quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

MIKE OLDFIELD I

                         - Começos (1967-1979)

   “Primeiro estranha-se, depois entranha-se” , terá sido com estas palavras de Fernando Pessoa que os  executivos da Virgin Records reagiram aos primeiros acordes do tema “Tubular Bells – Part I”, do álbum com o mesmo nome do músico Mike Oldfield, com que foi inaugurado o catálogo  daquela editora no ano de 1973.
    
Michael Gordon Oldfield  nasceu a 15 de maio de 1953 e desde cedo mostrou grande apetência para a música. Aos 14 anos tocava guitarra acústica em pubs e clubes locais em Reading, no Essex, ganhando algumas libras e experiência musical.  Por esta altura, Mike Oldfield já tinha composto 2 temas instrumentais de 15 minutos cada que, segundo ele, lhe serviam “para passar por todos os estados de alma” e que seriam a base para a maior parte dos seus temas-marca durante a década de 70.
Pouco tempo depois, Oldfield começou a tocar num grupo que imitava os Shadows de Cliff Richard e Hank Marvin, este último influenciou muito o jovem Mike que, anos mais tarde,  faria uma “cover” do tema “Wonderful Land” do grupo. 
   Em 1967, Oldfield e a sua irmã, Sally, formaram o duo “Sallyangie”.  Apresentando-se ao vivo num festival folk local, ganharam alguma projecção e, em 1968, gravam um álbum “Children of the Sun” para a editora Transatlantic Records. Mas o duo foi sol de pouca dura e quando acabou, Mike Oldfield formou outro duo, desta vez com o seu irmão, Terry, chamado “Barefoot” e regressou á música rock. Mas também esta experiência não iria durar muito tempo. Os dois irmãos de Mike, viriam a participar em muitos dos seus álbuns.
   
Em 1970,  Mike juntou-se ao grupo “The Whole World”, um grupo que acompanhava Kevin Ayers, vocalista e antigo membro do grupo “Soft Machine”,  a tocar guitarra baixo e ocasionalmente guitarra elétrica.  O jovem participa em dois álbuns de Ayers, “Whatevershebringswesing” e “Shootingat the Moon”. O grupo incluía também o compositor e teclista David Bedford, a quem ele mostrou as suas primeiras experiências musicais, que viu no jovem Mike um músico promissor.  Rapidamente, Bedford, encorajou o jovem musico a compôr uma primeira versão de “Tubular Bells”.
   
Depois de ter gravado uma série de demos que iriam resultar em “Tubular Bells”, Oldfield tentou, sem sucesso, convencer inúmeras editoras a apostar naquele projecto. Em Setembro de 1971, quase a desistir, levou a demo até ao Manor Studio, onde iria participar como baixista convidado no álbum de Arthur Louis. No intervalo, entre sessões, pôs a demo a tocar e ela foi ouvida por Tom Newman e Simon Hey worth, engenheiros de som, que ficaram encantados com aquela sonoridade.
Apresentaram-na ao jovem milionário, Richard Branson, dono da Manor Studio e que naquela altura se estava a preparar para lançar a  sua própria editora, a Virgin Records. Encantados com a sonoridade  daquele tema, Branson e o seu braço-direito, Simon Draper,  deram ao jovem Mike uma semana para gravar na Manor, durante a qual ele completou a parte 1 de “Tubular Bells”. A parte 2 foi completada e gravada nos meses seguintes.
 
 “Tubular Bells” tornou-se o trabalho mais famoso de Mike Oldfield e uma peça musical incontornável de Rock Sinfónico na sua vertente “New Age”( movimento, nascido no final do século XX, cuja principal característica é a de criar um espaço ambiental de inspiração artística, relaxamento, estudo e leitura através da música). O álbum instrumental foi gravado durante o ano  de 1972  e editado a 25 de maio de 1973 inaugurando o catálogo da Virgin Records de Richard Branson.  A recepção ao álbum foi estrondosa, já que,  passando por vários estilos musicais, nas duas faixas que o compõem,  Mike Oldfield toca mais de vinte instrumentos diferentes e só na Grâ-Bretanha vendeu mais de 2.630.000 cópias, situando-se, ainda hoje, na  posição 34 dos álbuns mais vendidos no país.  Nos Estados Unidos, o álbum ganhou alguma projecção quando um excerto da parte 1 foi incluído na banda sonora do filme “The Exorcist – O Exorcista” (William Friedkin, 1973) por escolha directa do realizador. Essa inclusão do  excerto na banda sonora do filme acabou por ser decisiva e o tema foi  número 10 no top de vendas  americano.
   Em 1974, Mike Oldfield participou como guitarrista  no álbum “Rock Bottom” de Robert Wyatt e no Outono desse ano editou “Hergest Ridge”, uma espécie de continuação de “Tubular Bells”. Tal como o seu antecessor, este também era uma peça musical dividida em duas partes, desta vez a música evoca cenas do retiro de campo da família Oldfield situado no condado de Herefordshire. Apesar de editado pouco mais de um ano depois de “Tubular Bells”, “Hergest Ridge” chegou primeiro a número 1 do que o anterior, apesar daquele ter sido número 2 dez semanas consecutivas, antes de chegar a número 1 na semana em que estreou o filme do qual fez parte da banda sonora.
    Ainda em 1974, Mike Oldfield participa como guitarrista convidado em “The Orchestral Tubular Bells”, um arranjo que o amigo David Bedford fez para a Royal Philharmonic Orchestra. A grande diferença para o álbum original é que Mike Oldfield não toca a maioria dos instrumentos, a melodia e a sonoridade são as mesmas só que transferidas para outros instrumentos,  os coros não existem, assim como “O Mestre de Cerimónia” a dizer o nome dos instrumentos, no final da parte 1, também não existiu. Apesar de ter sido uma experiência interessante,  não trouxe nada de novo para a obra do multi-instrumentista britânico.
   
1975 viu nascer um álbum importante na carreira do músico. “Ommadawn” é um álbum pioneiro na música mundial. Mantém-se a tendência de uma peça dividida em duas partes, mas a   introdução de novos instrumentos, como a gaita de foles ( a maior parte dos instrumentos são tocados por Oldfield) e dum coro liderado pelo Coro do Colégio da Rainha  e das vozes de Sally Oldfield, Maddy Prior, remete-nos para um quase principio do mundo, influenciado pelas raízes celtas na música inglesa. Também em 1975, Mike Oldfield recebe um “Grammy” (Oscar da música) para Melhor Composição Instrumental com “Tubular Bells”.
   Em 1976, a virgin records, com autorização do músico, lança "Boxed", uma caixa com quatro discos que continha os álbuns "Tubular Bells", "Hergest Ridge" e "Ommadawn", remisturados com som quadrifónico, onde, nas palavras de Oldfield, era possivel descobrir pequenas texturas musicais não identificadas nas versões normais dos álbuns e um quarto disco intitulado "Collaborations", constituído por temas diversos, tocados com os músicos que colaboraram nos seus outros projectos.
    A tendência para explorar novas sonoridades seria continuada no álbum seguinte, editado em 1978. O duplo álbum “Incantations”, apesar de ser o mais longo trabalho de Oldfield, é o mais perfeito e mais completo da primeira fase da sua carreira. Desta vez a longa peça é dividida em quatro partes e enriquecida novamente pelo coro, mais diversificado ao longo de toda a peça. O álbum, como um todo,  utiliza composições  minimalistas e linhas melódicas onde se ouvem apenas alguns instrumentos. O sucesso, apesar de relativo em relação aos álbuns anteriores, permitiu-lhe começar a pensar em fazer uma tounée extensiva de apresentação.
   
Entre março e abril de 1979 Mike Oldfield percorreu a europa, com cerca de 50 músicos e vocalistas,  no que ele chamou “Tour da Europa” dando concertos na Alemanha, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Espanha, Portugal e terminando em Inglaterra. Inicialmente os concertos eram gravados sem o conhecimento dos músicos para que lhes fosse pago menos dinheiro apenas pela actuação e não pela gravação. Os músicos acabaram por saber o que lhes estava a acontecer, mas não impediram as gravações e eventualmente um álbum acabou por ser gravado. Suportado pela apresentação ao vivo dos álbuns “Tubular Bells” e “Incantations”, “Exposed”, um duplo álbum, foi o resultado desta dispendiosa tournée que nunca se chegou a pagar inteiramente, apesar das magnificas actuações e de casas sempre cheias.
   

Mike Oldfield iria fechar a década de 70 com um álbum, o primeiro da sua carreira, a conter canções e versões (as chamadas “cover” versions).  “Platinum”, assim se chamou o álbum que contém o tema-título com a duração de cerca de 20 minutos e divido em 4 partes, sendo as duas primeiras peças de rock progressivo no seu melhor; a seguinte, intitulado “Charleston”  é tocada em ritmo swing e contém uma secção de metais que lhe dá um toque humorístico; a última parte é quase um regresso ao toque progressivo das duas primeiras e contém um arranjo dum excerto musical da peça “North Star” do compositor minimalista Philip Glass. Apesar do toque “disco” que  é mantido ao longo desta parte do tema, são o baixo e a guitarra- funky que se ouvem ao longo de toda a secção e depois do coro, é a guitarra-solo que passa a marcar a textura do tema, enquanto se ouve  até final, que faz toda a diferença.  Os outros temas são canções diversas onde se incluem temas como “Punkadidle”, onde Oldfield brinca com o movimento Punk que marcava a Inglaterra do final dos anos 70 e “I Got Rhytm”, um tema clássico composto por Ira e George Gershwin, re-imaginado por Mike que o transforma numa balada ao estilo de Broadway com a voz harmoniosa de Wendy Roberts e uma orquestração maioritariamente executada por teclados.
   Considerado pelos críticos como uma das obras-primas do músico, “Platinum”, não conseguiu atingir os lugares cimeiros das tabelas mundiais, apesar das seis semanas que permaneceu no top britânico. Mas as vendas que fez, permitiram a Mike Oldfield, prosseguir a sua via experimental e, principalmente, entrar na nova década mais confiante que nunca.
                                                                                                      (continua)

Nota: As Imagens e vídeo que ilustram o texto, foram retiradas da Internet






domingo, 15 de dezembro de 2013

“Toute une Vie” – Toda uma Vida – A nossa Alma Gémea


    Quantas vezes é que já nos interrogámos sobre o facto de termos ou não, algures, uma alma gémea, alguém que partilha os nossos gostos, a nossa maneira de ser, de pensar, de estar? Provavelmente fazemo-lo vezes sem conta, sem sequer nos apercebermos disso.  E se um dia, por acaso,  encontrássemos essa alma gémea? Como é que iriamos reagir?, o que é que faríamos? Qual seria a sua (dela, alma gémea) reacção?  Foi o que, em 1974,  Claude Lelouch, realizador francês de renome tentou responder com o seu filme “Toute une Vie – Toda uma Vida”.
    Em “Toda uma Vida”, assistimos à  história  de várias gerações de duas familias, cujos descendentes estão destinados a encontrar-se, nunca o fazem, apesar de se cruzarem algumas vezes em diversas ocasiões, mas só o farão no final.
    Claude Lelouch é um observador do mundo,  gosta de contar a história desse mundo através de melodramas. O realizador costuma dizer “que só existem duas ou três histórias que vale a pena contar”, e resumem-se todas a uma ideia só: Homem encontra Mulher, as variações que esta ideia permite é que são quase infinitas.. O melhor exemplo desta ideia é contado no filme “Une Homme et Une Femme – Um Homem e Uma Mulher”, de 1966, o mais famoso e mais premiado filme do realizador. Nele, um homem e uma mulher encontram-se, apaixonam-se e acabam por se separar. Com esta pequena e simples ideia, o realizador contou uma das  mais belas histórias de amor de que há memoria na história do cinema. Ganhou  diversos prémios incluindo a Palma de Ouro no festival de Cannes e dois Óscares da Academia e foi um sucesso enorme nas bilheteiras de todo o mundo.                  
   
Tudo o que Lelouch filmou depois deste filme, mais não foram do que as tais variações sobre a mesma ideia, das quais saliento “Une Homme et Une Feme: Vingt ans Dejá – Um Homem e Uma Mulher: 20 anos depois” (1986), uma espécie de continuação de “Um Homem e Uma Mulher”, onde  Anne e Jean-Louis (as personagens desse filme), se reencontram passados vinte anos; o fabuloso“Les Uns et Les Autres – Uns e…Os Outros” (1981) onde Lelouch conta a história de quatro familias de franceses, alemães, russos e Americanos, seus amores e frustações através da música, uma paixão comum que os une; neste “Toute Une Vie – Toda uma Vida”, o realizador vai ao extremo de contar a história de um encontro que demora um século para acontecer! A ideia, desenvolvida pelo realizador e pelo argumentista Pierre Uytterhoeven, é simples e absolutamente genial pelo facto de a vermos desenrolar-se  num contexto que envolve o século XX praticamente todo.
   Os primeiros 20 minutos de filme são a preto-e-branco, mudos, acompanhados por uma partitura musical tocada em piano e com os diálogos reproduzidos em cartões entre as cenas (homenagem aos irmãos Lumière e aos primordios do cinema) e perante os olhos do espectador surge a história dos avós  e dos pais de Sarah e Simon, as duas personagens cujas vidas serão  moldadas e vividas ao sabor dos grandes acontecimentos do século XX: Da Primeira  Grande Guerra   á Segunda Guerra Mundial, do Holocausto ao nascimento do Estado de Israel, da Crise dos Mísseis de Cuba á geração Beat dos anos 60.
   
O passado, como cedo se percebe, afecta o presente. Por conseguinte, a visita inicial ás gerações passadas, acrescenta  alguma substância ás suas personalidades: Sarah, a  filha de sobreviventes dum campo de concentração, é tão perturbada quanto o seu sofrido e amoroso pai, que nunca consegue ultrapassar totalmente a perda da mulher, apesar de ser um homem de negócios bem sucedido. Quando, em adolescente, ela se apaixona pelo cantor pop Gilbert Bécaud (o próprio a interpretar-se a si mesmo), o seu oposto, Simon, é preso por roubar alguns discos de Bécaud; mas talvez o melhor resumo destas vidas paralelas seja a cena em que Simon foge da prisão, rouba um automóvel, tem um acidente e é transportado para o hospital, no qual está também Sarah internada depois duma tentativa de suícidio porque Gilbert Bécaud já  não quer saber dela

     Da mesma maneira, as suas carreiras vão surgindo enquanto fazem a caminhada para a maturidade: ela evolui de menina mimada e aborrecida que experimenta de tudo até se tornar numa meticulosa consciência social; ele, por seu lado, vai de condenado a fotógrafo de comerciais e realizador de filmes porno a realizador respeitado (aqui, excluindo a parte dos filme porno, a história adquire algum carácter autobiográfico já que Lelouch começou a filmar publicidade antes de fazer longas-metragens), que procura a sua alma gémea, seguindo as indicações de um antigo companheiro de prisão que, a dado momento, lhe diz que se ele encontrar outra pessoa que, como ele, goste de três cubos de açúcar no café, terá encontrado uma alma gémea.
   
   
“Toda uma Vida” está constantemente em transição entre o sonho e a realidade. As histórias que vemos, não se limitam a interligar-se, elas transformam-se umas nas outras, tal como acontece muitas vezes nos sonhos. Começamos com a história de  um cameraman, a brincar no parque com a sua nova camera (e através dela vê o mundo) , vê uma jovem que admira o seu brinquedo novo, apaixona-se por ela (simbolizando a eterna ligação romântica entre filmes e a vida. Um ciclo inteiro de vida é registado através da camera, incluindo o nascimento da filha do casal). Chamado para ir combater na I Guerra Mundial, ele morre na frente de batalha. O general que entrega a medalha á viúva, vê as atenções centradas em si quando casa com uma dançarina, é pai, e depois descobre que a sua mulher tem um caso. Depois, ele entra num quarto em que tudo se transforma para dar lugar ao assassinato da família Romanov  durante a Revolução Russa (parece que estamos num  filme de David Lynch e não de Claude Lelouch!), mas regressamos rapidamente ao mundo do realizador francês no momento em que acontece o tradicional encontro “rapaz conhece rapariga” numa estação de comboio durante a ocupação da França na II Guerra Mundial . É nesta altura que o filme deixa as imagens  a preto-e-branco e surge a cor. O sonho passa á realidade.
   
   
   
O filme  não se pode considerar do tipo experimental porque tudo aquilo que vemos no écran, saiu directamente da cabeça dos argumentistas (principalmente de Lelouch). Até a  curiosa intercepção das épocas e dos acontecimentos parece natural e até lógica. Não houve nenhuma invenção para o filme é apenas e só um objecto-maravilha, um caleidoscópio de estilo, histórias e notícias relatadas através de material filmado. Tudo isto, dificilmente, seria tão bem trabalhado se não fosse a  genial direcção de actores, aliada a fabulosos planos-sequência e “travellings”  mágicos da autoria de Claude Lelouch que brilha na sequência de perseguição a pé da polícia  a Simon nas ruas próximas dos "Champs Elysées", toda ela filmada de camera na mão ao estilo reportagem televisiva; ou na sequência em que Simon foge da prisão num carro a alta velocidade e bate noutro carro na estrada, o realizador repete a batida várias vezes mostrando ângulos ligeiramente alterados. Até no próprio genérico inicial, passado na viragem do século XIX para o século XX, filmado a preto-e-branco, Lelouch permite-se uma brincadeira: agradece a toda a gente que participa no filme e depois vão surgindo os nomes, por ordem alfabética, mas não diz quem faz o quê, subvertendo a ordem do genérico.

 Com “Toute une Vie – Toda uma Vida”, Claude Lelouch  demonstrou, tal como faria anos mais tarde com “Les Uns et Les Autres – Uns e os Outros”, que as ideias mais simples são as mais geniais.

Nota: As imagens e vídeo que ilustram o texto foram retirados da Internet


quarta-feira, 27 de novembro de 2013

“ The French Connection” - Realista quanto baste!

   

Em 1968, “Bullit” realizado por Peter Yates, elevava o género policial a um novo patamar: Frank Bullit, Detective da Policia de San Francisco, é escolhido para guardar um perigoso mafioso que tem de testemunhar em tribunal; até aqui nada de novo no género, então quais os motivos que levaram a que este filme se destacasse de todos os outros dentro do género? Para além de Jacqueline Bisset  ( nunca esteve tão bonita e sensual como neste filme) e Steve McQueen, mais “cool”que nunca, é uma excepcional perseguição automóvel filmada a grande velocidade nas ruas acidentadas de San Francisco, que marcou a diferença na época e tornou “Bullit” num marco incontornável do cinema. Isto até surgir “French Connection”,  três anos depois.
    
No final da década de 60 do século passado, Nova York vivia uma ressaca de Heroína como nunca tinha acontecido. Nas ruas corria o boato de que um grande carregamento estava para chegar. Popeye Doyle, Detective da brigada de narcóticos da policia de Nova York , homem bruto e de métodos pouco ortodoxos e o seu parceiro Detective Buddy Russo, tomam conhecimento desse boato e resolvem investigar o que é que está por detrás dele…
   O filme é baseado num livro de Robin Moore, que por sua vez se baseou numa história verídica ocorrida no final da década de 60, inícios de 70, quando a maior parte da heroína  ilegalmente importada para a Costa Leste dos Estados Unidos, vinha através da França (a “French  Connection”, a que se refere o título do filme). Tal como a história e os dois protagonistas,  outras personagens do filme também  são baseadas em pessoas reais que estiveram envolvidas no esquema do tráfico de heroína.
    “The French Connection”, que em português recebeu o título pouco apelativo de “Os Incorruptíveis contra a Droga”, é um filme violento, não só pela temática que aborda, como pela maneira que é abordada: de uma maneira frontal e directa (veja-se a cena em que os potenciais compradores de Heroína assistem á demonstração da sua pureza no quarto do hotel)
    
O realizador William Friedkin tira partido da aprendizagem que fez nos anos em que trabalhou na televisão e aplica esses conhecimentos de uma forma realista: quase sempre de camera na mão (atente-se na cena da perseguição de gato e do rato que começa á saída do hotel onde Charnier está instalado e vai terminar de um modo absolutamente fabuloso no metro em Central Station com o acenar de mão do francês num tom de gozo ao frustrado detective que corre ao longo da plataforma do metro em andamento,a tentar, a todo custo, apanhar o seu alvo ; ou logo no inicio quando Doyle e Russo perseguem um suspeito ao longo das ruas), técnica que seria, anos mais tarde utilizada em muitas produções principalmente para televisão como “Hill Street Blues”, NYPD Blues ou até “24”.
   
William Friedkin queria que o seu filme tivesse nas interpretações a sua maior força, mas foi exactamente aí que teve os maiores problemas desde o começo. Queria que o seu filme fosse recheado de grandes interpretações. Antes de se decidir por Hackman ( o realizador sempre se opôs á escolha do actor para liderar o elenco), Friedkin  considerou Paul Newman, Jackie Gleason, Peter Boyle, Charles Bronson e até Steve McQueen, que recusou por não querer fazer outro policial. Por variadas razões,  que vão desde cachets altos, receios de não estarem á altura do que lhes era exigido pelo papel, até recusas por acharem a temática do filme demasiado violenta, as suas escolhas recusaram o papel. A dada altura pensou-se que seria Rod Taylor quem iria ficar com o papel (Hackman disse que o actor lutara imenso pelo papel), já que fora aprovada pelo estúdio, mas, perto do início da rodagem, Taylor abandonou o projecto. O realizador não teve outra hipótese senão aceirar  Hackman para interpretar Doyle.
   Gene Hackman, Roy Scheider e o veterano actor espanhol Fernando Rey são os protagonistas deste excepcional filme policial, as suas interpretações são fabulosas, principalmente Gene Hackman no papel de Popeye Doyle, com o qual ganhou o seu primeiro Óscar de Melhor Actor (o segundo foi como Melhor Actor Secundário em “Imperdoável” a obra-prima de Clint Eastwood), Detective, cuja perseguição dos seus objectivos é tão intensa que não olha a meios para os alcançar: veja-se a cena final quando Doyle entra nas ruínas da fábrica ( de certa maneira essas ruínas simbolizam o mundo de Doyle e também o nosso), aos tiros e completamente obcecado em apanhar o seu inimigo, mata, sem querer, um outro detective á frente de Russo e nem se detém quando o vê morto, reafirma ao seu chocado colega sua intenção (ou será obsessão?) em apanhar o  francês, recarrega a sua arma e continua atrás de Charnier…a última imagem é das mais significativas de todo o filme: uma sala em ruínas, sem ninguém e onde se ouve um tiro antes do écran ficar negro e um epilogo contar o resto da história.

     

Friedkin, filma uma Nova York suja, corrupta e violenta, com grande intensidade, é, no entanto, na sequência da perseguição de Doyle ao metro de superfície que está o grande momento do filme e é aqui que a obra descola de todas as outras. Toda a sequência é filmada em tempo real e numa só vez (ou seja a duração da cena corresponde exactamente ao que foi filmado), utilizando diversas cameras espalhadas ao longo do cenário, no carro e no comboio (não deixa de ser excitante ver as cenas,  filmadas de outra viatura em movimento, em  que se vê o  carro, por baixo da linha férrea, em perseguição ao comboio) . O resultado final é fruto de um hábil trabalho de sala de montagem (também premiado com o respectivo Óscar). 
   
A cena, que dura cerca de cinco minutos e meio é um verdadeiro must cinematográfico, o espectador é envolvido na cena e não são raras as vezes em que nos desviamos dos potenciais obstáculos que vão surgindo no trajecto tal como se fôssemos o próprio Doyle ao volante. Extremamente excitante e absolutamente realista. Muitas vezes imitada mas nunca ultrapassada.  Friedkin voltaria a filmar duas excitantes perseguições automóveis em “To Live and Die in L.A. - Viver e Morrer em Los Angeles” (1985) e “Jade - Jade”(1995); “Ronin - Ronin” (John Frankenheimer, 1999) também teria uma emocionante  perseguição automóvel nas ruas de Paris, mas nenhuma delas se revelou tão importante e excitante como as de “French Connection” e de “Bullit” que permanecem como sendo as melhores perseguições automóveis da história do cinema.
    Vencedor de inúmeros prémios, entre os quais oito nomeações para os prémios da Academia, que se traduziram em cinco Oscares, incluindo Melhor Filme do Ano e Melhor Realizador, “French Connection”,  foi o primeiro filme com classificação “R” (“ Restricted” , que em Portugal podemos considerar como sendo “para Maiores de 16 anos”) a ganhar os principais prémios da Academia,  foi um grande sucesso de bilheteira, que levou a uma continuação (o termo sequela só apareceria anos mais tarde) intitulada “French Connection II – Os Incorruptíveis contra a Droga nº2” (John Frankenheimer, 1975) com Gene Hackman e Fernando Rey a retomarem os seus papéis e com a acção a decorrer em Marselha. De certa maneira, a  já citada cena final acaba por ser o fio condutor da continuação.
    Apesar de datado (todo o visual do filme espelha bem a época em que foi feito), “French Connection” é uma obra-prima do cinema, um filme-referência da década de 70 do século passado.
Em 2005, o filme foi seleccionado pela Biblioteca do Congresso para preservação no Museu Nacional do Cinema dos Estados Unidos por ser cultural, histórico e esteticamente significativo.

Nota: as imagens e vídeo que ilustram o texto foram retiradas da Internet





EMERSON, LAKE & PALMER II

            O trio, depois de um longo período de férias, sentindo-se revigorado, reuniu-se novamente em 1976, nos “Mountain Studios”, em Mo...