domingo, 23 de dezembro de 2012

Non, ou a Vã Glória de Mandar – Fragmentos da História de Portugal





    “O homem fez-se para lutar…para guerrear!” – exclama, exultante, o Soldado Salvador bebendo as palavras cuidadosamente ditas pelo Alferes Cabrita, relatando episódios da história de Portugal para distrair os soldados. É uma das frases emblemáticas de “Non, ou a Vã Glória de Mandar”, um dos filmes mais famosos de Manoel de Oliveira, o mais conhecido realizador português e  o mais velho do mundo ainda em actividade.
    Angola, 1974, no decorrer duma missão militar, um grupo de soldados portugueses interroga-se sobre o porquê de estarem a combater naquele território. Durante esta conversa, importante e patriota para uns, inútil e forçada para outros, acabam todos por ser envolver num animado diálogo em que o Alferes Cabrita, estudante de história obrigado a interromper o seu curso para ir combater, vai debatendo episódios diversos da história que se reflectiram em derrotas e fracassos que a nação portuguesa sofreu ao longo da sua existência.
A Essência da Vida
     O filme começa com a imagem duma árvore. É das imagens mais emblemáticas e poderosas do filme. São cerca de dois minutos em que, num lento e majestoso “travelling”, vemos tudo o que lhe diz respeito: o tronco, os ramos, as folhas e, sobretudo, vemos o seu porte, na última imagem antes do corte abrupto que nos vai levar até ás nossas personagens, sobressair  sobre todas as outras árvores que a rodeiam, percebemos o que é que ela representa: a vida em toda a sua essência.
      A acção começa e acaba em Àfrica.  Enquanto viajam nas picadas africanas, a conversa entre o  Alferes e o seu pelotão, vai sendo preenchida com “flashbacks” e saltos temporais que ilustram o que o grupo  vai debatendo, exemplificando o que aconteceu no respectivo momento da história de Portugal que se discute. São episódios que relatam derrotas e fracassos  qua a nação sofreu,  que vão desde o tempo de Viriato até á guerra colonial, passando por episódios como a Batalha de Toro, o Decepado D.Duarte de Almeida,  a falhada tentativa de união Ibérica,  o desastre de Alcácer-Quibir ( uma boa reconstituição da batalha mas com limitações próprias de produção) e o final em Àfrica no presente, palco da derradeira derrota portuguesa, selando o “Tal Destino Maior para que Portugal estava Vetado”(em que um  militar agonizante “vê” o regresso do rei D.Sebastião numa manhã de nevoeiro). Tudo isto é construído por Manoel de Oliveira de maneira fragmentada entre passado e presente, mas também de modo a ser encarado como uma reflexão acerca da história de Portugal. A dado momento alguém exclama para o Alferes “...o que nós gostamos é de o ouvir!”, tal é o entusiasmo com que o escutam  que todos eles acabam por ser ouvintes/protagonistas, já que Cabrita e os seus homens acabam por “estar” presentes em praticamente todos os episódios.
O Alferes Cabrita, historiador/protagonista
     Esta construção narrativa traz-nos à memória, embora com sentido contrário, a obra de Manuel Pinheiro Chagas, “ História Alegre de Portugal” (1880), na qual João Martins,  um velho professor de província, organiza diversos serões de inverno  em que vai contar a história de Portugal de um modo simplista e alegre. Manoel de Oliveira, pelo contrário, selecionou apenas alguns episódios dessa História,  e filmou-os da maneira a que fomos habituados a identifica-los e aprende-los , ou seja, através de imagens paradas como se de gravuras se tratassem.
     A ideia deste projecto nasceu no final de década de 70 e veio na esteira da revolução de abril de 74. Inicialmente, segundo o próprio realizador, a acção situava-se num teatro de província onde se estreava uma peça sobre Portugal e a sua história. Seria dividida em vários actos que iriam desde Viriato até á Guerra Colonial que seria o epílogo da peça. Mas seriam precisos cerca de 14 anos até ser concretizada.  Este lapso de tempo terá servido para que houvesse o devido distanciamento dos efeitos da guerra colonial e também para a concretização de outros filmes  de Oliveira e a sua consagração internacional. Em 1990, Manoel de Oliveira pode concretizar este seu ambicioso projecto. 
"Mestre" Manoel de Oliveira, decano dos realizadores
    Para o filme, o realizador contou com os seus colaboradores habituais de outras obras: Luis Miguel Cintra, Miguel Guilherme, Diogo Dória, Luis Lucas, Leonor Silveira, Rui de Carvalho, entre outros que dão forma ás personagens multifacetadas desta enorme tragédia que afinal representa o fim do sonho português do Quinto Império e do desejo de sermos maiores que a própria Vontade. Aquele pelotão representa  o último grupo de guerreiros, imbuídos de vontade a querer exaltar a nação,  que, infelizmente, já está demasiado cansada para tal. A glória soa a vâ e Non é a  resposta aos seus sonhos.
“Non”, a palavra que dá inicio ao título, embora esteja sempre presente, surge apenas duas vezes no filme: a primeira é sobre um écran negro, momentos antes da cena da árvore, preparando a frase de Padre António Vieira,  como que a preparar-nos para o que vai vir.
    A segunda e última surge na cena após o desastre de Alcácer-Quibir, onde, por entre os corpos de homens e animais,  um velho (magnifico Rui de Carvalho), deambula e  pronuncia a frase  “Terrível palavra é um Non, que não tem princípio nem fim; por qualquer lado que lhe pegueis é sempre Non”,  constatando  a veracidade que todas as histórias/episódios narrados/vividos, apontam para um Não (Non) rotundo da quilo que os homens quiseram fazer por sua própria vontade. A única excepção pertence ao episódio d’A Ilha dos Amores,  inspirado no Canto IX de “Os Lusíadas” de Luis vaz de Camões, contado pelo Alferes durante uma pausa no caminho, “numa hora de saudade”, segundo ele, Vasco da Gama e os seus marinheiros são recompensados pelos Deuses pela descoberta do caminho marítimo para a Índia. É um momento fantástico, não só no filme como na obra do realizador, em que a rigidez dos navegantes se opõe à nudez das ninfas e cupidos locais, numa atmosfera erótica num cenário simplesmente belo e divino.
    “Non ou a Vâ Glória de Mandar”, foi considerada a mais ambiciosa produção de sempre do cinema nacional, além de ser o primeiro filme nacional a lidar directamente com a Guerra Colonial, principalmente porque Manoel de Oliveira mostra a história de Portugal pelo lado da derrota e não da vitória. Exibida fora de competição no Festival de Cannes, o filme agradou á  imprensa internacional que  lhe chamou “os sonhos negros de Portugal". Devido à sua Excelência de Produção, recebeu  O Prémio  Especial da Crítica Internacional e um Prémio Especial do Júri.
     Goste-se ou não se goste deste filme ou do seu realizador,  deste ou daquele actor, desta ou daquela cena, uma coisa é inegável: a sua importância didáctica enquanto filme português com forte carga de informação referente á História de Portugal e isso é mais do que suficiente para lhe garantir um lugar no panteão das obras cinematográficas nacionais.

Nota: As Imagens e vídeo que ilustram este texto foram retiradas da Internet


1 comentário:

  1. Provavelmente um dos filmes mais movimentados da carreira de Manoel de Oliveira. :) Um abraço.

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