domingo, 23 de dezembro de 2012

Non, ou a Vã Glória de Mandar – Fragmentos da História de Portugal





    “O homem fez-se para lutar…para guerrear!” – exclama, exultante, o Soldado Salvador bebendo as palavras cuidadosamente ditas pelo Alferes Cabrita, relatando episódios da história de Portugal para distrair os soldados. É uma das frases emblemáticas de “Non, ou a Vã Glória de Mandar”, um dos filmes mais famosos de Manoel de Oliveira, o mais conhecido realizador português e  o mais velho do mundo ainda em actividade.
    Angola, 1974, no decorrer duma missão militar, um grupo de soldados portugueses interroga-se sobre o porquê de estarem a combater naquele território. Durante esta conversa, importante e patriota para uns, inútil e forçada para outros, acabam todos por ser envolver num animado diálogo em que o Alferes Cabrita, estudante de história obrigado a interromper o seu curso para ir combater, vai debatendo episódios diversos da história que se reflectiram em derrotas e fracassos que a nação portuguesa sofreu ao longo da sua existência.
A Essência da Vida
     O filme começa com a imagem duma árvore. É das imagens mais emblemáticas e poderosas do filme. São cerca de dois minutos em que, num lento e majestoso “travelling”, vemos tudo o que lhe diz respeito: o tronco, os ramos, as folhas e, sobretudo, vemos o seu porte, na última imagem antes do corte abrupto que nos vai levar até ás nossas personagens, sobressair  sobre todas as outras árvores que a rodeiam, percebemos o que é que ela representa: a vida em toda a sua essência.
      A acção começa e acaba em Àfrica.  Enquanto viajam nas picadas africanas, a conversa entre o  Alferes e o seu pelotão, vai sendo preenchida com “flashbacks” e saltos temporais que ilustram o que o grupo  vai debatendo, exemplificando o que aconteceu no respectivo momento da história de Portugal que se discute. São episódios que relatam derrotas e fracassos  qua a nação sofreu,  que vão desde o tempo de Viriato até á guerra colonial, passando por episódios como a Batalha de Toro, o Decepado D.Duarte de Almeida,  a falhada tentativa de união Ibérica,  o desastre de Alcácer-Quibir ( uma boa reconstituição da batalha mas com limitações próprias de produção) e o final em Àfrica no presente, palco da derradeira derrota portuguesa, selando o “Tal Destino Maior para que Portugal estava Vetado”(em que um  militar agonizante “vê” o regresso do rei D.Sebastião numa manhã de nevoeiro). Tudo isto é construído por Manoel de Oliveira de maneira fragmentada entre passado e presente, mas também de modo a ser encarado como uma reflexão acerca da história de Portugal. A dado momento alguém exclama para o Alferes “...o que nós gostamos é de o ouvir!”, tal é o entusiasmo com que o escutam  que todos eles acabam por ser ouvintes/protagonistas, já que Cabrita e os seus homens acabam por “estar” presentes em praticamente todos os episódios.
O Alferes Cabrita, historiador/protagonista
     Esta construção narrativa traz-nos à memória, embora com sentido contrário, a obra de Manuel Pinheiro Chagas, “ História Alegre de Portugal” (1880), na qual João Martins,  um velho professor de província, organiza diversos serões de inverno  em que vai contar a história de Portugal de um modo simplista e alegre. Manoel de Oliveira, pelo contrário, selecionou apenas alguns episódios dessa História,  e filmou-os da maneira a que fomos habituados a identifica-los e aprende-los , ou seja, através de imagens paradas como se de gravuras se tratassem.
     A ideia deste projecto nasceu no final de década de 70 e veio na esteira da revolução de abril de 74. Inicialmente, segundo o próprio realizador, a acção situava-se num teatro de província onde se estreava uma peça sobre Portugal e a sua história. Seria dividida em vários actos que iriam desde Viriato até á Guerra Colonial que seria o epílogo da peça. Mas seriam precisos cerca de 14 anos até ser concretizada.  Este lapso de tempo terá servido para que houvesse o devido distanciamento dos efeitos da guerra colonial e também para a concretização de outros filmes  de Oliveira e a sua consagração internacional. Em 1990, Manoel de Oliveira pode concretizar este seu ambicioso projecto. 
"Mestre" Manoel de Oliveira, decano dos realizadores
    Para o filme, o realizador contou com os seus colaboradores habituais de outras obras: Luis Miguel Cintra, Miguel Guilherme, Diogo Dória, Luis Lucas, Leonor Silveira, Rui de Carvalho, entre outros que dão forma ás personagens multifacetadas desta enorme tragédia que afinal representa o fim do sonho português do Quinto Império e do desejo de sermos maiores que a própria Vontade. Aquele pelotão representa  o último grupo de guerreiros, imbuídos de vontade a querer exaltar a nação,  que, infelizmente, já está demasiado cansada para tal. A glória soa a vâ e Non é a  resposta aos seus sonhos.
“Non”, a palavra que dá inicio ao título, embora esteja sempre presente, surge apenas duas vezes no filme: a primeira é sobre um écran negro, momentos antes da cena da árvore, preparando a frase de Padre António Vieira,  como que a preparar-nos para o que vai vir.
    A segunda e última surge na cena após o desastre de Alcácer-Quibir, onde, por entre os corpos de homens e animais,  um velho (magnifico Rui de Carvalho), deambula e  pronuncia a frase  “Terrível palavra é um Non, que não tem princípio nem fim; por qualquer lado que lhe pegueis é sempre Non”,  constatando  a veracidade que todas as histórias/episódios narrados/vividos, apontam para um Não (Non) rotundo da quilo que os homens quiseram fazer por sua própria vontade. A única excepção pertence ao episódio d’A Ilha dos Amores,  inspirado no Canto IX de “Os Lusíadas” de Luis vaz de Camões, contado pelo Alferes durante uma pausa no caminho, “numa hora de saudade”, segundo ele, Vasco da Gama e os seus marinheiros são recompensados pelos Deuses pela descoberta do caminho marítimo para a Índia. É um momento fantástico, não só no filme como na obra do realizador, em que a rigidez dos navegantes se opõe à nudez das ninfas e cupidos locais, numa atmosfera erótica num cenário simplesmente belo e divino.
    “Non ou a Vâ Glória de Mandar”, foi considerada a mais ambiciosa produção de sempre do cinema nacional, além de ser o primeiro filme nacional a lidar directamente com a Guerra Colonial, principalmente porque Manoel de Oliveira mostra a história de Portugal pelo lado da derrota e não da vitória. Exibida fora de competição no Festival de Cannes, o filme agradou á  imprensa internacional que  lhe chamou “os sonhos negros de Portugal". Devido à sua Excelência de Produção, recebeu  O Prémio  Especial da Crítica Internacional e um Prémio Especial do Júri.
     Goste-se ou não se goste deste filme ou do seu realizador,  deste ou daquele actor, desta ou daquela cena, uma coisa é inegável: a sua importância didáctica enquanto filme português com forte carga de informação referente á História de Portugal e isso é mais do que suficiente para lhe garantir um lugar no panteão das obras cinematográficas nacionais.

Nota: As Imagens e vídeo que ilustram este texto foram retiradas da Internet


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Network - Escândalo na TV - Um Filme antes do seu Tempo



    Numa altura em que os media, cada vez mais assumem um papel importante na sociedade, a edição/reposição deste filme vem preencher uma lacuna que existia desde que surgiram em Portugal as televisões privadas na década de 90 do século passado. "Network - Escândalo na TV", embora tenha sido realizado em 1976, já antevia o que estava para chegar.
    Howard Beale um dos mais famosos apresentadores de televisão, é informado pelo director da sua estação de que o seu programa, devido aos baixos shares que têm obtido, vai ser suspenso e ele vai ser despedido. Beale anuncia então no seu programa que pretende suicidar-se em directo. Num curto espaço de tempo, assume um protagonismo nunca visto em televisão e torna-se num dos mais sólidos valores da comunicação graças aos seus discursos inflamados, onde pretende dizer toda a verdade ao público. Quando a sua ira se vira contra a organização por detrás da televisão, torna-se incómodo  e alguma coisa terá que ser feita.
   Realizado por Sidney Lumet, autor de algumas pequenas obras-primas do cinema como "12 Homens em Fúria" (1957), ainda hoje talvez o melhor filme de tribunal da história do cinema; "Serpico" (1973) baseado numa história verídica de corrupção na policia de Nova York; "Um Dia de Cão" (1975) história do assalto a um banco em pleno dia que corre mal mas ganha os favores do público, ou "Um Crime no Expresso do Oriente" (1974), uma das melhores adaptações de Agatha Christie para o grande écran, não esquecendo “O Veredicto” (1982) onde um caso de neglicência médica é a chance de um advogado salvar a sua carreira e  recuperar o seu bem-estar. "Network" é, a todos os níveis, um trabalho de excelência do realizador. Tendo começado na televisão, Lumet conhecia melhor que ninguém este meio daí que a sua realização seja feita em  estilo televisivo (quase sempre em  médios e grandes planos), sendo  arrojada, satírica, e, aliada ao brilhante argumento escrito por Paddy Chayefsky cuja capacidade de antever o que seria o futuro, subtilmente mostra-nos aquilo que hoje vemos: televisões que não olham a meios para atingir os seus fins.
Peter Finch, Oscar de Melhor Actor póstumo 
    Interpretado por um elenco todo ele excepcional, todo ele nomeado para os prémios da Academia, liderado por Faye Dunaway, William Holden, Peter Finch, Robert Duvall , apenas três dos actores tenham sido premiados (a única vez que tal havia acontecido tinha sido com "Um Eléctrico chamado Desejo" de Elia Kazan em 1951), todos eles mereciam o seu prémio. Peter Finch, falecido pouco antes da cerimónia dos Oscares,  ganhou postumamente o Óscar de Melhor Actor (o mesmo aconteceria em 2008 com Heath Ledger pelo papel de Joker em "Batman - Cavaleiro das Trevas" de Christopher Nolan). 
     A sua interpretação de Howard Beale, um apresentador que entra em depressão ao saber o seu destino, mas que uma voz, ouvida durante a noite, o transforma numa espécie de Moisés moderno cujo discurso agressivo e inflamado, disparando em todas as direcções (o famoso discurso  em que exulta a multidão a ir ás janelas e sair para a rua gritando "I'm as mad as hell and i'm not gonna take this anymore!" mantenho o original  porque o impacto que a cena provoca, quem vir o filme, vai entender o que quero dizer, é tal que ainda hoje arrepia) é uma interpretação muito acima da média e faz-nos ficar com os olhos postos naquela figura quase messiânica. 

    Brilhante é também a interpretação de Faye Dunaway cuja personagem de Diane Christensen,  directora de programas, uma mulher manipuladora, racional e fria e extremamente amoral que, sem olhar a meios,  tudo fará para obter melhores audiências ( o diálogo final entre Christensen e Schumacher sobre as suas vidas, é das coisas mais realistas que alguma vez se viu em cinema),  nos mostra muito do que é o mundo dos media, neste caso a televisão, nos dias de hoje.
    Parte da inspiração de  Paddy Chayefsky para a elaboração do argumento  veio  dum incidente ocorrido dois anos antes, a 15 de julho de 1974, em Sarasota, na Flórida. Christine Chubbuck, uma repórter de televisão , que sofria de depressão, devido aos confrontos que tinha constantemente com os seus editores, incapaz de continuar o seu programa, suicidou-se com um tiro diante dos seus espectadores. Chayefski  diria mais tarde numa entrevista “A televisão faz qualquer coisa para obter um bom “share”…qualquer coisa!” e, mal sabia ele que, anos depois, lhe estaríamos a dar razão!
     "Network" foi, na altura, considerado uma brilhante crítica social bastante actualizada. Hoje, passados estes anos todos, continua tão actual como então. A cena em que o presidente da CCA, Arthur Jensen ( Ned Beatty numa das suas melhores interpretações), explica  a sua própria “Cosmologia Corporativa” numa sala de reuniões propositadamente escurecida, pedindo-lhe que abandone  as suas  mensagem populistas  e pregue um novo Evangelho, a um atento e dócil Beale sugerindo-lhe que Jensen pode ser um  alto Poder, é das cenas mais convincentes que se alguma vez se viu. O discurso de Beale aos seus ouvintes, ainda nos ressoa ao ouvido muito depois dos créditos finais terem passado no écran ou aquela morte em directo, perante uma audiência, diz-nos tanto como a "morte simbólica" dos media no final de "Natural Born Killers - Assassinos Natos" (Oliver Stone, 1994) quando Wayne Gale (Robert Downey Jr.) é fuzilado por Mickey e Mallory (Woody Harrelson e Juliette Lewis) perante a sua própria camera de filmar.
    Nomeado para dez Oscares da Academia, venceu quatro: três para as interpretações, além de Finch, também Faye Dunaway e Beatrice Straight (os seus cinco minutos e quarenta segundos de tempo de écran, tornaram-na na interpretação mais curta, até hoje, a ganhar um Oscar) ,  ganharam nas respectivas categorias e para o Argumento de Paddy Chayefski, "Network", tinha tudo para ser o grande vencedor da cerimónia de 1976, no entanto perdeu as duas categorias principais para..."Rocky"! vá-se lá saber porquê!!
    Em 2000, “Network – Escândalo na TV”, foi selecionado pela Biblioteca do Congresso para  entrar para o Instituto de Preservação do Cinema Nacional, como sendo um filme cultural e historicamente significativo. A seguir ao Oscar de Melhor Filme do Ano,  é  a mais alta distinção  que se pode dar a um filme!
    Um filme quase profético, uma obra-prima do cinema a descobrir, a ver ou a rever!
  
Nota: As imagens e vídeo que ilustram o texto foram retirados da Internet



quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Sandokan - Da Literatura para o Écran




      Personagem literária criada por Emilio Salgari (1862-1911), escritor Italiano de romances de aventuras de “capa e espada”. Durante mais de um século, os seus romances foram leitura obrigatória de gerações de leitores ávidos de aventuras exóticas.  É  Considerado  o pai  da ficção italiana de aventuras  e da cultura pop em itália e o avô do “Western Spaghetti”. 
      Autor de mais de 200 romances de aventura e novelas, cuja acção se passava quase sempre em locais exóticos e os seus heróis eram sempre duma enorme variedade de culturas. Inspirando-se na literatura estrangeira, jornais, folhetos de viagens, enciclopédias,  etc . , que depois usava para retratar os mundos das suas personagens. A sua escrita tornou-se tão popular que o seu editor foi obrigado a contratar outros escritores para desenvolver as aventuras , escrevendo em seu nome. Neste esquema foram adicionadas cerca de 50 romances, mas percebia-se a diferença entre aqueles que foram escritos por outros autores e os que eram escritos pela pena de Salgari.
     Da sua vasta obra, destacam-se  várias séries,  entre as quais uma cuja acção se passa no velho Oeste; outra intitulada “Os Piratas da Bermuda”, que se passa durante a Guerra da Independência dos Estados Unidos. Mas a sua fama veio e  internacionalizou-se com duas das mais famosas séries da literatura de aventuras: A Saga do Corsário Negro, onde somos apresentados ao Conde de Ventimiglia, mais conhecido como “O Corsário Negro” e a série “Os Piratas da Malásia”, onde aparece a sua personagem mais famosa de sempre: o Pirata Sandokan. Publicado  pela primeira vez em 1883, no diário “La Nuova Arena” , onde Emilio Salgari trabalhou no principio da sua vida , depois de ter sido reprovado na Academia Naval de Veneza onde ingressara com o desejo de explorar os mares e seguir uma carreira na marinha.
      Muito popular em Portugal , Espanha e em países de língua espanhola e lido por autores latinos de renome mundial como Gabriel Garcia Marquez, Isabel Allende, Jorge Luis Borges, Carlos Fuentes, Umberto Eco, Pablo Neruda, entre outros,  Salgari nunca foi muito do agrado dos críticos que lhe enxovalharam o trabalho ao longo de toda a sua vida permanecendo quase ignorado durante grande parte do  século XX. Foi somente nas últimas décadas que a sua obra começou a ser revisitada, com novas traduções. Graças ás  adaptações televisivas e cinematográficas de que algumas das suas obras foram objecto,  é que se pode apreciar a riqueza dos seus enredos e a grandiosidade das suas personagens.
        Emilio Salgari escreveu vários romances onde conta as aventuras de Sandokan, e Yanez de Gomera, o aventureiro português, amigo do pirata. Ao longo de onze romances, assistimos à luta de Sandokan, conhecido como “O Tigre da Malásia”, e dos seus tigres, contra as forças Holandesas e do Império Britânico que tentam limpar os mares do oriente da presença dos piratas. Posteriormente  assistimos á luta contra James Brooke, Rajá de Sarawak e inimigo jurado de Sandokan e de toda a pirataria  e também vamos á Índia lutar contra os Tugues, a terrível seita de Estranguladores.
         O primeiro livro da série foi escrito em 1895 e intitulava-se “I Misteri della Jungla Nera – Os Mistérios da Floresta Negra” e conta a história de Tremal-Naik, caçador de serpentes que vive na floresta negra e, por amor a uma mulher, vê-se a braços com a seita dos Tugues. Adoradores da deusa Kali pela qual matam as suas vitímas estrangulando-as com laços de seda. A história passa-se na ìndia e apresenta-nos as personagens de Tremal-Naik e o seu fiel criado Kammamuri, que virão, em outros romances posteriores, a cruzar-se com Sandokan , tornando-se amigos e viver aventuras inesquecíveis.
         Sandokan e os seus piratas são apresentados em “Le Tigri di Mompracem – Os Tigres de Mompracem”, naquele que é o primeiro livro do ciclo malaio  das aventuras de Sandokan. Oficialmente é o terceiro romance da série, já que foi  escrito em 1900, mas cronologicamente pode situar-se antes ou depois de “Os Mistérios...”, já que ambos podem ser lidos independentemente do resto da série.  Sandokan é um pirata que durante doze anos tem lutado contra os holandeses e ingleses ao longo de toda a Malásia e atingiu  o ponto mais alto do seu poder. É então que ouve falar duma rapariga de beleza extrema a quem chamam  “A Pérola de Labuan”, o pirata, após ouvir diversas histórias, sente-se atraído por ela e quer conhecê-la, não olhando nem aos perigos nem ás consequências que dai possam advir.
      Entre “Os Mistérios...” e “Os Tigres...”, aparece, em 1896, “I Pirati della Malesia – Os Piratas da Malásia”, que se pode considerar uma sequela (utilizando a terminologia hoje empregue)   dos romances anteriores, já que os desfechos de um e outro são referidos quando as vidas de Tremal-Naik e Kammamuri  se cruzam com as de Sandokan, permitindo que entre eles nasça uma amizade que durará os restantes oito romances da série levando-nos a viver com eles as aventuras mais emocionantes da série que vão desde a destruição dos Tugues na ìndia, até à conquista de um Império por amor a uma mulher.
     Muitos autores do final do século XIX escreveram outras aventuras de Sandokan. Autores como por exemplo Luigi Motta ou Emilio Fancelli, tentaram imitar o estilo de Salgari: muito movimentado, grandes batalhas sangrentas, violência  e, pontualmente, algum humor O seu estilo foi muito imitado, mas nenhum conseguiu igualar ou duplicar o seu sucesso. O estilo de Salgari, porém, rapidamente se estendeu ao cinema e á televisão. Os “Western Spaghetti” de Sergio Leone são disso exemplo. Os fora-da-lei dos seus filmes são inspirados nas aventuras dos piratas de Salgari.
      Mais de 50 filmes e séries foram adaptados dps seus romances e muitos outros foram inspirados nos seus trabalhos ( histórias de corsários,  aventuras na selva, filmes de série B de “capa e espada”, etc.). Desde a década de 20 que são conhecidas algumas adaptações de obras de Salgari, mas foi, a partir da década de 50  e de 60 que aconteceu o maior número de adaptações de livros de Salgari, nomeadamente os de Sandokan, interpretado por Steve Reeves, o actor tornado famoso pela sua interpretação de Hércules em vários filmes. Mas foi já na década de 70 que Sandokan e o seu criador se iriam imortalizar .
       Em 1976,  a mini-série “Sandokan”, tornava-se um marco na televisão ao ser exibida por toda a europa onde foi vista por mais de 80 milhões de espectadores. A canção-tema, interpretada por Oliver Onions ,  esteve no top 10 da maior parte dos países europeus onde foi exibida.
     No centro da acção dos seis episódios, está o idílio amoroso vivido entre Sandokan, interpretado pelo actor Indiano Kabir Bedi, que viria a ser considerado a quintaessência da personagem e transformou o actor, do dia para a noite,  num “sex simbol” da década  e Mariana Guillonk, “A Pérola de Labuan”, interpretada pela lindíssima actriz Italiana Carole André (absolutamente divinal quando surge vestida de princesa indiana). Além da história de amor, assistimos também á luta de Sandokan e Yanez, interpretado por Philippe Leroy, contra o Rajá Branco de Sarawak,  James Brooke, interpretado por Adolfo Celi, um actor especializado em papéis de vilão. 
        A série, baseada maioritariamente em “os Tigres de Mompracem”, importa também personagens de outros livros e estabelece o primeiro encontro entre Sandokan e Tremal-Naik durante uma caçada ao tigre, na qual os dois homens se reconhecem e se ajudam mutuamente e cria também um triângulo amoroso já que Sergio Sollima, realizador encarregado de transpor a obra para o pequeno écran, junta a personagem de Sir William Fitzgerald, comandante dos Sipaios,  na luta pelo amor de Mariana.
       O sucesso foi tão grande que, um ano depois, a série foi exibida nos estados unidos, dividida em duas partes, penetrou no mercado americano conseguindo um sucesso relativo, não tão grande como na europa, mas ainda assim um sucesso. No mesmo ano, Sergio Sollima ealiza o filme “La Tigre è âncora viva: Sandokan alla riscossa! – O Tigre de Mompracem”, que é uma sequela à série onde Kabir Bedi, Philippe Leroy e Adolfo Celi regressam aos seus papéis. O filme torna-se confuso porque, embora recupere elementos da série, nomeadamente Mompracem é agora reino de um sultão, amigo de Brooke, traz de volta a personagem de Tremal-Naik  acompanhado do seu criado Kammamuri, vai buscar elementos que nada têm a ver com a série, como a personagem de Djamilla, o grego Teotokris ou até os Tugues, são importados de outros livros e nem sequer são referidos na série. Talvez por isso o filme tenha passado despercebido aquando da sua estreia e as adaptações dos romances do pirata tenham sido interrompidas abruptamente.
      Em 1991, Kabir Bedi interpreta Kammamuri na adaptaçãoo televisiva de “Os Mistérios da Floresta Negra”, realizada por Kevin Connor. A adaptação livre do romance de Salgari não convenceu muito o público, apesar da forte presença de Bedi, foi mesmo considerada uma traição ao espírito da obra.
      Depois dum longo interregno, Sandokan voltaria ao pequeno écran em 1996, com “Il retorno di Sandokan – Sandokan – O Regresso”, pela mão do veterano realizador Enzo G.Castellari. A acção, desta vez, passa-se na índia e é um Sandokan em busca de si mesmo que vamos encontrar, o tigre, cansado de anos e anos de lutas e da perda de muitas pessoas que lhe eram chegadas ( Mariana, o grande amor de Sandokan é referido numa breve cena), perdeu a vontade de lutar e apenas procura um canto para viver. Vem então até ao reino do Assame, onde Yanez, companheiro de tantas aventuras, governa, juntamente com Surama, a mulher que roubou o coração ao português. Mas as coisas complicam-se e está um golpe de estado a ser preparado. Sandokan  é chamado para ajudar e terá de enfrentar um inimigo do seu passado que actua na sombra. Sómente Kabir Bedi, novamente no papel de Sandokan, regressa para esta mini-série  de fraca qualidade  e confusa, principalmente para quem não conhece os filmes anteriores, já que é inspirada  nos  vários romances que constituem o ciclo indiano das aventuras de Sandokan..
     Em 1998, Sergio Sollima volta ao universo de Salgari e realiza “Il Figlio di Sandokan”, uma mini-série em dois episódios e que conta a história de Ken Hastings, um inglês que chega á Malásia em busca do seu pai, cujo nome a mãe, antes de morrer, não lhe quis revelar deixando-lhe apenas um anel com uma cabeça de tigre  que lhe teria sido dado durante uma estadia na Malásia. Quarto capítulo das aventuras de Sandokan, aparentemente sem nenhuma ligação com os anteriores, a não ser, claro, Kabir Bedi a interpretar o pirata malaio.
      Emilio Salgari, tal como Júlio Verne ou Alexandre Dumas, para citar os escritores mais conhecidos, pertence a uma época  onde os valores do cavalheirismo,romantismo, honra e  respeito eram bem marcantes na sociedade e estavam bem patentes nas obras destes, e de outros, conceituados escritores do séc.XIX. As suas obras são intemporais, passaram de avós para pais, de geração em geração (pela minha, inclusive!), ganhando fans que tentam fazer passar a mesma mensagem que lhe foi transmitida a si, através da leitura destes clássicos, ás gerações seguintes, mas não tem sido fácil porque cada vez mais se perdem hábitos de leitura, o  bom do livro é trocado por uma consola de jogos ou por um computador  com a mais avançada tecnologia da altura… o que é realmente uma pena!
  

Nota: As imagens e vídeo que ilustram o texto foram retirados da Internet

domingo, 25 de novembro de 2012

Ran - Os Senhores da Guerra - Shakespeare em versão Oriental


                                             

    No cinema existe uma tendência para o ocidente ir "roubar" ideias e filmes ao oriente. No caso de "Ran" foi o contrário.  
    A acção passa-se no séc. XVI no Japão onde um senhor feudal decide dividir os seus territórios pelos    três filhos, originando  rivalidades entre eles e que vai conduzir a uma destruição sem precedentes.
    Apesar de livremente adaptado de "O Rei Lear" de William Shakespeare,  “Ran” não deixa de ser influênciado pela peça do dramaturgo inglês: em ambos temos um senhor de guerra envelhecido que decide dividir o seu reino entre os seus descendentes. No filme Hidetora tem três filhos (Taro, Jiro e Saburo) que correspondem ás três filhas de Lear (Goneril, Regan e Cordélia) na peça; também em ambos, o senhor da guerra, insensatamente, por uma questão de orgulho, bane todos aqueles que se lhe opõem; ambos terminam, no entanto, com a destruição completa da familia, incluindo o Senhor.
      No entanto existem também algumas diferenças cruciais entre a peça e o filme. “Rei Lear”é uma peça sobre o sofrimento desnecessário e a personagem de Lear é, no minímo, um idiota. Hidetora, por seu lado, foi toda a vida um guerreiro cruel que matou, sem piedade, homens, mulheres e crianças, para atingir os seus fins. Em “Ran”, a personagem de “O Idiota” tem um papel mais activo do que na peça. As personagens de “Lear” não têm passado, enquanto que Kurosawa se preocupou em dotar as suas personagens dum passado de dor e sofrimento, muito dele infligido por Hidetora, especialmente o de Lady Kaede, equivalente ao de Goneril, mas muito mais complexo e importante no desenrolar do filme.
   Kurosawa começou a idealizar “Ran” em meados da década de 70, depois de ler uma parábola sobre um senhor da guerra de nome Mõri Motonari que teria vivido no Japão Feudal, o qual tinha três filhos que lhe eram extremamente leais e talentosos por direito próprio. Kurosawa imaginou então o que aconteceria se eles fossem todos maus e ambiciosos.  O realizador começou a escrever o argumento  pouco tempo depois de terminar a rodagem de “Derzu Uzala – A Águia da Estepe” (1975),  só então é que se apercebeu das semelhanças com “Rei Lear” e, nas suas próprias palavras, “entendeu que as histórias de Mõri Motonari e a peça de Shakespeare se fundiam e completavam uma na outra”. Resolve então deixar o argumento guardado durante sete anos, enquanto pintava e desenhava “storyboards” (esboços) de cada cena descrita no argumento. Após o sucesso obtido com “Kagemusha – A Sombra do Guerreiro”, que o realizador sempre considerou com um ensaio para “Ran”,  através do apoio financeiro de Francis Ford Coppola e George Lucas, que também asseguraram a distribuição do filme no ocidente, onde viria a receber a Palma de Ouro no festival de Cannes e os favores do público e crítica, Kurosawa conseguiu  obter financiamento junto do poderoso produtor francês Serge Silberman e pode então avançar com “Ran”.
Akira Kurosawa, o perfeccionista
   "Ran" é realizado por Akira Kurosawa, o melhor e mais conhecido realizador japonês do mundo, autor de filmes como "Os Sete Samurais" (1954), "Derzu-Uzala- A Àguia da Estepe (1975), o já referido "Kagemusha-A Sombra do Guerreiro"(1980), "Sonhos" (1990) ou "Rapsódia em Agosto" (1991),  e é na verdade um grandioso épico. O perfeccionismo e o bom gosto de Kurosawa está patente em todo o filme, desde o princípio ao fim, onde o desenvolvimento é dado pelas imagens do céu que vão intercalando a acção (começa com uma caçada ao javali, sob um céu azul, sem nuvens no princípio do filme e termina com ele carregado de nuvens negras e uma paisagem desoladora onde apenas o cego sobrevive ao caos total!), passando pelas batalhas sangrentas e filmadas com uma perfeição de mestre, especialmente a primeira, onde o jogo de cores idealizado por Kurosawa permite uma coreografia visual fascinante (a fabulosa sequência em que o exército de Taro, simbolizado pelo amarelo e o de Jiro, simbolizado pelo vermelho, se separam, junto á escadaria, para deixar passar o louco Hidetora de branco, é disso exemplo) e onde o combate adquire uma atmosfera irreal com todos os ruídos e sons substituídos por música,  a lembrar a batalha sobre o gelo de "Alexander Nevski" (Sergei Eisenstein,1938), mas reforçado pelo aspecto dantesco dos planos de cadáveres amontoados.
     Ao longo do filme, Kurosawa emprega todos os métodos conhecidos: desde filmar com três cameras em simultãneo, cada uma utilizando lentes diferentes e também ângulos diferentes numa mesma cena . Grandes Planos em vez de “close ups”, assim como utilizar cameras estáticas e de repente mudar para planos em camera lenta, alterando assim o ritmo da acção para dar um efeito fílmico.
    O tema central do filme é o caos ( o “ran”, do título original, quer dizer isso mesmo: caos, destruição) e o exemplo máximo desse mesmo caos é a ausência de deuses, como se percebe na cena em que Hidetora visita Lady Sué, uma budista devota e a personagem mais religiosa do filme,  a dado momento ele diz-lhe,“ Buda desapareceu deste  mundo miserável” , percebemos que o caos está a chegar e o espectador vê-lo chegar sob a forma de nuvens tipo “cumulonimbus” que finalmente rebentam numa tempestade enraivecida durante o massacre do castelo (Kurosawa esperou dias e dias,  interrompendo a produção, até estarem reunidas as condições meteorológicas necessárias para filmar a cena com o maior realismo possível).
     Estreado no Japão a 1 de junho de 1985, “Ran” foi recebido,  de forma geral,  com reacções modestas, como modesta foi a sua prestação na bilheteira. O triunfo viria, porém, no ocidente onde era aguardado com muita expectativa. Mesmo falhando a apresentação em Cannes, “Ran” foi um sucesso enorme rendendo vários milhões de dólares e  foi um novo fôlego na carreira do realizador  que finalmente teve o merecido reconhecimento aos 75 anos. É fácil de perceber porque é que, no ocidente, Akira Kurosawa era conhecido como "O Imperador", porque ele era realmente um senhor entre os seus pares ocidentais. Muitas das sua obras foram adaptadas por realizadores como Sergio Leone, John Sturges ou até Andrei Konchalovski.
Kurosawa  entre dois seus confessos admiradores
  "Ran" foi nomeado para vários óscares em 1985, apesar de falhar a nomeação para Melhor Filme Estrangeiro, conseguiu uma nomeação para Melhor Realizador  graças a uma campanha montada por diversos realizadores americanos de renome mundial, tendo ganho o de Melhor Guarda-Roupa.
Por tudo o que atrás se disse, é um filme notável, uma obra-prima e o último grande filme de um realizador que nunca teve o devido reconhecimento no seu país. Mas acima de tudo, é um filme  genial.



Nota: As imagens e vídeo que ilustram este texto foram retirados da Internet

EMERSON, LAKE & PALMER II

            O trio, depois de um longo período de férias, sentindo-se revigorado, reuniu-se novamente em 1976, nos “Mountain Studios”, em Mo...