, numa espécie de cerimónia iniciática, Daniel acaba por marcar toda a sua adolescência e juventude.
Existem livros que, pela forma como a história nos é apresentada, conseguem agarrar o leitor logo desde o início. 
   Quando se lê um livro, é como se partíssemos numa viagem rumo ao desconhecido, mas com o intuito de conhecer novos mundos, novas personagens ou novas formas de narrativa e com isso partilhamos a experiência de algo completamente novo e diferente daquilo que estamos habituados. 
   Em “A Sombra do Vento”, Carlos Ruiz Zafón dá-nos essa sensação e mais.  A acção passa-se em dois tempos, duas histórias que, ao longo do livro, se vão interligando uma na outra, de um modo que quase podemos considerar brilhante, até ao “volte de face” final, inesperado mas bastante esclarecedor.
   Logo desde as primeiras páginas, quando Daniel percorre os corredores do Cemitério dos Livros Escondidos e encontra o livro de Carax (ou é o livro que o encontra?), sentimos que estamos perante algo diferente, algo que nos agarra e nunca mais nos larga até ao final da obra.  É como se o leitor se transformasse no próprio Daniel  e passasse a fazer parte daquele universo.
O Cemitério dos Livros Escondidos
   O estilo narrativo é electrizante mas também, tal como o  próprio universo da história, envolvente e misterioso. As personagens cohabitam numa Barcelona pós Guerra Civil e IIª Guerra Mundial, cenário de instabilidade e insegurança. O leitor (transfigurado ou não), acompanha Daniel na sua odisseia em busca de Julian Carax e de algum significado para a sua vida. Seguimo-lo em correrias constantes e imprevisíveis, paixões corajosas, lúcidas ou delirantes, destruidoras ou aperfeiçoadoras, que acabam por ser os motores que nos movem  e que nos motivam a acompanhar os heróis e vilões ao longo desta história.
   Inspirado no melhor e mais negro de Edgar Allan Poe, mas também  em Agatha Christie e Conan Doyle e com um toque de Arturo-Perez Reverte, compatriota de Ruiz Zafón,  a “A Sombra do Vento” absorve-nos graças aos seus motivos detectivescos, enigmáticos  que se vão tornando cada vez mais negros, mas também onde não faltam algumas doses de humor refinadas, proporcionadas por Fermín Romero de Torres, amigo e conselheiro de Daniel. Letrado, talentoso e habilidoso, Pertencem-lhe alguns dos momentos mais desanuviadores do romance, graças ás pérolas proverbiais que, de tempos em tempos, atira em momentos vulgares, que aliviam o tom intenso da história.
O autor, Carlos Ruiz Zafón
   Publicado em 2001, “A Sombra do Vento”, foi traduzido em mais de 30 idiomas e publicado em mais de 45 países, e já vendeu mais de 6,5 milhões de exemplares. Juntamente com “O Jogo do Anjo”, publicado em 2008, onde novamente nos cruzamos com cenários e personagens de “A Sombra do Vento”, apesar de não ser  uma continuação do anterior, mas sim uma nova história centrada no universo dos livros,  e “O Prisioneiro do Céu”, de 2011, que, de acordo com o próprio autor, é, sim, a continuação do romance de 2001,  constituem uma trilogia que pode ser lida em qualquer ordem, sem se perder o entendimento da obra como um todo.
    Um livro escrito por quem gosta de ler, para todos aqueles que gostam de ler e que nunca esqueceram o prazer que se pode tirar da leitura dum bom livro.
 Foi para estes que Carlos Ruiz Zafón escreveu “A Sombra do Vento”...todos aqueles  que não se reveêm no parágrafo anterior,  nem vale a pena abrirem o livro porque este de nada lhes servirá...

   

EMERSON, LAKE & PALMER II

            O trio, depois de um longo período de férias, sentindo-se revigorado, reuniu-se novamente em 1976, nos “Mountain Studios”, em Mo...