domingo, 26 de fevereiro de 2012

Os Crimes dos Rios de Púrpura - Thriller "Made in França"


     O Thriller, sub-género cinematográfico situado, entre o policial e o filme de terror, uma das últimas criações a juntar-se ao longo historial do cinema, tem raízes um pouco por todo o mundo e tem constituido uma das melhores formas de entretenimento dos últimos anos. "Os Crimes dos Rios de Púrpura" é um desses exemplos.
   No Campus Universitário de Guernon, vila situada nos Alpes Franceses, acontece a estranha e horrível descoberta de um corpo assassinado e mutilado de uma jovem estudante da Universidade. É chamado para investigar o Comissário Pierre Niemans, uma espécie de Sherlock Holmes dos crimes em série, cuja perspicácia só é ultrapassada pelo seu pânico de cães. Ao mesmo tempo, um Tenente da Polícia local Max Kerkerian, investiga uma violação duma sepultura ocorrida numa outra vila próxima. Rapidamente se descobre que os casos estão, de algum modo, relacionados e os dois policías vão enveredar esforços para tentar resolver o  mistério. Aquilo que aparentemente seria uma investigação normal de um crime, torna-se algo bem mais complexo há medida que os corpos vão aparecendo.
O realizador e argumentista Mathieu Kassovitz
   Co-adaptado por Jean-Christopher Grangé, autor do romance original e  pelo realizador Mathieu Kassovitz, que já nos dera, entre outras obras, o fabuloso "O Ódio" (1995), centrado nas temáticas das diferenças de classes sociais,   raça, violência e brutalidade policial, filmado num preto-e-branco intenso que lhe confere o realismo necessário e projectou o realizador para a fama; "Gothika"(2003), um thriller fantástico em que nem a presença de Halle Berry ou Penelope Cruz o impediram de ser um fracasso comercial. 
   "Os Crimes dos Rios de Púrpura", consegue ser um thriller eficaz, algo violento, com alguns toques de terror, como se percebe logo no inicio, com a cena do cadáver a ser comido pelos vermes, e isto é apenas o principio, porque ao longo de todo o filme somos confrontados com outras situações próximas. Mas são estes pequenos toques ligeiros no género, que tornam o filme interessante graças a uma realização inteligente de Kassovitz que, utilizando panorâmicas e movimentos de camera, tirando máximo partido do cenário, homenageia o cinema (a cena em que a camera segue quase obsessivamente o carro  de Pierre Niemans enquanto este se aproxima da primeira cena do crime, é uma homenagem à abertura de "Shining" de Stanley Kubrick,  de quem o realizador é admirador confesso), usando todas as ferramentas ao seu dispôr, nos oferece um filme recheado de voltas e reviravoltas que só peca por se tornar demasiado evidente perto do final.
Vincent Kassel e Jean Reno em acção
   Jean Reno, na pele do Comissário Niemans, a jogar em casa, dá-nos uma interpretação poderosa, a que já nos habituou noutras produções como "Vertigem Azul" (Luc Besson,1988) ou "Leon - O Profissional" (Luc Besson,1994) ou "Código DaVinci" (Ron Howard, 2006), entre muitas outras, não fosse ele um dos actores franceses mais solicitados internacionalmente nos últimos anos. Perfeitamente secundado por Vicente Cassel, no papel de  Max Kerkerian, policia pouco ortodoxo, que não olha a meios para obter as confissões,nem que para isso tenha de andar à pancada com os seus possíveis suspeitos ( a cena do bar, com os skinheads, é disso exemplo). Cassel, aqui contracenado com o seu pai, Jean-Pierre Cassel, é um actor habituado a interpretar personagens que fervem em pouca água, emotivas e violentas como demonstrou em "O Ódio", ou no controverso e perturbante "Irreversível" (Gaspar Noé, 2002)  .
   "Os Crimes dos Rios de Púrpura" obteve um grande sucesso, principalmente em França, quer de público quer de crítica, o que levou a uma sequela "Os Anjos do Apocalypse" (Oliver Dahan, 2004) igualmente protagonizado por Jean Reno mas de qualidade inferior ao original.
Thriller europeu ao mais alto nível "Os Crimes dos Rios de Púrpura" é garantia de um bom espectáculo e onde se prova que no velho continente também se podem fazer bons filmes.
                                         
                                     
Nota: Todas as imagens e vídeos que ilustram este texto foram retirados da Internet


sábado, 11 de fevereiro de 2012

Twin Peaks - Da Televisão para o Cinema II

    Em 1992, a curiosidade em torno do novo projecto de David Lynch era grande. Por um lado tratava.-se de regressar ao universo de  Twin Peaks, cujo fraco "share" obtido pela segunda série, estava ela a meio, levara à decisão de a cancelar no final da temporada. Por outro lado, perguntava-se, haveria ainda alguma coisa a dizer ou fazer naquele universo surreal, fantástico e genialmente criado por David Lynch? o realizador respondeu afirmativamente e fez "Twin Peaks - Fire walk with me - Os Últimos sete dias de Laura Palmer".
    O filme começa com a investigação da morte de Teresa Banks, uma "zé-ninguém", como é referido no filme, mas rapidamente passa para os últimos dias de Laura Palmer, estudante e rainha da beleza de Twin Peaks, mas cedo se descobre que tem alguns segredos que a tornam "não tão inocente" como a primeira vez em que a vemos (um belo plano médio de Laura a caminhar no passeio).
A morte de Teresa Banks: o principio de tudo
    Funcionando como uma espécie de prólogo, já que ligando os dois crimes, que eram o mistério central da série, David Lynch faz a ponte entre as duas obras; mas pode também ser considerado como uma sequela/epílogo, graças a uma narrativa bem entrelaçada por David Lynch e Robert Engels, já que explica alguns mistérios da série, bem como qual o destino do Agente Especial do FBI, Dale Cooper, que ficara suspenso no final da segunda temporada (que o apressado final não explicou claramente). Para Lynch, o tempo é uma incerteza, e isso está bem patente tanto nas séries como no filme, ele  faz-nos acreditar que tudo aquilo aconteceu, ou pode vir a acontecer. 
      A enigmática cena final, quando o espírito de Laura "acorda" no quarto vermelho do Black Lodge, sente-se triste, só e abandonada, vê o seu anjo aparecer no ar, primeiro começa a chorar e depois ri, a seu lado está o Agente do FBI que lhe passa o braço pelos ombros, terminando  com um belissimo plano do rosto dela sob um fundo branco, é disso exemplo.
   Lynch quis fazer o filme porque, segundo as suas próprias palavras "...eu não me conseguia imaginar fora do universo de Twin Peaks...eu estava apaixonado pela personagem de Laura Palmer e as suas próprias contradições: alegre e jovial por fora, mas a morrer por dentro...eu queria vê-la viva...a mexer-se, a rir, a falar...adorava aquele universo...entendi que ainda havia muito para explorar...foi o que pretendi fazer...".
Dale Cooper, Agente Especial do FBI e a "secretária" portátil
    Percebe-se que estamos situados no universo do realizador: desde a cena inicial em que se vislumbra uma televisão sem emissão nem som, sob a qual decorre o genérico, indicando um silêncio absoluto que logo a seguir é quebrado pelo partir da mesma ao mesmo tempo que se ouve um grito feminino, alguém acaba de ser assassinado, ficamos a saber a seguir que esse alguém é Teresa Banks; passando pela investigação dos dois agentes do FBI (Chris Isaak, cantor e músico, numa pausa da sua carreira musical e um Kiefer Sutherland, numa versão Jack Bauer, pré "24")  de um dos famosos casos "Rosa Azul", dos quais não pode falar, segundo diz Chester Desmond, do seu chefe Gordon Cole (interpretação carismática de David Lynch) e pelas premonições que Dale Cooper dá conta à sua "secretária" portátil (um gravador de voz), onde receia que o assassino de Teresa Banks voltará a atacar; terminando na aparição do corpo de Laura na praia e a referida cena final, tudo isto é David Lynch no seu melhor. Contando também com a preciosa ajuda da banda sonora, tanto no filme como na série, da responsabilidade de Angelo Badalamenti, colaborador habitual do realizador desde "Veludo Azul" (1986), onde a sua sonoridade única se demarcou do filme, mas, ao mesmo tempo, completando-o. Em "Twin Peaks", acontece o mesmo: é impossível demarcar a banda sonora daquele universo: os temas que compôs para as personagens são, só por si, um cartão de apresentação de qualidade inegável. Mal ouvimos qualquer acorde, seja do tema de alguma personagem, seja o próprio tema principal, somos imediatamente transportados para aquele universo imaginado e criado por David Lynch, como se a banda sonora tivesse uma vida própria, adequada ao ambiente de ambas as obras.
    Tal como acontecera com a série, também o filme quebrou algumas convenções estipuladas. Por um lado tínhamos uma "prequela" (o termo ainda não se utilizava no inicio da década) em vez duma continuação ou sequela como se começara a utilizar alguns anos antes; Por outro lado, tínhamos um filme que, pela primeira se inspirava numa série e não o contrário (hoje já é prática comum fazer-se isto, basta ver, por exemplo, os filmes inspirados na série de culto "Missão: Impossível").
     Praticamente todo o elenco da série transitou para o filme retomando as suas personagens, com as excepções de Lara Flynn Boyle (Donna Hayward), Sherilyn Fenn (Audrey Horne) e Richard Beymer (Benjamin Horne), mas nem todos aparecem na versão final do filme o que provocou um vazio enorme, já que algumas dessas personagens tinham-se tornado familiares ao espectador da série. Para quem só conheceu este universo a partir do filme, não dá por esse vazio apesar de se aperceber de alguns cortes abruptos nas cenas; mas quem conheceu e acompanhou este universo desde a televisão, apercebe-se logo do enorme vazio provocado por essas ausências, mais, percebe que o próprio filme se ressente desse facto.
     Lynch, originalmente, filmou mais de cinco horas de filme, mas, a pedido do seu produtor que receava que  o filme fosse um fracasso, aceitou reduzi-lo para uma duração de duas horas e quinze minutos, ficando grande parte do elenco sem cenas completas, ou simplesmente nem aparecem. O realizador pediu desculpas, pessoalmente, por tê-los excluído da versão final.
     Apresentado no festival de Cannes em Maio, "Twin Peaks - Fire walk with me", foi recebido com vaias e assobios do público e críticas negativas de quase toda a imprensa presente no evento. Estreou nos Estados Unidos em Agosto e foi um fracasso de bilheteira. Aparentemente o efeito "Twin Peaks"extinguira-se logo após o cancelamento da série, um ano antes. Na Europa, onde o realizador era idolatrado, o filme rendeu razoavelmente e recebeu algumas críticas moderadas. No Japão, a recepção ao filme foi diferente, já que o realizador gozava de grande fama entre as mulheres japonesas, que viram na "sua" Laura uma projecção do sofrimento e ânsia de libertação da mulher numa sociedade repressiva (neste caso, o universo "Twin Peaks") e em agradecimento a esta visão, tornaram o filme num sucesso de bilheteira.
    O filme pode ser visto de forma independente da série, apesar de remeter muitas situações para esta, mas, para uma melhor análise e compreensão deste universo, deve ver-se com um todo, começando pelo filme e depois prosseguir com as duas temporadas da série. A experiência, garantidamente, é única.
    Era intenção de David Lynch fazer mais dois filmes que continuariam e concluiriam a história, mas, devido ao fracasso nas bilheteiras, deu por encerrado o assunto. Ás vezes o melhor mesmo é abandonar uma temática, por muito boa que ela seja ou por muito boa vontade que se tenha em trabalhá-la, deixar que o tempo faça o respectivo distanciamento e a eleve até ao respectivo estatuto.


                                                                
    

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Twin Peaks - Da Televisão para o Cinema I


Quem matou Laura Palmer?
    Nunca se tinha assistido a a um fenómeno televisivo como este. Em 1990, "Twin Peaks", uma série da ABC, pôs, literalmente falando, os espectadores a fazer a mesma pergunta: "Quem matou Laura Palmer?".
    Twin Peaks passava-se numa cidade fictícia nos estado de Washington que dava nome à série e nela  Laura Palmer (a lindíssima actriz Sheryl  Lee), popular rainha da beleza local, aparece morta. Enquanto a familia e a cidade estão envoltas na dor, o agente especial do FBI, Dale Cooper ( estupendo Kyle Maclachlan, no papel da sua vida), é enviado para investigar o estranho crime e o que se lhe  depara vai muito além do simples crime.
Os criadores: David Lynch (esq.) e Mark Frost (dir.)
   Criado por David Lynch e Mark Frost, "Twin Peaks" tornou-se, no inicio da década de 90 do século passado, num enorme fenómeno de popularidade, tanto a nível nacional como internacional, não só pela abordagem original do tema, como também por ter rompido com as convenções televisivas existentes: a personagem principal aparece morta logo no inicio (Laura Palmer); a própria duração da série: oito episódios incluindo um episódio-piloto) na primeira temporada, cujo sucesso levou à criação duma segunda série (esta já dentro dos parâmetros habituais de televisão com cerca de 20 episódios);  ao contrário do que estava convencionado, o mistério não fica resolvido no final da série, pelo contrário, adensa-se ainda mais relegando a resolução do crime para o meio da segunda série (que, graças ao génio criativo de Lynch e Frost, se torna mais negra e melhor enquanto avança em direcção ao final abrupto a que foi sujeita deixando alguns mistérios por resolver).
    Chamando alguns dos seus actores  habituais (o já referido Kyle Maclachlan, mas também Jack Nance e Everett McGill), Lynch juntou-lhes Michael Ontkean, Dana Ashbrook, James Marshall, entre outros e também se lhes juntou além de Sheryl Lee, alguns dos mais belos rostos femininos que vimos em televisão: Lara Flynn Boyle, Sherilyn Fenn, Mädchen Amick, Peggy Lipton, Joan Chen, entre outras.Todos fazem parte da galeria de personagens que povoam os filmes de Lynch: únicas e bizarras que formam uma teia minuciosa de personalidades contrária à aparência da cidade, acrescentando, a uma já atmosfera surrealista, de que o melhor exemplo são os sonhos recorrentes do agente do FBI, Dale Cooper, nos quais lhe são dadas pistas de um modo sobrenatural que podem levar, ou não, à resolução do crime e que podem também ser fruto da sua própria imaginação, um toque sobrenatural comum a toda a obra anterior e posterior do realizador. 
   Tal como   toda a obra de Lynch, torna-se dificil defini-la num género só: estilisticamente, a série assemelha-se ás  premissas do tom sobrenatural dos filmes de terror, tão ao gosto do realizador,  nomeadamente o seu magnifico "Blue Velvet - Veludo Azul" (1986), do qual esta série foi, de certa maneira, uma continuação dos caminhos abertos por essa obra já que a acção também se passa numa pequena cidade americana e Lynch explora, em ambas as obras, o fosso existente entre as aparências da respeitabilidade duma pequena cidade e as vidas secretas que nela proliferam, mas também oferece algum tom cómico parodiando as "soaps" (telenovelas) americanas através da exibição de personagens  extravagantes, de moral dúbia.
   Em "Twin Peaks" existem personagens que têm vidas duplas que vão sendo descobertas à medida que a série avança, na mesma medida em que expõe o lado negro de vidas inocentes. 
   graças ao seu estilo ambicioso, paranormal e a capacidade implícita de envolvimento numa história de crime e mistério, "Twin Peaks" obteve um êxito sem precedentes, principalmente durante a primeira série onde atingiu o seu ponto mais alto passando a fazer parte da cultura popular. Os prémios não tardaram: 14 nomeações para os Emmy's (Oscares de televisão), onde venceu em apenas duas categorias técnicas; enquanto nos Globos de Ouro venceu nas categorias de Melhor Série Dramática, Melhor Actor Drama em Série de Televisão (Kyle Maclachlan) e também a veterana Piper Laurie ganhou na categoria de Melhor Actriz Secundária em Série de Televisão.
   O episódio-piloto foi editado em VHS na europa em finais de 1990. Continha mais cerca de 20 minutos, em relação ao que fora exibido nos Estados Unidos, de cenas montadas, retiradas dos outros episódios e um final diferente (a cena do quarto vermelho onde Cooper encontra Laura Palmer e o Homem que Veio de Outro Lugar, que encerra o segundo episódio, foi originalmente filmada para este especial), de modo a torná-lo numa espécie de telefilme para exibição fora do circuito americano.
 A recepção foi entusiasmante, até porque o realizador tinha ganho a Palma de Ouro em Cannes  meses antes, com "Wild at Heart - Coração Selvagem".   Um ano depois, Lynch anunciava a sua intenção de regressar ao universo de Twin Peaks.
                                                                                                                   (continua)  


Nota: as imagens e vídeos que ilustram este texto foram retirados da Internet   







    

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            O trio, depois de um longo período de férias, sentindo-se revigorado, reuniu-se novamente em 1976, nos “Mountain Studios”, em Mo...