domingo, 20 de maio de 2012

Quadrophenia - The Who do Outro Lado do Espelho




       Lançado em 1973, quase dez anos passados sobre os acontecimentos que retrata, “Quadrophenia”, é o sexto álbum de estúdio lançado pelo grupo britânico “The Who”. É a segunda ópera-rock do grupo (depois de “Tommy” em 1969) e desta vez correu ainda melhor que da primeira vez. Enquanto em 1969 se viviam ainda os efeitos do movimento Hippie  e do festival de Woodstock, que decorrera nesse mesmo verão, onde o grupo apresentou “Tommy” pela primeira vez, constituindo essa sua participação um grande êxito e que tornaria o álbum o primeiro grande sucesso do grupo,  já que refletia os ideais do “Flower Power”, reunidos em torno de um rapaz que, devido a um trauma de infância, fica cego surdo e mudo, mas que se torna numa espécie de figura messiânica, idolatrado por milhares de pessoas.
       Nova década, outras preocupações estiveram então na origem desta segunda ópera-rock do grupo. A sua história gira em torno da perspectiva social, musical e psicológica  que uma certa juventude inglesa teve dos acontecimentos ocorridos em Londres e Brighton em 1964-65. 
        O título é uma variação, não científica, do termo médico “Esquizofrenia” (doença mental complexa de personalidade), aqui apresentada com uma personalidade múltipla, Jimmy, o protagonista da história, sofre de uma personalidade quadrúpla, cada uma delas associada a um elemento do grupo: o duro, o provocador, o violento, em  representa Roger Daltrey em “Helpless Dancer”; o romântico “Is It Me?” é associado a John Entwistle; em “Bell Boy”, o lunático é Keith Moon; o pedinte, o hipócrita é decalcado de Peter Townshend em “Love , Reign O’er Me”. Os quatro temas que identificam as quatro personalidades em Jimmy são misturadas em “Quadrophenia”, a faixa-título da Ópera, utilizada com uma espécie de ponte entre os temas “The Real Me” e “Cut my Hair” e voltam a misturar-se em The Rock” que medeia entre “Doctor Jimmy” e “Love, Reign O’er Me”, que, segundo Townshend, a combinação dos temas/personalidades nestes dois  medleys instrumentais, constituiu o trabalho mais complexo que alguma vez fez para o grupo. Ao longo de toda a Ópera os quatro temas vão surgindo aqui e ali, subtilmente introduzidos em outros temas, dando ao trabalho a impressão de um todo coeso.
Peter Townshend, guitarrista do grupo e compositor, disse que o nome da ópera evoluiu, a partir duma ideia, como sendo uma autobiografia do grupo, e que inicialmente era para se chamar “Rock is Dead – Long Live Rock!”, mas na altura do seu lançamento, o papel do grupo era apenas simbólico, através da quatro personalidade de Jimmy, por isso decidiram mudar o nome para “Quadrophenia”.
         A história passa-se em cinco dias, nos quais Jimmy, um "Mod" por escolha,  numa rocha, no meio do oceano, relembra a sua vida até então. “Quadrophenia” é a narrativa de uma história, contada na primeira pessoa.  
         Na primeira parte, nos temas “I Am the Sea” e “The Real Me”, Jimmy apresenta-se e  conta-nos as suas frustrações, as inseguranças que conduzem a sua vida e as tentativas infrutíferas de ter uma vida social normal. Com “Cut my Hair”, ele relembra uma discussão com os pais, por estes descobrirem anfetaminas no seu quarto, que esteve na origem da sua fuga de casa (ouvem-se na rádio noticias dos confrontos, entre “Mods” e “Rockers”, ocorridos em Brighton, dias antes e nos quais Jimmy esteve presente). Depois de ser mal tratado num concerto, quando tenta ir conhecer o grupo que actuou (supostamente os próprios “The Who”), começa a perceber que a única coisa boa que tem na sua vida é ser “Mod”. Sem conseguir fixar-se em nenhum emprego, perde a namorada para um amigo. Em “I’ve Had Enough”, Jimmy, num completo estado de auto-destruição, destroi a sua Vespa (símbolo de independência dos “Mods”) e decide ir para Brighton onde se divertiu com os amigos a perseguir e a lutar com os “Rockers”, único momento da sua vida onde foi realmente feliz.

    Na segunda parte, “5.15”, conta a sua viagem de comboio para Brighton e quando chega, o seu ânimo aumenta. Em “Sea and Sand” e “Drowned”, Jimmy fala sarcasticamente das discussões caseiras e da noite que passou na praia  com a sua ex-namorada. Decide ficar em Brighton para relembrar os dias em que os “Mods” chegaram à cidade. Apesar de apenas terem decorrido duas semanas sobre esses eventos, ele já está a viver no passado. 
   Em “Bell Boy”, Conhece Ace Face, um dos líderes dos “Mods” e um dos seus heróis de eleição, que não passa de um simples paquete no mesmo hotel que o seu grupo quase destruiu. Jimmy percebe então que a cena Mod deixou de ser sinónimo de um certo estilo de vida, sente-se atraiçoado por todos os que o rodeiam e mergulha numa espiral destrutiva  de drogas e álcool. Jimmy vai então até ao mar e vê-o como um  espelho  dum poder maior no qual ele vai submergir e perder-se na sua imensidão. Em “Doctor Jimmy”, ele está perto da loucura,  surge o lunático em si mesmo que o salva duma morte quase certa. No refrão do tema pode ouvir-se “…Doctor Jimmy and Mr. Jim…” referência mais que evidente a “Doctor Jekyll and Mr. Hyde”, que se liga ao tema das múltiplas personalidades que vão emergindo ao longo da história. 
  Os temas finais, dizem-nos que Jimmy, depois de roubar um barco, se encontra numa rocha, no meio do mar. Aqui, depois duma espécie de transe em que as suas quatro personalidades conflituam umas com as outras (o instrumental “The Rock” é  isso mesmo), quando Jimmy cai em si, percebe que o barco se afastou, está abandonado, sozinho e esquecido. No fabuloso e arrasador “Love, Reign O’er Me”(dos melhores temas que  Peter Townshend compôs), uma tempestade abate-se à sua volta e Jimmy descobre  que, após ter sido tanta gente diferente, sabe finalmente quem é : ele próprio!
Recebido com  algumas reservas iniciais, “Quadrophenia”, foi, ao longo da década de 70 do século passado,  sendo objecto de estudos por parte de especialistas e considerado como uma análise quase perfeita duma certa juventude que viveu aqueles anos loucos da década de 60 e o facto de, na discografia oficial do grupo, estar colocado entre os álbuns “Who’s Next” (1971, considerado o melhor álbum do grupo) e “The Who by Numbers” (1975), pode ter uma razão de ser, mas, sobre isso, o grupo nunca disse uma palavra.
Em 1979, “Quadrophenia”, foi adaptado  para o cinema por Franc Roddam,. Usando a Ópera-rock do grupo como ponto de partida, o filme acaba por ser uma reflexão sobre a Grã-Bretanha pré-Thatcher, usando os confrontos da década de 60 entre os “Mods”, filhos da classe média, bem vestidos e que conduziam as suas vespas, e os “Rockers”, sempre vestidos de couro e conduzem motos potentes. Reflectindo um certo narcisismo patente nessa época e uma cultura movida a anfetaminas, “Quadrophenia foi um modesto sucesso de bilheteira tendo vindo a ganhar algum protagonismo no inicio da década de 80.   Com um elenco praticamente desconhecido onde apenas pontuava, embora num registo secundário,  um jovem músico e cantor de nome Sting como Ace Face.
Em 2000, “Quadrophenia” foi considerado um dos 100 melhores álbuns de rock de sempre. Em 2011, o álbum foi remisturado e editado numa caixa de luxo contendo cinco discos: quatro cd’s, que incluíam o álbum original com som remisturado e várias demos de diversos temas, e um DVD com um concerto de 2010 onde “Quadrophenia” foi integralmente tocado com vários convidados.




Nota: Todas as imagens e vídeos que ilustram o texto foram retirados da Internet



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