quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Network - Escândalo na TV - Um Filme antes do seu Tempo



    Numa altura em que os media, cada vez mais assumem um papel importante na sociedade, a edição/reposição deste filme vem preencher uma lacuna que existia desde que surgiram em Portugal as televisões privadas na década de 90 do século passado. "Network - Escândalo na TV", embora tenha sido realizado em 1976, já antevia o que estava para chegar.
    Howard Beale um dos mais famosos apresentadores de televisão, é informado pelo director da sua estação de que o seu programa, devido aos baixos shares que têm obtido, vai ser suspenso e ele vai ser despedido. Beale anuncia então no seu programa que pretende suicidar-se em directo. Num curto espaço de tempo, assume um protagonismo nunca visto em televisão e torna-se num dos mais sólidos valores da comunicação graças aos seus discursos inflamados, onde pretende dizer toda a verdade ao público. Quando a sua ira se vira contra a organização por detrás da televisão, torna-se incómodo  e alguma coisa terá que ser feita.
   Realizado por Sidney Lumet, autor de algumas pequenas obras-primas do cinema como "12 Homens em Fúria" (1957), ainda hoje talvez o melhor filme de tribunal da história do cinema; "Serpico" (1973) baseado numa história verídica de corrupção na policia de Nova York; "Um Dia de Cão" (1975) história do assalto a um banco em pleno dia que corre mal mas ganha os favores do público, ou "Um Crime no Expresso do Oriente" (1974), uma das melhores adaptações de Agatha Christie para o grande écran, não esquecendo “O Veredicto” (1982) onde um caso de neglicência médica é a chance de um advogado salvar a sua carreira e  recuperar o seu bem-estar. "Network" é, a todos os níveis, um trabalho de excelência do realizador. Tendo começado na televisão, Lumet conhecia melhor que ninguém este meio daí que a sua realização seja feita em  estilo televisivo (quase sempre em  médios e grandes planos), sendo  arrojada, satírica, e, aliada ao brilhante argumento escrito por Paddy Chayefsky cuja capacidade de antever o que seria o futuro, subtilmente mostra-nos aquilo que hoje vemos: televisões que não olham a meios para atingir os seus fins.
Peter Finch, Oscar de Melhor Actor póstumo 
    Interpretado por um elenco todo ele excepcional, todo ele nomeado para os prémios da Academia, liderado por Faye Dunaway, William Holden, Peter Finch, Robert Duvall , apenas três dos actores tenham sido premiados (a única vez que tal havia acontecido tinha sido com "Um Eléctrico chamado Desejo" de Elia Kazan em 1951), todos eles mereciam o seu prémio. Peter Finch, falecido pouco antes da cerimónia dos Oscares,  ganhou postumamente o Óscar de Melhor Actor (o mesmo aconteceria em 2008 com Heath Ledger pelo papel de Joker em "Batman - Cavaleiro das Trevas" de Christopher Nolan). 
     A sua interpretação de Howard Beale, um apresentador que entra em depressão ao saber o seu destino, mas que uma voz, ouvida durante a noite, o transforma numa espécie de Moisés moderno cujo discurso agressivo e inflamado, disparando em todas as direcções (o famoso discurso  em que exulta a multidão a ir ás janelas e sair para a rua gritando "I'm as mad as hell and i'm not gonna take this anymore!" mantenho o original  porque o impacto que a cena provoca, quem vir o filme, vai entender o que quero dizer, é tal que ainda hoje arrepia) é uma interpretação muito acima da média e faz-nos ficar com os olhos postos naquela figura quase messiânica. 

    Brilhante é também a interpretação de Faye Dunaway cuja personagem de Diane Christensen,  directora de programas, uma mulher manipuladora, racional e fria e extremamente amoral que, sem olhar a meios,  tudo fará para obter melhores audiências ( o diálogo final entre Christensen e Schumacher sobre as suas vidas, é das coisas mais realistas que alguma vez se viu em cinema),  nos mostra muito do que é o mundo dos media, neste caso a televisão, nos dias de hoje.
    Parte da inspiração de  Paddy Chayefsky para a elaboração do argumento  veio  dum incidente ocorrido dois anos antes, a 15 de julho de 1974, em Sarasota, na Flórida. Christine Chubbuck, uma repórter de televisão , que sofria de depressão, devido aos confrontos que tinha constantemente com os seus editores, incapaz de continuar o seu programa, suicidou-se com um tiro diante dos seus espectadores. Chayefski  diria mais tarde numa entrevista “A televisão faz qualquer coisa para obter um bom “share”…qualquer coisa!” e, mal sabia ele que, anos depois, lhe estaríamos a dar razão!
     "Network" foi, na altura, considerado uma brilhante crítica social bastante actualizada. Hoje, passados estes anos todos, continua tão actual como então. A cena em que o presidente da CCA, Arthur Jensen ( Ned Beatty numa das suas melhores interpretações), explica  a sua própria “Cosmologia Corporativa” numa sala de reuniões propositadamente escurecida, pedindo-lhe que abandone  as suas  mensagem populistas  e pregue um novo Evangelho, a um atento e dócil Beale sugerindo-lhe que Jensen pode ser um  alto Poder, é das cenas mais convincentes que se alguma vez se viu. O discurso de Beale aos seus ouvintes, ainda nos ressoa ao ouvido muito depois dos créditos finais terem passado no écran ou aquela morte em directo, perante uma audiência, diz-nos tanto como a "morte simbólica" dos media no final de "Natural Born Killers - Assassinos Natos" (Oliver Stone, 1994) quando Wayne Gale (Robert Downey Jr.) é fuzilado por Mickey e Mallory (Woody Harrelson e Juliette Lewis) perante a sua própria camera de filmar.
    Nomeado para dez Oscares da Academia, venceu quatro: três para as interpretações, além de Finch, também Faye Dunaway e Beatrice Straight (os seus cinco minutos e quarenta segundos de tempo de écran, tornaram-na na interpretação mais curta, até hoje, a ganhar um Oscar) ,  ganharam nas respectivas categorias e para o Argumento de Paddy Chayefski, "Network", tinha tudo para ser o grande vencedor da cerimónia de 1976, no entanto perdeu as duas categorias principais para..."Rocky"! vá-se lá saber porquê!!
    Em 2000, “Network – Escândalo na TV”, foi selecionado pela Biblioteca do Congresso para  entrar para o Instituto de Preservação do Cinema Nacional, como sendo um filme cultural e historicamente significativo. A seguir ao Oscar de Melhor Filme do Ano,  é  a mais alta distinção  que se pode dar a um filme!
    Um filme quase profético, uma obra-prima do cinema a descobrir, a ver ou a rever!
  
Nota: As imagens e vídeo que ilustram o texto foram retirados da Internet



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