sexta-feira, 23 de agosto de 2013

All That Jazz – Os excessos duma Vida


  
 Bob Fosse (1927-1987), coreógrafo e realizador, foi  um nome incontornável no cinema, particularmente no cinema Musical onde algumas das mais geniais coreografias  sairam da sua cabeça. Quando se tornou realizador, foi com o seu segundo filme, “Cabaret- Adeus Berlin” (1972), um musical já fora de tempo, que recebeu alguns dos maiores  prémios da sua longa carreira,  incluindo o Oscar de Melhor Realizador, um dos oito que o filme ganhou. Até á data, é o único realizador a receber os três maiores prémios da indústria no mesmo ano:  Oscar, Emmy e Tony. “All That Jazz - O Espectáculo vai Começar”,  realizado em 1979,  é um filme semi-autobiográfico,  podendo mesmo ser considerado  como “o retrato do artista em vida”.
    O coreógrafo Joe Gideon é um “workaholic” e um mulherengo incorrigível. É com um cigarro na boca, anfetaminas e outras drogas que tenta, ao mesmo tempo, montar o seu filme  “The Stand Up” a tempo e horas da estreia e encenar e coreografar um espectáculo para a Broadway. Um dia sofre um ataque cardíaco quase fatal e, enquanto conversa com Angelique, um anjo duma beleza fatal, revê episódios da sua vida.
   Apesar de ser uma fantasia musical, “All That Jazz”, como disse atrás, tem qualquer coisa de autobiográfico. Baseando-se num episódio  real que aconteceu a Bob Fosse em 1973. Estava o realizador a trabalhar a conta-relógio na montagem do seu filme “Lenny” , de modo a tê-lo pronto para estrear na data prevista, ao mesmo tempo que coreografava e encenava “Chicago”, uma peça  para a Broadway, quando sofreu um ataque cardíaco que o fez repensar a sua vida dali para a frente.
    
O fabuloso início do filme
Visualmente brilhante, o filme revela muito do que foi  a carreira de Bob Fosse como dançarino, coreógrafo e realizador. Homem de excessos: álcool, cigarros, drogas (leves e duras), mulheres; sempre a trabalhar no limite, mas, acima de tudo, um perfeccionista nato, Fosse (ou seu alter-ego Joe Gideon?) criou, neste filme, alguns dos mais bizarros e extravagantes números musicais  de que há memória: logo desde o início, ao som de “On Broadway”, um sucesso de George Benson, um  fabuloso “plongée” mostra uma figura, ajoelhada, de costas para a câmera, vestida de negro, a observar uma multidão de jovens dançarinas e dançarinos durante uma audição em cima dum palco: é o encenador, coreógrafo e realizador Joe Gideon que, sempre  com o seu cigarro no canto da boca,  a observar tudo e todos, vai seleccionando aqueles que lhe parecem ser os melhores dançarinos.  A partir deste excepcional início, Fosse, com seu único “know how”, coloca a câmera onde quer e como quer  e, como diz o seu alter-ego Joe Gideon “It’s Showtime Folks!”.
 
Os números musicais, entrecortados com a conversa de Gideon com a bela Angelique sobre a vida, profissional e familiar, do artista (uma piscadela de olho a “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman), sucedem-se a um ritmo alucinante, tal como foi a vida de Bob Fosse e do seu alter-ego. Numeros como “Air-otica”, “Jaeger & Gideon”, ou o fantástico final com “Bye  Bye  Life” são o resultado de uma montagem brilhante, perfeita mesmo, cada fotograma está exactamente onde deve estar, iluminado por cores sóbrias que na maior parte das cenas se fundem em negros e brancos.
   
O realizador faz uso brilhante das lentes zoom (quando, na altura, poucos eram os que sabiam fazer uso delas), filmando cenas em que se começa por ver apenas um dançarino ou dançarina em palco e logo começa uma variedade de corpos a passar pelo primeiro a acompanhá-lo no número, deixando o espectador sentir aquela sensação intransponível  do coreógrafo/encenador  de não saber quais serão aqueles que iram dançar no espectáculo,  além de transmitir também  aquela sensação de que estamos perante algo que se passa, não na realidade, mas sim na cabeça de alguém que está ás portas da morte (até aqui, Bob Fosse foi insuperável na previsão da própria morte, de ataque cardíaco em 1987!), tornando todo o filme, do meio para o final, algo depressivo, mas cada vez mais brilhante.  Toda a sequência final, quando Joe Gideon sofre aquele que será o ataque cardíaco fatal que lhe causará a inevitável morte, passa-se inteiramente na sua mente e ele, deitado na cama do hospital, ligado por tubos e a respirar artificialmente, “vê” o seu alter-ego terminar o seu trabalho, encenar e coreografar os números que faltam no seu espectáculo, e prepará-lo para o grande final, permitindo que ele se despeça da vida, dos seus familiares mais próximos (ex-mulher e filha), a namorada, amigos e colaboradores,  em grande com o fabuloso “Bye Bye Life”.
   Fantásticas e não menos fabulosas, aliás, contribuem, e muito, para abrilhantar o filme,  são interpretações de Jessica Lange e, principalmente, de Roy Scheider. Lange, uma antiga modelo que descobriu o cinema em 1976  com “King Kong” (John Guillermin) , tem aqui o seu primeiro papel de destaque ao interpretar Angelique, uma espécie de anjo, dona de uma beleza fatal  acentuada pelo seu vestido branco e o seu chapéu de abas largas, com quem Gideon conversa ao longo do filme e parece ser a única pessoa que o compreende. A sua interpretação está ao nível de outras com que a actriz nos brindaria em anos futuros e que lhe trariam diversos prémios, incluindo dois Oscares da Academia  como Melhor Actriz Secundária em “Tootsie – Quando Ele era Ela” (Sidney Pollack, 1982) e como Melhor Actriz Principal  em “Céu Azul” (Tony Richardson, 1994). Pelo meio não a conseguimos esquecer  em “O  Carteiro Toca Sempre Duas Vezes” (Bob Rafelson, 1981) onde dá vida a uma mulher adúltera que seduz Jack Nicholson.
It's showtime, folks!
   Se Jessica Lange seduz o espectador, Roy Scheider  foi a escolha certa para o papel de Joe Gideon. De estatura  e aspecto semelhante a Fosse, o actor, depois de vários anos em papéis secundários, “The French Connection – Os Incorruptíveis contra a Droga” (William Friedkin, 1971), o multi-premiado policial, deu-lhe uma nomeação para o Oscar de Melhor Actor Secundário,  ganhou destaque em “Jaws – Tubarão”(1975), o mega-sucesso de Steven Spielberg e foi  esta sua ascensão repentina, continuada em “Jaws II – O Tubarão 2” (Jeannot Swzarc, 1978), que o conduziu directamente a Bob Fosse e ao seu alter ego.  Scheider agarrou  e interpretou brilhantemente  o papel (diz-se que a sua sofreguidão pelo papel foi tal que o actor aprendeu a cantar e dançar de propósito para  o papel), cantando e dançando tão bem que, por vezes, é difícil distinguir se estamos perante o actor ou o modelo que serviu de inspiração a tão fabulosa interpretação. Foi, sem dúvida, o melhor papel da longa carreira do actor.
 “All That Jazz – o Espectáculo vai Começar” surgiu numa época em que o musical  já havia desaparecido como género grande. Muitas vezes comparado, pela  sua estrutura, a “8 ½ “ , de Federico Fellini, um filme autobiográfico do mestre Italiano-prima, também ele recheado de elementos fantásticos, comparação essa que Fosse sempre negou.
O filme estreou em dezembro de 1979, ainda a tempo de entrar na corrida para os Oscares, conseguindo nove nomeações, incluindo para Melhor Filme, Melhor Realizador e também para Melhor Actor, venceria apenas em quatro  categorias técnicas. O filme foi um enorme sucesso de bilheteira e venceria ainda inúmeros prémios em festivais um pouco por todo o mundo. Na Europa, em 1980, seria exibido no Festival de Cannes e obteria a consagração máxima ao vencer a Palma de Ouro, “ex-aequo” com “Kagemusha – A Sombra do Guerreiro” do mestre Japonês Akira Kurosawa.
Bobo Fosse e o seu alter-ego Joe "Roy Scheider" Gideon
   Em 2001, “All That Jazz” foi considerado, pelo “American Film Institute”  como sendo culturalmente, historicamente e esteticamente significativo e selecionado para ser preservado no “Nacional Film Registry”. Em 2006 o filme foi considerado o 14º melhor filme musical da história do cinema.
   Seria também o ultimo filme musical a ser nomeado para o Oscar de Melhor Filme do Ano  antes de “A Bela e o Monstro”, em 1991, receber a mesma nomeação e, finalmente em 2002, “Chicago” (o filme que Bob Fosse queria realizar, mas nunca conseguiu por falta de financiamento, baseado na sua peça da Broadway), vencer essa categoria.


Nota: As imagens e vídeo que ilustram o texto foram retirados da Internet



quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Tempo de Glória – Quando os EUA se envergonharam a Si Mesmos




   
De tempos a tempos surge um filme que nos traz á memória os bons velhos épicos que assistíamos com os nossos pais e que faziam as delícias de quem ia ao cinema nas décadas de 50 e 60 do século passado. “Tempo de Glória” foi um desses filmes.
   Produzido em 1989, ano de todas as mudanças no panorama internacional, feito na esteira do sucesso obtido na televisão por “Norte e Sul” ( David L.Wolper, 1985), este filme mostrou um outro lado da Guerra de Secessão Americana que ainda não havia sido explorado antes.
   O Coronel Robert Gould Shaw, herói da Guerra de Secessão, oferece-se como voluntário para comandar o 54º Regimento de voluntários do Massachusetts, o primeiro inteiramente constituído  por  soldados negros contra o exército confederado, mesmo conhecendo todos os dissabores que essa decisão lhe possa trazer…
   
O Monumento ao 54º Regimento de Infantaria em Boston
O filme é baseado, em parte. nas cartas particulares que o coronel escrevia á sua mãe (e das quais se ouvem excertos ao longo do filme) e nos livros “Lay This Laurel”, escrito por Lincoln Kirstein e “One Gallant Rush” de Peter Burchard. Kevin Jarre, o argumentista,  disse que a sua principal inspiração veio quando visitou o monumento de homenagem ao Coronel Shaw e ao 54º em Boston (que se vê sob o genérico  no final do filme).  
   
Realizado por Edward Zwick, realizador de “Lembras-te da última noite?” (1986) em que um homem e uma mulher tentam manter uma relação amorosa apesar das suas diferenças de opinião e das opiniões dos outros, filme produzido por John Hughes, rei da comédia na década 80 do século passado; “Coragem debaixo de Fogo” (1996) em que do resultado duma investigação, permitirá que uma oficial do exército seja postumamente condecorada; “O Último Samurai” (2003), um épico-veículo para Tom Cruise, também produtor do filme, cuja acção se passa no século XIX, onde um oficial do exército americano, capturado numa batalha contra os samurais, transforma-se num consultor militar  dos guerreiros orientais enquanto abraça a sua  cultura;  “Diamante de Sangue” (2006) cuja acção se centra na guerra civil da Serra Leoa, onde um mercenário houve uma história sobre um pescador ter encontrado um grande diamante. Zwick, formado na televisão, aplica os conhecimentos aí adquiridos em cenas de acção muito bem encenadas, como seja por exemplo a primeira vez que a companhia entra em acção numa escaramuça com as forças confederadas; ou o ataque ao Fort Wagner, cujo massacre, quase integral da companhia, lhes dá a entrada na História (a “Glory” de que fala o título original do filme). É uma cena extremamente bem filmada, muito bem fotografada e com a banda sonora de James Horner a dar o toque necessário para que a cena final (em que os nossos heróis conseguem subir a muralha do forte) se torne na imagem mais poderosa do filme.
   Com um elenco onde se destacam os nomes de Matthew Broderick, como Coronel Robert Shaw, abandonando com este filme os papéis das comédias que preencheram o seu principio de carreira, o actor tem aqui talvez a sua melhor interpretação; Cary Elwes como adjunto de Shaw e uma boa prestação do actor; Morgan Freeman,como o coveiro Rawlins que ao se alistar vai-se transformar na figura paternal de toda a companhia e uma espécie de mediador de conflitos, embora secundária, dá uma interpretação ao seu melhor nível. O destaque vai, claro, para Denzel Washington, que interpreta o soldado Trip, o racista inconformado com a sua situação, mas que no ataque final, ao ver o comandante morrer ao seu lado, transporta a bandeira dos Estados Unidos até à muralha (honra que lhe fora oferecida pelo coronel na véspera da batalha e que Trip recusara, num dos melhores diálogos de todo o filme,  por não se achar com capacidade para isso), dá um verdadeiro show de interpretação que lhe mereceu o Óscar de Melhor Actor Secundário do ano, vitória conseguida na magnifica cena em que Trip é chicoteado, depois de tentar desertar, perante o olhar de toda a companhia (o seu olhar, misto de ódio e duma dor que está para além de qualquer compreensão, é outro grande momento do filme) e aceita a sua condição sem vacilar. 

O público respondeu positivamente quando o filme estreou, fazendo dele um dos maiores sucessos de bilheteira do ano, elevando o seu orçamento, estimado em cerca de 18.000.000 de dólares para um total de 63.000.000 só nos Estados Unidos. Já a nível dos críticos, estes dividiram-se, embora na generalidade, o filme tenha recebido louváveis críticas no tocante a valores de produção e história condutora, foram mais moderados na avaliação das interpretações, nomeadamente, a de Matthew Broderick como cabeça de elenco.
   Vencedor de 3 Óscares da Academia, e inúmeros outros prémios,  “Tempo de Glória” foi um enorme sucesso de bilheteira e um daqueles  filmes que vale sempre a pena  ver e, por ser baseado em factos verídicos, acaba por ser também uma lição de história sobre uma guerra que envergonhou uma nação.

Nota: As imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet




EMERSON, LAKE & PALMER II

            O trio, depois de um longo período de férias, sentindo-se revigorado, reuniu-se novamente em 1976, nos “Mountain Studios”, em Mo...