quinta-feira, 20 de junho de 2013

Duas Perspectivas Diferentes, O Mesmo Cenário II


                                     - Cartas de Iwo Jima

   
A segunda parte do diptíco dedicado à batalha de Iwo Jima, uma das mais sangrentas da Segunda Guerra Mundial do século passado. A primeira parte focava o ponto de vista americano. “Cartas de Iwo Jima” foca o ponto de vista japonês, quase  totalmente falado em japonês (Ken Watanabe era o único actor que falava inglês e servia de ligação entre a equipa de produção e o elenco, todo ele desconhecido), mas fazendo uma abordagem muito mais pessoal e intíma. Tudo filmado sob a mestria e o olhar atento de Clint Eastwood.
   Embora usando a mesma técnica empregue em "As Bandeiras", Eastwood evita a repetição. Troca o ponto de vista da batalha ( o momento grande da obra anterior, o içar da bandeira no monte Suribachi, é visto á distância dum abrigo japonês) e utiliza as cartas e os pensamentos que os Oficiais e Soldados Japoneses escreveram para os seus familiares enquanto aguardavam a invasão.
   O filme abre com uma sequência, no presente, em Iwo Jima. Numa gruta são encontradas centenas de cartas que não chegaram a ser enviadas. São elas o ponto de partida para este filme, já considerado uma obra-prima do cinema e, muito particularmente do seu realizador. Nessa cartas, algumas são do General Kuribayashi e nelas o militar revela as suas preocupações, ansiedades e alguns acontecimentos ocorridos durante o tempo em que comandou as tropas na ilha
     
Iris Yamashita, Clint Eastwood e Ken Watanabe
As personagens estão construídas de forma humana (ao contrário das personagens de “As Bandeiras” onde nos era mostrado alguma desumanidade), é esse o lado do conflito que Clint Eastwood pretende mostrar. Mais do que homens, tornados soldados pela força das circunstâncias, de capacete e arma em punho cuja missão principal é eliminar outros homens. São jovens, cada um com o seu desejo, o seu trauma, enfim, histórias que fazem com que este filme fuja do convencional filme de guerra. Em certas alturas, o espectador é envolvido pela força da história e deixa-se conduzir pelas personagens, principalmente pela hierarquização entre o general e o soldado, dois extremos que a guerra une em conceitos tão universais como o medo, a honra ou o amor pela familía.
   Inicialmente, o filme era para se chamar “Red Sun, Black Sand”, mas só muito dentro das filmagens é que o título foi mudado para “Letters from Iwo Jima” por ser, em grande parte, baseado no livro “Gyokusai sõshikikan no etegami – Picture letters from the Commander in Chief, escrito pelo General Tadamichi Kuribayashi, o comandante das forças japonesas na ilha (interpretado com grande intensidade por Ken Watanabe), compiladas e publicadas pelo editor  Tsuyuko Yoshid. Baseado nele, a argumentista Iris Yamashita escreveu a história, posteriormente desenvolvida pela própria com a ajuda  de  Paul Haggis no argumento deste extraordinário filme.
   
Utilizando alguns colaboradores  habituais de Steven Spielberg (que produziu os dois filmes), Clint Eastwood consegue um relato verdadeiramente dramático de uma batalha que, à partida, já estava perdida, consegue-o através da fotografia esplendorosa de Tom Stern, filmado, á semelhança de “As Bandeiras dos Nossos Pais”, num quase preto-e-branco intenso, dando um realismo atroz ás sequências de batalha. Esta técnica fotográfica faz com que o interior das grutas e dos túneis pareçam irreais, os rostos ansiosos parecem conter algum brilho na sombra, iluminando o seu próprio sofrimento. Quando sujeita á luz do dia, a fotografia de Stern, torna-se mais realista e solene.

    Com este filme, o realizador evita a habitual repetição nos filmes, invertendo os factores. Poucos são os filmes que tomam o ponto de vista dos vilões transformando-os em heróis, como aconteceu com “Cross of Iron – A Grande batalha”, realizado por Sam Peckinpah em 1977, cuja acção se passa em 1943,  na frente russa e onde os nazis são os heróis e os russos os vilões feios, porcos e maus.
É costume descrever-se como épico um filme que gira em volta de grandes batalhas, acontecimentos históricos e grande quantidade de mortos. Mas Eastwood não entra por este caminho. Apesar de alguns cenários mostrarem armamento em larga escala, o ambiente geral de “Cartas de Iwo Jima”, é altamente intímo, apesar de percorrido por uma enfática força emocional, o realizador consegue mostrar uma particular atenção a gestos e discursos que se podem considerar delicados. Clint Eastwood não é um desconhecido para  a linguagem da violência, mas é um mestre no que toca a dramatizar as consequências éticas e morais da própria violência. 
   
Não existe nada gratuito neste filme, tudo tem o seu preço, nem nada  vistoso ou falso. Existem humor e crueldade próprias de homens em perigo; existe a frieza lógica do planeamento militar e a irracionalidade do comportamento em combate; existe vida e morte.
   Ambos os filmes “viajam” para a frente e para trás no tempo e no espaço entre Iwo Jima e os locais onde habitam os combatentes. Em “As Bandeiras dos Nossos Pais” a batalha acontece maioritariamente através de “flashbacks”, já que o filme é,  em larga medida, acerca da culpa e  confusão que os sobreviventes encontram aquando do seu regresso a  casa. Em “Cartas de Iwo Jima”,  a batalha acontece no presente, e é a casa que surge ocasionalmente na memória dos homens que têm quase a certeza de que não a voltam a ver.
   A recepção de critica e público foi extremamente positiva. Aclamado, pelo retrato do bem e do mal em ambos os lados da batalha, “Cartas” foi rapidamente considerado uma obra-prima do cinema de guerra. Premiado em diversos festivais mundo fora, vencedor do Globo de Ouro para Melhor Filme em Língua Estrangeira e recipiente de quatro nomeações para os Oscares da Academia, incluindo duas para Melhor Filme do Ano e Melhor Realizador.
   No Japão, o filme obteve um sucesso ainda maior do que nos Estados Unidos quer por parte de críticos, quer pelo próprio público, sempre muito reservado em relação aos filmes que abordam temas tão delicados como este.
   Em 2010, o American Film Institute considerou “Cartas de Iwo Jima” um dos 10 melhores filmes de guerra de todos os tempos.


 Nota: As imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet
                                             
                                            

terça-feira, 18 de junho de 2013

Duas Perspectivas Diferentes, O Mesmo Cenário I



                                - As Bandeiras dos Nossos Pais

   
Em 1962, “The Longest Day – O Dia mais Longo”, uma superprodução de guerra sobre o dia D – o desembarque aliado na Normandia e que foi o ponto de viragem da II Guerra Mundial na Europa. Filmado a preto-e-branco, permitiu na altura, juntar imagens documentais ás cenas filmadas com actores reais e tornar o filme uma referencia no panorama da superprodução. A grande novidade deste filme foi o facto de ser filmado por três realizadores por forma a apresentar três perspectivas diferentes da operação: Ken Annakin filmou os segmentos britãnicos; Andrew Marton encarregou-se dos episódios com as forças americanas; e Bernhard Wicki tratou dos segmentos alemães. No conjunto, os três pontos de vista formaram uma visão conjunta, antes, durante e depois do desembarque e tornaram este filme, vencedor de dois Oscares da Academia, um clássico incontornável do cinema.
   
Alguns anos depois, em 1970, “Tora, Tora, Tora” apresentava uma reconstituição do ataque japonês a Pearl Harbor. Richard Fleischer e Kenji Fukasaku foram os realizadores encarregados de mostrar os pontos de vista de ambos lados. O filme, vencedor de um Oscar da Academia, não foi o sucesso esperado mas tornou-se, com o passar dos anos, um filme cada vez mais e mais revisitado por cineastas e outros interessados. O formato não convenceu e foi preciso esperar pelo sucesso mundial de “Saving Private Ryan – O Resgate do Soldado Ryan” (Steven Spielberg, 1998) para regressar ao formato da dupla perspectiva de determinado acontecimento. Em 2006, o veterano realizador Clint Eastwood, pegou no formato e fez dois filmes inesquecíveis.
   
   
Parece difícil pensar que haja alguma coisa sobre a IIªGuerra Mundial que ainda não tenha sido objecto de análise, reconstituição ou mesmo adaptação para o grande ou pequeno écran. No entanto foi isso mesmo que Clint Eastwood quis fazer quando leu “Flags of Our Fathers – As Bandeiras dos Nossos Pais”, o livro de James Bradley e Ron Powers onde se descreve como as vidas dos três sobreviventes que estiveram envolvidos no Içar da Bandeira Americana em Iwo Jiwa, em fevereiro de 1945, imortalizados pela fotografia que Joe Rosenthal da Associated Press lhes tirou, se alteraram após aquele momento e do aproveitamento que o governo faz, ao transformá-los em celebridades apresentadas em paradas e outras celebrações, apresentando-os como porta-voz no esforço de guerra.
   
O argumento, escrito por William Boyles, jr. e Paul Haggis, adapta muito do material escrito, oscila entre três períodos temporais: Iwo Jiwa, a tournée em prol do esforço de guerra e no presente. É nos destinos de cada um dos heróis que o filme evolui do mediano filme de guerra para um trabalho interpretativo de grande qualidade, principalmente no que toca a Ira (uma excelente interpretação de Adam Beach), um índio Pima, que, destroçado pela batalha em Iwo Jiwa, passa a herói dum momento para outro, não aguenta a pressão e tenta esquecer bebendo até cair num verdadeiro oblívio.
    
O Realizador Clint Eastwood
A abordagem de Eastwood é muito cinematográfica. Ele desconstrói a batalha de modo a torna-la uma visão muito mais negra do que a história regista. Aproveita para esse efeito a natureza vulcânica da própria ilha (apesar das sequências de batalha terem sido filmadas na Islândia, porque o governo japonês não autorizou filmagens na ilha por a considerarem solo sagrado), o realizador e Tom Stern, director de fotografia, usando filtros especiais, tiram alguma da cor dando a sensação de que as cenas na ilhas são filmadas a preto-e-branco e quase parece impossível que haja alguma coisa viva naquela local de tão assustadoras e surreais que  são as imagens. Eastwood coreografa as cenas de batalha de um modo tão caótico, a fazer lembrar o início de “O Resgate do Soldado Ryan”, focando a atenção (sua e dos espectadores) nos movimentos das tropas em vez de ser na realização, “colando” a câmera aos soldados  e depois quando acontecem barragens de fogo, a correr ao lado deles como se procurasse abrigo. 
   
A maior parte dos filmes de guerra, mesmo aqueles que se dizem anti-guerra, aberta ou implicitamente abraçam a violência e veem-na, politica ou cinematograficamente, como um meio para atingir um fim. Poucos são os realizadores que conseguem resistir á visão de um míssil a explodir e ao espectáculo da morte; a violência é simplesmente demasiado excitante para se evitar. E Eastwood não se esquiva a esta realidade, bem pelo contrário, como fica bem demonstrado em “ As Bandeiras dos Nossos Pais”. Somos conduzidos ao coração da violência e ao coração dos homens, vemos até onde é possível ir, com a mesma facilidade com que vemos grutas onde  soldados são  torturados até á morte ou sucumbem á loucura ou assistimos ao fogo-de-artíficio num qualquer dia festivo. O filme apresenta-nos esta visão cruelmente e Clint Eastwood defende-se dizendo “Que era importante para o público perceber aquilo porque estes três homens passaram, aquilo a que se dedicaram e o que herdaram e o que é ter aquela sensação de falsa celebridade…” e tinha toda a razão do mundo!
   Recebido com entusiasmo pela crtíca e público, o filme não foi, no entanto, o sucesso esperado. Clint  Eastwood foi nomeado para um Globo de Ouro como Melhor Realizador e o filme recebeu duas nomeações para os Oscares da Academia. Em alguns sectores da sociedade, o filme foi considerado uma obra séria e patriota já que honra todos aqueles que combateram no pacífico e, ao questionar a versão oficial da verdade, lembra-nos que super-heróis existem apenas nos livros de Banda Desenhada e nos filmes de animação. Com “Letters from Iwo Jiwa – Cartas de Iwo Jiwa”, o caso foi diferente.
                                                                                                                   (continua)



Nota: As imagens e vídeo que ilustram este texto foram retiradas da Internet
                                       

EMERSON, LAKE & PALMER II

            O trio, depois de um longo período de férias, sentindo-se revigorado, reuniu-se novamente em 1976, nos “Mountain Studios”, em Mo...